Tour de France: Demi Vollering destrona Van Vleuten

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    Depois de três semanas de Tour de France masculino, a semana passada foi marcada pelo Tour de France Femmes Avec Zwift, a 2ª edição da iteração mais recente da “Grand Boucle” das mulheres. A última grande volta da carreira de Annemiek Van Vleuten era muito antecipada pelo duelo entre a neerlandesa da Movistar e a compatriota, Demi Vollering, líder da SD Worx.

    A equipa dos Países Baixos tem sido o principal destaque da época de 2023, e Vollering, a sua principal figura. O triplete nas clássicas das Ardenas e o domínio na Strade Bianche faziam com que a SD Workx estivesse muito perto da temporada perfeita. Faltava só aquela vitória na geral de uma grande volta

    Figuras como Katarzyna Niewiadoma (da Canyon SRAM), Juliette Labous (Team DSM), Mavi García (Liv Racing), Anne Santesteban (Jayco AIula) e Elisa Longo Borghini (Lidl-Trek) chegavam também como potenciais figuras na luta pela geral. Já as chegadas ao sprint colocavam Marianne Vos (Jumbo-Visma), Charlotte Kool (DSM) e a Campeã Europeia, Lorena Wiebes (SD Worx) frente a frente.

    Quase todas as jornadas eram armadilhadas, com subidas nos últimos quilómetros, com potencial para chegadas ao sprint em grupos reduzidos ou para surpresas com ataques de “puncheurs”. As etapas 3 e 6 pareciam ser os dias verdadeiramente destinados a uma chegada rápida.

    A 1ª etapa foi no dia da última jornada do Tour masculino. Teve início e final em Clermont-Ferrand. O dia ficou marcado por uma queda que afastou Mireia Benito (AG Insurance) da corrida, com a ciclista espanhola a sofrer um traumatismo craniano. A fuga demorou a ser constituída e a iniciativa de Marta Lach (CERATIZIT) nunca teve grande hipótese. A Lidl-Trek trabalhou para levar Lizzie Deignan à vitória no sprint intermédio, mas o momento mais antecipado era o Cote de Durtol, uma contagem de 3ª categoria com 1,7 km a 7,1% de pendente média.

    A subida era curta, mas explosiva, e o trabalho de Marlen Reusser, campeã suíça que corre pela SD Worx, não ajudou. O pelotão deixava de o ser, com o grupo a ficar cada vez mais fanicado. Vos, Wiebes e Kool aguentavam-se, mas a 9,7 km do fim, Lotte Kopecky (SD Worx) atacava e ninguém lhe apanhou mais a roda. A campeã belga fez uma excelente descida para ganhar a 1ª etapa do Tour de France, vestindo a primeira “amarela” de 2023.

    Labous era uma das principais derrotadas do dia, com a gaulesa a perder mais de 40 segundos para as rivais mais diretas.

    O 2º dia marcou a primeira chegada em alto do Tour! A etapa acabava em Mauriac, numa 3ª categoria de 3,4 km a 5,8% de pendente média, com os últimos 1,4 km da subida a não serem categorizados. A jornada começou com uma fuga de duas ciclistas a ser criada com maior facilidade, mas sem muito mais sorte que a tentativa de Lach no dia anterior, acabando a 55 km do final.

    Numa contagem de 2ª categoria, Julie Van de Velde, da Fenix-Deceuninck, atacou e uma queda afetava Van Vleuten, Liane Lippert (colega da neerlandesa) e Longo Borghini.

    A iniciativa que mais ameaçou o pelotão foi a do trio constituído por Yara Kasteljn (colega de Van de Velde), Eva Van Agt (Jumbo-Visma) e Anouska Koster (Uno-X). Distanciaram-se, a neerlandesa da Fenix garantia a camisola da montanha no fim do dia. Van Agt caiu, teve de abandonar, e as duas ciclistas foram reintegradas no grupo das favoritas.

    Na última subida, Niewiadoma atacou, com Ashleigh Moolman-Pasio (AG Insurance) e Lippert na roda. As principais candidatas à geral chegaram-se ao duo, e Kopecky não descolava. A menos de 2 km do fim, Reusser tentou imitar o que a campeã belga tinha feito no dia anterior, com uma ataque a menos de 2 km do fim, mas recebeu resposta da polaca da Canyon e de Longo Borghini.

    Já no último quilómetro, Demi Vollering lançou o sprint, em subida, da camisola amarela, com apenas três corredoras na roda, abrindo um espaço para o grupo de Van Vleuten que Cecilie Uttrup Ludwig, da FDJ-Suez, teve de fechar. Liane Lippert bateu Lotte Kopecky, venceu a segunda etapa do Tour, num dia em que nomes como Labous, Veronica Ewers (EF-Education-TIBCO-SVB), Amanda Spratt (Lidl-Trek) e Santesteban perdiam tempo.

    A 3ª etapa parecia destinada às sprinters, ainda que tivesse 2700 metros de acumulado, o que impedia um dia de tranquilidade absoluta no pelotão. Fuga de Van de Velde manteve a montanha dentro da Fenix, mas agora num elemento belga da equipa.

    Na luta pela verde, Lorena Wiebes conquistou o sprint intermédio e viria mesmo a ganhar a etapa numa chegada rápida que acabou com a fuga da ciclista belga da Fenix a cerca de 700 metros do final. Destaque para o trabalho da camisola amarela que foi a responsável pelo lançamento de Wiebes. Kopecky bonificou com 4 segundos na meta e ganhou 2 segundos na estrada, aumentando a vantagem para as rivais mais diretas. Mas até que ponto é que a campeã belga era mesmo uma ameaça à luta pela geral?

    AS FUGAS SURPREENDEM

    O 4º dia do Tour ficou marcado por uma fuga numerosa que continha figuras como Audrey Cordon Ragot (Human Powered Health) e Lucinda Brand (DSM). A fuga chegou a ter 10 minutos de vantagem, o que obrigou a SD Worx a desgastar-se uma vez que a francesa da Human Powered Health estava apenas a 2 minutos de Kopecky na geral e não era vista com bons olhos uma vantagem de 8 minutos para a corredora da casa. Kasteljn também estava na fuga e começava a ameaçar a geral.

    A camisola amarela atacava nas subidas e era mesmo Katarzyna Niewiadoma quem respondia. Na fuga, foi a neerlandesa da Fenix-Deceuninck a atacar a 19 km do fim e só parou na meta Yara Kasteljn, de 25 anos, conquistava a 4ª etapa do Tour e cimentava-se como uma das principais figuras desta edição da corrida.

    No pelotão, Lotte Kopecky fez tudo para manter a camisola amarela, atacando na última subida do dia, onde Kasteljn se distanciou das colegas de fuga, mas foi apanhada a 8 km do final, onde Sheyla Gutiérrez trabalhava para Annemiek Van Vleuten. Contudo a espanhola deixou a campeã do Mundo em dificuldades, ao lançar um esticão que só Vollering acompanhou diretamente.

    Todavia, a vencedora da edição inaugural do Tour não baixava os braços e tentou atacar numa fase mais plana. Acabaram por ser alcançadas por algumas rivais na geral. Anouska Koster atacou a 300 metros do final, deixando a camisola amarela em dificuldades, pagando o esforço de um dia em que deu o peito às balas.  Vollering conseguiu responder prontamente à mulher da Uno-X e ganhou 7 segundos ao grupo das favoritas, com as bonificações e 1 segundo ganho na estrada. Lotte Kopecky perdeu 14 segundos, mas manteve a camisola amarela.

    A etapa 5 parecia mais um dia destinado à chegada ao sprint, com Lorena Wiebes a ter de abandonar com problemas de estômago. O principal acontecimento do dia foi uma penalização de 20 segundos atribuída a Demi Vollering por ter auxiliada pelo carro da SD Worx para chegar ao pelotão depois de um furo a pouco mais de 60 km do fim. A subida de Castelfadèze contava com bonificações no topo e foram aproveitadas por Ricarda Bauernfeind (Canyon) e por Claire Steels (Israel Premier Tech Rolland). Moolman-Pasio  bateu as Vollering e Van Vleuten pelo segundo extra.

    Bauernfeind mantinha uma vantagem superior a 1 minuto para o pelotão com pouco mais de 20 km por percorrer. Marlen Reusser ia puxando na frente do pelotão e acabou por se isolar com Liane Lippert, levando a um duelo diferente entre Movistar e SD Worx. As duas desentenderam-se por volta do quilómetro final, com a alemã de 23 anos a tornar-se na vencedora mais jovem numa etapa do Tour Femmes.

    A 6ª etapa era a última oportunidade para as sprinters, pelo que apenas três corredoras conseguiram chegar à fuga. Emma Norsgaard (Movistar), Agnieszka Skalniak-Sójka (Canyon) e Sandra Alonso (CERATIZIT) rodavam na frente, com a polaca da Canyon a tentar isolar-se de longe, mas a dinamarquesa da Movistar foi capaz de a alcançar com um ritmo consistente.

    No pelotão, nomes como Lizzie Deignan e Jade Wiel (FDJ-Suez) tentavam sair, mas sem sucesso. Já Veronica Ewers acabaria por ser obrigada a abandonar devido a queda. A norte-americana ainda acabou a etapa mas não arrancou para a penúltima etapa pois foi encaminhada para um hospital onde descobriu que tinha a clavícula fraturada.

    A 10 km, a vantagem era de 38 segundos, com Alonso a descolar dentro dos 5 km finais. Nos últimos 1000 metros, a vantagem era de apenas 10 segundos com Skalniak-Sójka e Norsgaard com uma margem residual para o grupo das principais sprinters. Emma Norsgaard aproveitou a sua excelente ponta final para arrancar a 500 metros do fim, conquistando a vitória na penúltima etapa do Tour.

    TRABALHO DA SD WORX COROA NOVA RAINHA DO CICLISMO

    O penúltimo dia de prova marcava a etapa rainha desta 2ª edição do Tour, com uma chegada em alto ao mítico Col du Tourmallet (17,2 km a 7,2% de pendente média), mas não sem antes passar pelo Col d’Aspin. As perguntas acerca da classificação geral começavam a ganhar uma resposta que ficava cravada na história com um contrarrelógio de 22 km em Pau a encerrar a prova.

    A geral continuava completamente em aberto, com a diferença entre as duas favoritas, assente em 12 segundos, muito por causa da penalização de Vollering na 5ª etapa. Na luta pela classificação dos pontos, Lotte Kopecky tinha 69 pontos de vantagem para Ashleigh Moolman-Pasio, sendo que a chegada em alto favorecia teoricamente a ciclista sul africana.

    Na montanha, tudo em aberto com a camisola às bolinhas nos ombros de Yara Kasteljn e na classificação da melhor jovem, a luta era bastante obscura, com a campeã francesa de contrarrelógio, Cédrine Kerbaol (CERATIZIT) a liderar com 2 minutos e 45 segundos para Ella Wylie (Lifeplus Wahoo).

    No Aspin, foi a Movistar a tentar fazer a diferença, assumindo as rédeas do pelotão para dinamitar a corrida em antecipação da agressividade da SD Worx. Kasteleijn perdia o contacto e a hipótese de lutar pela classificação da montanha e a 34 km do final, Annemiek Van Vleuten lançou-se ao ataque com resposta pronta de Katarzyna Niewiadoma e Demi Vollering.

    Van Vleuten foi puxando ao longo de vários quilómetros, uma tática duvidosa por parte da neerlandesa da Movistar, uma vez que só quando a vantagem para o grupo da camisola amarela (sim, Kopecky ainda resistia no grupo das favoritas) começou a rondar os 30 segundos.

    Na descida, Niewiadoma atacou com consciência de que não podia esperar pela subida final, se quisesse distanciar as duas favoritas. A ciclista polaca foi mantendo uma vantagem de 50 segundos para o grupo da camisola amarela que entretanto chegara a Van Vleuten e a Vollering. Foi então que Marlen Reusser assumiu a perseguição reduzindo a vantagem da líder da Canyon para 8 segundos à entrada do Tourmalet.

    Niewiadoma parecia controlada, mas a vantagem voltou a rondar os 40 segundos quando Reusser estourou. Vollering começou a passar mais pela frente, assim como Juliette Labous que ia lançando ataques pontuais. Quem não saía da cauda do pelotão era Lotte Kopecky. A belga é colega de Demi Vollering e tendencialmente mais fraca na montanha, pelo que o único impasse aqui poderia passar por colocar a camisola amarela a trabalhar para outro elemento da equipa. Seria um formalismo ridículo para uma etapa tão decisiva como esta.

    E foi a 5,6 km da meta que Demi Vollering lançou o ataque que lhe valeria a vitória na etapa e a camisola amarela do Tour de France. No meio do nevoeiro, Van Vleuten tentou responder, mas ficou “a pé” e confirmou-se o prognóstico que já se anunciava desde a Vuelta: Annemiek Van Vleuten era finalmente derrotada numa grande volta, logo na última da sua carreira.

    Demi Vollering voou autenticamente passando diretamente por Niewiadoma em menos de 1 km e colocando margens esmagadoras sobre as adversárias. A polaca da Canyon foi a que mais se aproximou da líder da SD Worx, perdendo 1 minuto e 50 segundos; já Van Vleuten perdia mais de dois minutos e meio, ganhando cerca de 58 segundos a Lotte Kopecky, a maior surpresa do dia que garantia a camisola verde com uma exibição estonteante e única da belga em alta montanha.

    Kopecky ia para o contrarrelógio no 4º lugar, a 7 segundos de Van Vleuten, na luta pelo pódio. Katarzyna Niewiadoma tinha o pódio preso por 45 segundos. O contrarrelógio final marcou mais um dia de domínio por parte da SD Works. A equipa dos Países Baixos ocupou os três primeiros lugares da etapa, num dia que ficou marcado pela subida de Lotte Kopecky ao 2º lugar da classificação geral, empatada com Katarzynia Niewiadoma, a 3 minutos e 3 segundos de Demi Vollering que ganhava o primeiro Tour da carreira.

    Annemiek Van Vleuten acaba a carreira em grandes voltas (irá estar presente nos Campeonatos do Mundo) com 5 triunfos consecutivos. Falhou a dobradinha e o pódio na 2ª edição do Tour de France Femmes Avec Zwift. A camisola branca foi para Kerbaol, os pontos para Kopecky, mas a montanha foi para Katarzyna Niewiadoma que venceu com 4 pontos de vantagem para Yara Kasteljn.

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    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.