Tour de France #3: A dobradinha de Jonas Vingegaard

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    VITÓRIAS DE ETAPA NA TERCEIRA SEMANA

    Na última semana da 110.ª edição do Tour de France, emergiram vitoriosos seis ciclistas diferentes, vencedores (cada um deles) de uma das seis etapas remanescentes da Grande Boucle.

    A primeira etapa da terceira semana, a 16.ª tirada, um contrarrelógio montanhoso de 22,4 km entre Passy e Combloux, teve o dinamarquês Jonas Vingegaard (Jumbo-Visma) como vencedor da jornada.

    A 17.ª etapa, a etapa rainha entre Saint-Gervais Mont-Blanc e a célebre estância de esqui de Courchevel, foi ganha de forma autoritária pelo austríaco Felix Gall (AG2R Citroen Team), a partir da fuga do dia.

    A 18.ª tirada, com ligação de 184,9 km entre Moûtiers e Bourg-em-Bresse, estava destinada para os velocistas ainda presentes em competição. Todavia, quatro fugitivos (Kasper Asgreen, da Soudal-Quick Step, Jonas Abrahamsen, da Uno-X Pro Cycling Team, e Victor Campenaerts e Pascal Eenkhoorn, da Lotto Dstny) estavam com ideias distintas. Graças a um último esforço de Campenaerts no último quilómetro, para manter em aberto as possibilidades do seu colega de equipa de vencer a etapa, chegaram aos metros decisivos com vantagem suficiente para disputarem a vitória ente si e, à vista dos sprinters, Asgreen acelerou para o seu primeiro triunfo de sempre no Tour.

    A 19.ª etapa, com chegada a Poligny, estava já marcada desde o início da grande volta como uma oportunidade de ouro para os barodeurs. A fuga definitiva da jornada, tratando-se da derradeira oportunidade para vencer uma etapa para muitas equipas, demorou a dar-se. A partir do momento em que se formou o grupo de fugitivos do dia, a verdadeira disputa pela etapa começou, sendo que a pouco mais de 30 km para a linha de meta, ocorreu a movimentação que iria definir o homem da jornada, que incluía: os já vencedores de etapas do Tour em edições passadas Ben O’Connor (AG2R Citroen Team) e Matej Mohoric (Bahrain-Victorious); e o ciclista vitorioso da etapa do dia anterior, Kasper Asgreen. No sprint final, Mohoric e Asgreen levaram a discussão da etapa até às últimas consequências no risco de meta, tendo Mohoric, com um lançamento de bicicleta perfeito, obtido o triunfo e dedicando-o de forma emotiva ao seu ex-colega de equipa falecido no mês de junho, Gino Mader, como parte de um discurso que é um hino ao desportivismo.

    A 20.ª tirada, com chegada ao Le Markstein, a cerca de 1200 metros de altitude, constituía uma última oportunidade de vitória para alguns trepadores gauleses, como Thibaut Pinot (Groupama-FDJ), que arrumará a bicicleta no final da temporada, e Warren Barguil (Team Arkéa Samsic). Ambos tentaram a sua sorte na escapada do dia, mas foram desafortunadamente “caçados” por um conjunto de ciclistas do top 10 da classificação geral, que com menos fadiga acumulada, os deixaram para trás e disputaram entre si a etapa. No sprint final, o polivalente Tadej Pogacar (UAE Team Emirates) serviu-se da sua ponta final para poder erguer os braços na linha de meta.

    A 21.ª e última etapa, de consagração do vencedor da classificação geral e dos outros líderes de outras classificações de menor importância, consagrou também no Olimpo dos sprinters, os Champs-Élisées (Paris), um surpreendente velocista belga, Jordi Meeus (BORA-hansgrohe).

    A DEFINIÇÃO DO MAILLOT JAUNE

    À partida para as últimas seis etapas da Volta à França, tudo indicava que estaríamos perante um negócio celebrado entre dois foras de série, Jonas Vingegaard e Tadej Pogacar, com negociações que durariam até ao fim. Porém, Vingegaard, deu logo a entender ao início da terceira semana de prova, de forma bastante drástica, que isto poderia não suceder, tendo com o contrarrelógio avassalador da etapa 16, que completou com uma média superior a 41 km/h, superado o seu principal rival Tadej Pogacar, segundo classificado da etapa, por quase 1’40’’, e deixado todo o mundo incrédulo com tal desempenho. A rutura de negociações prematura entre os dois rivais acabou mesmo por se confirmar na etapa seguinte, com chegada a Courchevel, tendo Pogacar anunciado via rádio a sua inesperada défaillance numa fase muito precoce do duríssimo Col de la Loze e Vingegaard, partido, desenfreadamente subida acima para se assegurar que o negócio estava definitivamente inamovível nas suas mãos. E se não estava… O dinamarquês finalizou a jornada com a camisola amarela envergada e com uma vantagem consolidada de mais de sete minutos para o segundo classificado, Tadej Pogacar.

    Na chegada a Paris, Jonas Vingegaard provou a todo o mundo que a vitória no Tour do ano passado não foi obra do acaso, mas fruto de muito trabalho e produto de um talento extraordinário para as grandes voltas que possui. O Tour de France de 2023 foi novamente vencido por ele, tendo derrotado novamente aquele que é porventura o melhor ciclista da atualidade Tadej Pogacar, que terminou como vice-campeão pelo segundo ano consecutivo.

    A completar o pódio da 110.ª edição da Grande Boucle ficou o britânico Adam Yates (UAE Team Emirates), que se reinventou como gregário de Pogacar, mas pôde também, por motivos estratégicos, manter objetivos pessoais de uma boa classificação geral, que se concretizaram no terceiro posto, graças ao seu excelente momento de forma.

    No que toca ao restante top 5, o outro dos irmãos Yates, Simon (Team Jayco AlUla), foi dos voltistas em melhor forma na terceira semana e, beneficiando de um segundo lugar como integrante da fuga da etapa 17 e de boas exibições no contrarrelógio e na etapa do Markstein, ascendeu do oitavo posto na classificação geral na segunda semana a uma quarta posição final. Já Carlos Rodríguez (INEOS Grenadiers), com algumas quebras não muito drásticas na última semana acabou por perder a luta pelo pódio, mas manteve-se, com muito mérito, no top 5, após resistir, de forma aguerrida e destemida a uma aparatosa queda que sofreu na penúltima etapa.

    Quanto aos restante integrantes do top 10 final da classificação geral, Pello Bilbao (Bahrain-Victorious), o vencedor da décima etapa, teve uma terceira semana bastante regular e finalizou o Tour na sexta posição; Jai Hindley (BORA-hansgrohe), vencedor da etapa 5, foi envolvido numa espiral descendente desde meados da segunda semana e não conseguiu manter-se no top 5, tendo de se contentar com um sétimo lugar; Felix Gall foi a estrela em ascensão da terceira semana, tendo a jovem sensação austríaca vencida a duríssima etapa 17, com o mítico Col de la Loze, superado as expectativas depositadas nele no contrarrelógio e sido o terceiro melhor escalador da etapa 20, tendo tudo isto contribuído para que, ao fim de 21 dias de competição, fosse o oitavo voltista melhor colocado;  David Gaudu (Groupama-FDJ), ainda que ambicionasse algo mais, cumpriu os requisitos mínimos da equipa liderada por Marc Madiot e acabou em nono; e Guillaume Martin (Cofidis), por entre os pingos da chuva e sem grande aparato, fechou o top 10.

    Ficaram às portas do top 10, por sua vez, o épico Thibaut Pinot e o azarado Sepp Kuss (Jumbo-Visma), que mesmo tendo sido um gregário de luxo incansável para Vingegaard e estando com legítimas aspirações a figurar no top 10 final da classificação geral, embateu violentamente no chão na penúltima etapa, em conjunto com Rodríguez, e não teve mais capacidade de se aguentar no top 10.

    SPRINT PELO MAILLOT VERT

    À partida para a terceira semana, já se sabia que o maillot vert que Jasper Philipsen (Alpecin-Deceuninck) envergava, muito dificilmente, teria outro dono até Paris e assim sucedeu. Ainda que não tenha vencido qualquer etapa na última semana, as quatro que já havia conquistado nas primeiras duas semanas asseguraram-lhe o troféu do melhor sprinter em prova no pódio em Paris. À espreita, mas ainda a mais de 100 pontos dele, ficaram Mads Pedersen (Lidl-Trek) e Bryan Coquard (Cofidis).

    AS SUBIDAS DA TERCEIRA SEMANA DEFINIRAM O DONO DO MAILLOT À POIS

    Giulio Ciccone (Lidl-Trek) partiu para a terceira semana com um objetivo bem definido: assegurar a chegada a Paris com o maillot à pois envergado e conseguiu esse feito. Com a ajuda preciosa de Mattias Skjelmose (Lidl-Trek), Ciccone amealhou o máximo de pontos que conseguiu nos topos franceses e, totalizando 106 pontos, salvaguardou a camisola às bolinhas vermelhas, superando os dois trepadores mais consistentes e em melhor forma da terceira semana, o líder Vingegaard e a revelação Gall.

    EQUIPAS EM EVIDÊNCIA

    Jumbo-Visma- A formação neerlandesa previamente definiu como objetivo primordial do Tour revalidar o título de vencedor final de Jonas Vingegaard, objetivo este alcançado com êxito. O dinamarquês foi o campeão da 110.ª edição da Volta à França e aquele que se exibiu em melhor forma, tendo o contrarrelógio da etapa 16 que venceu sido fulcral para o seu sucesso e tendo contado com uma equipa puramente dedicada a ele durante todo o Tour. Aqui e ali, a superestrela Wout Van Aert foi tentando ter sucesso pessoal em alguma etapa, mas o seu foco capital esteve sempre em proteger e auxiliar o seu líder, Vingegaard, tal como o da restante equipa, composta por barodeurs experientes e escaladores exímios, constituída com os olhos postos no primeiro lugar da classificação geral de Vingegaard. Acima de tudo, a Jumbo demonstrou que se toda uma equipa remar na mesma direção, os objetivos são plenamente alcançáveis.

    UAE Team Emirates- Apesar da equipa dirigida por José Antonio Fernández, não ter alcançado o principal fim, vencer o Tour com Tadej Pogacar, foi, indubitavelmente uma das melhores formações em prova. Tendo em consideração o facto de Pogacar ter fraturado o escafóide na Liège-Bastogne-Liège (em abril) e de não ter tido a possibilidade de preparar de forma ótima a Grande Boucle, terminar com dois ciclistas no pódio final da prova é algo extraordinário (Pogacar terminou no segundo lugar e Adam Yates no terceiro posto). A UAE, para além de finalizar com dois atletas no pódio da Grande Volta, conseguiu ainda arrecadar mais três vitórias de etapa no Tour: a etapa 1 por Yates, que foi o primeiro ciclista a envergar a camisola amarela nesta edição; e as etapas 6 e 20 por Pogacar.

    Bahrain-Victorious- Até ao Tour, a Bahrain vinha tendo uma temporada claramente aquém das expectativas, no que toca à obtenção de vitórias. Eis que no Tour acabaram por inverter este panorama de insucesso desportivo e mostraram-se uma equipa com uma capacidade vencedora inata. Com a fatalidade do ex-colega de equipa Gino Mader (na Volta à Suíça) em mente, os ciclistas da Bahrain, movidos pela sua capacidade física e também pela tragédia do antigo companheiro, obtiveram três vitórias de etapa: Pello Bilbao triunfou na etapa 10, Wout Poels na etapa 15 e Matej Mohoric na etapa 19. A estes triunfos diários, juntou-se ainda a excelente prestação na classificação geral de Bilbao, que terminou na sexta posição.

    EQUIPAS “APAGADAS”

    Team dsm-firmenich/ Movistar Team/ Astana Qazaqstan Team- As três equipas assistiram ao abandono das suas principais coqueluches no decorrer do Tour (Romain Bardet, Enric Mas e Mark Cavendish, respetivamente), mas sendo já equipas com anos de experiência no principal escalão do ciclismo profissional e com múltiplas presenças consecutivas na mais ilustre competição velocipédica do mundo, tinham a obrigação de se ter conseguido reinventar de alguma forma e mostrar-se a um nível superior, pois, no papel, continuaram a dispor de ciclistas no seu alinhamento com qualidade suficiente para obterem melhores resultados e para exibirem de forma mais notória as suas cores.

    OS CICLISTAS EM DESTAQUE

    Jonas Vingegaard- Com uma perspetiva sempre muito fria e calculista, conseguiu (salvo raras exceções) ponderar sempre de forma estratégica as suas ações e as suas ofensivas e, apresentando-se numa forma física ímpar, soube construir de forma sólida o seu triunfo final. Embora pudesse não transparecer essa sensação nos primeiros 15 dias de prova, parece agora que o dinamarquês teve sempre a manutenção da camisola amarela sob controlo.

    Jasper Philipsen- Indubitavelmente, foi o melhor velocista em prova. Com as suas quatro vitórias de etapa, assumiu-se como o homem a bater e chega aos Campeonatos do Mundo de Ciclismo de Estrada como um dos favoritos a suceder a Remco Evenepoel (Soudal-Quick Step).

    Felix Gall- Ao vencer a etapa rainha do Tour e ao ascender oito posições na classificação geral da prova desde o término da primeira semana até ao final da terceira, tem de ser tido realmente como um dos homens de futuro para as Grandes Voltase mostrou ser já uma aposta segura para a discussão de provas com bastante dureza.

    Tadej Pogacar- Não venceu o Tour, mas foi um dos ciclistas mais ofensivos da competição, nunca atirou verdadeiramente a toalha ao chão e juntou ao seu top 3 na classificação geral, duas vitórias de etapa, que fazem dele um dos destaques da 110.ª edição da Volta à França.

    Wout Van Aert- Teve de abandonar a competição antes da 21.ª etapa, devido ao nascimento do seu filho Jerome, mas até ao seu abandono (antes da 18.ª etapa), foi fundamental no auxílio a Vingegaard. Ainda que não tenha ganho qualquer etapa (terminou no pódio em quatro delas), mostrou recorrentemente a sua polivalência e foi absolutamente indispensável a Vingegaard, tendo com muito altruísmo e uma soberba capacidade física, protegido incansavelmente o seu líder.

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    Miguel Monteiro
    Miguel Monteirohttp://www.bolanarede.pt
    O Miguel é um estudante universitário natural do Porto, cuja paixão pelo desporto, fomentada na infância pelos cromos de Futebol que recebia e colava nas cadernetas, considera ser algo indescritível. Espetador assíduo de uma multiplicidade de desportos, tentou também a sua sorte em algumas modalidades, sem grande sucesso, tendo encontrado agora na análise desportiva uma oportunidade para cultivar o seu amor pelo desporto e para partilhar com os demais as suas opiniões, nomeadamente de Ciclismo, modalidade pela qual nutre um carinho especial.