Domingo de Páscoa é dia de Volta à Flandres. Como é habitual, a sempre intensa época de Clássicas do empedrado belgas culmina na Volta à Flandres, o segundo Monumento da temporada e, para muitos, o mais interessante e bem disputado.
À partida para a 108.ª edição da Ronde van Vlaanderen estão 175 ciclistas (de 25 equipas diferentes), que tentarão heroicamente completar o traçado com pouco mais de 270 quilómetros entre as cidades de Antuérpia e Oudenaarde, com a esperança de poderem festejar determinado feito no final do dia (seja ele a vitória, o pódio, um top 10 ou até mesmo a mera chegada à meta sem mazelas).
Nas corridas de preparação para o Tour de Flandres, o ciclista em destaque foi Mathieu van der Poel, que tem de ser considerado o principal favorito, ainda para mais com as lesões sofridas por alguns dos seus rivais na Dwars door Vlaanderen, que os impossibilitam de estar à partida da Ronde, dos quais se destacam: Jasper Stuyven e Wout van Aert.
Sem qualquer surpresa, haverá uma batalha até às últimas consequências nesta mítica prova da Flandres e espera-se que, através de múltiplas manobras táticas, os adversários do superfavorito Mathieu van der Poel lancem ofensivas em diversas frentes, dispondo de 17 subidas e 7 setores de empedrado para terem sucesso, para além de muitas zonas em terreno plano (onde muitas vezes também surgem ataques). Para quem trará o coelho da Páscoa os melhores presentes?
O grande favorito
Mathieu van der Poel (Alpecin-Deceuninck)
O atual campeão do mundo em título e vencedor da Volta à Flandres em 2020 e 2022 parte de Antuérpia com o estatuto de grande favorito a repetir os seus feitos de há dois e quatro anos. Iniciou a sua época em grande plano, respondendo de forma bastante capaz aos ataques ferozes de Tadej Pogacar (UAE Team Emirates) no Poggio e sendo absolutamente fulcral na vitória do seu colega de equipa Jasper Philipsen na Milano-Sanremo; mostrou que não há ninguém ao seu nível neste momento na E3 Saxo Classic, vencendo de forma autoritária após um ataque a mais de 40 quilómetros nas rampas do Paterberg; e foi, por fim, batido na Gent-Wevelgem apenas no risco de meta por Mads Pedersen (Lidl-Trek).
Mathieu van der Poel é um dos ciclistas mais explosivos do mundo, daqueles que “tem pilhas para dar e vender” e o único bicampeão à partida da Ronde. Terá todos os olhos postos em si e disporá de uma equipa totalmente devota à sua causa: a vitória. Poderá o neerlandês contar com o auxílio, nomeadamente, de Soren Kragh Andersen e de Gianni Vermeersch nos momentos mais decisivos da prova, tal como com a ajuda de uma das grandes revelações da época até ao momento, o atual campeão do mundo sub-23, o francês Axel Laurence.
Os principais outsiders
Matteo Jorgenson (Team Visma / Lease a Bike)
Em 2023, o norte-americano era considerado uma das maiores promessas do ciclismo mundial e um dos mais polivalentes; em 2024, tendo-se transferido da Movistar Team para a Team Visma / Lease a Bike, é hoje uma das grandes certezas. Matteo Jorgenson, para além de ter batido nomes como Primoz Roglic (BORA-hansgrohe) e Remco Evenepoel (Soudal Quick-Step), para vencer o Paris-Nice deste ano; triunfou também na última corrida de preparação para a Volta à Flandres, a Dwars door Vlaanderen.
Não podendo a Team Visma / Lease a Bike contar com o sua grande estrela e eterno rival de Mathieu van der Poel, Wout van Aert (que se lesionou gravemente na última quarta-feira), Matteo Jorgenson, tendo em conta o seu estado de forma atual, é chamado à linha de frente. A formação neerlandesa serve-se muitas vezes da sua superioridade numérica nos finais das provas para chegar à vitória, mas sem a sua principal coqueluche, sem Jan Tratnik e sem Christophe Laporte, isso torna-se mais difícil. A estas três notáveis ausências, somam-se ainda a incerteza quanto ao estado de forma de Dylan van Baarle, que teve também alguns azares na E3 Saxo Classic; o estado de forma pouco ótimo de Tiesj Benoot, que também tem tido bastantes lesões recentemente; e ainda as dúvidas que pairam quanto à capacidade de Per Strand Hagenes de estar a disputar a fase crucial da corrida, já que fraturou o nariz há pouco mais de uma semana e regressa na Ronde às Clássicas.
Matteo Jorgenson, muito provalvelmente, vai ter de assumir as rédeas de uma formação que tem sido assolada por vários azares, sendo a sua capacidade uma garantia para ele e para a equipa e a sua lucidez tática uma ameaça para os rivais.
Matej Mohoric (Bahrain-Victorious)
O esloveno, vencedor já de um Monumento (Milano-Sanremo de 2022), é o líder da equipa do Médio Oriente no segundo Monumento da temporada, tal como já havia acontecido no primeiro.
Conhecido por ser um dos mais versáteis e consistentes ciclistas do World Tour, tendo finalizado uma vez no top 5, uma no top 10 e duas no top 20 nas últimas quatro Clássicas que disputou, é uma aposta bastante segura para as provas mais importantes do calendário internacional e é tido como um dos grandes especialistas nos percursos com mais de 250 quilómetros, como é o caso da Volta à Flandres.
Tendo como principal arma do seu arsenal as descidas supersónicas (apenas igualáveis por meia dúzia de ciclistas do pelotão), não disporá de muitas ocasiões na Ronde para fazer a diferença nesse campo, mas não é só nessa área que se pode destacar: possui também uma elevada capacidade para rolar sozinho e, num sprint em grupo reduzido, tem também de ser considerado candidato. Contará certamente Matej Mohoric com a ajudar do talentoso britânico Fred Wright para “patrulhar” os grupos em momentos decisivos.
Alberto Bettiol (EF Education-EasyPost)
Cinco anos após a sua incontestável vitória em Oudenaarde, Alberto Bettiol parece chegar novamente à Flandres num estado de forma notável.
O ciclista italiano, que ocasionalmente é traído pelas próprias pernas em momentos decisivos das provas em que parece estar claramente na disputa pela vitória (como aconteceu na Dwars door Vlaanderen de quarta-feira, ou na prova de estrada dos Jogos Olímpicos de 2021), tem a vontade de neste domingo igualar o número de vitórias no Tour de Flandres de Mathieu van der Poel e a equipa sabe que, em condições normais, não deverá andar muito longe de o conseguir.
A qualidade do vencedor da Ronde van Vlaanderen de 2019 é inegável e as sirenes dos adversários devem ter soado bem alto quando alcançou a vitória na Milano-Torino após um solo de mais de 30 quilómetros, tendo a sua capacidade física a caminho das Clássicas do empedrado sido confirmada com o quinto lugar na Milano-Sanremo. Bettiol parte de Antuérpia com a vontade clara de voltar a ultrapassar na liderança o Oude Kwaremont, contando para isso com o seu colega de equipa dinamarquês, Michael Valgren, que também vem recuperando as suas melhores sensações.
Stefan Kung (Groupama-FDJ)
O ciclista suíço chega ao Tour de Flandres depois de um pódio na Dwars door Vlaanderen, que é um atestado da sua capacidade física no momento e é certamente uma fonte de motivação e confiança para o que se avizinha neste domingo.
Stefan Kung é um dos maiores especialistas no contrarrelógio do pelotão e ficará à espera, certamente, do momento ideal para arrancar do pelotão e fazer uso das suas habilidades contra o cronómetro, de modo a alcançar o seu primeiro triunfo numa Clássica do empedrado, que também é um monumento. O suíço terá mesmo de arrancar à distância e terá como apoio Valentin Madouas e como opção na equipa em caso de sprint num grupo de maior dimensão (cenário pouco provável) a jovem promessa neozelandesa Laurence Pithie.
A título de curiosidade, desde o Grand Prix de Denain (onde foi 26.º classificado), Kung tem vindo sempre a melhorar os seus registos por ordem cronológica, tendo sido 23.º na Milano-Sanremo, 16.º na E3 Saxo Classic, 14.º na Gent-Wevelgem e terceiro na Dwars door Vlaanderen. Está, então, Kung destinado ao segundo ou ao primeiro lugar na Flandres?
Mads Pedersen (Lidl-Trek)
Apesar de não ter terminado a última prova em que competiu (devido a queda), a última prova que completou venceu, e de forma ousada, triunfando num sprint iniciado a quase 300 metros da meta perante Mathieu van der Poel, na Gent-Wevelgem.
O campeão do mundo de estrada de 2019 aprecia provas longas e com dureza, que é uma caracterização que pode ser apontada facilmente à prova deste domingo. Encontrando-se num bom estado de forma, é um daqueles que pode claramente desafiar o poderio do atual campeão do mundo, mas resta saber quais as consequências da queda com violência que sofreu na quarta-feira, na Dwars door Vlaanderen.
Mads Pedersen já foi segundo classificado no Tour de Flandres de 2018 e terceiro classificado no de 2023, procurando este ano subir ao lugar mais alto do pódio., sendo o dinamarquês um daqueles ciclistas que se pode superiorizar aos rivais de múltiplas formas, seja através de um ataque a solo, um sprint em grupo reduzido, ou um sprint num grupo de maior dimensão.
Toms Skujins (Lidl-Trek)
O letão tem-se exibido numa grande forma este ano, sendo um dos principais líderes da Lidl-Trek na Ronde.
Toms Skujins foi já segundo na Strade Bianche, resultado que foi absolutamente merecido, tendo em conta a exibição que protagonizou; e terminou no top 10 na E3 Saxo Classic. Tendo redirecionado o seu foco para as Clássicas do empedrado recentemente, é um dos principais protagonistas do jogo tático da formação norte-americana, a equipa em destaque nesta temporada de Clássicas, mas que sofreu um duro golpe com as lesões de Jasper Stuyven e Alex Kirsch, que os impossibilitam de estar à partida da Ronde.
Com a lesão de Stuyven, Skujins é agora chamado à coliderança com Pedersen e pode vir a encontrar um momento certo na corrida que o possa levar à vitória na longa reta de Oudenaarde.
Oier Lazkano (Movistar Team)
O atual campeão nacional de Espanha é um perigo à solta para os adversários e alguém a quem, tendo em consideração a sua capacidade física inesgotável, não devem ser concedidos mais de cinco metros.
Tanto na Kuurne-Brussel-Kuurne, como na E3 Saxo Classic, o basco revelou-se um “osso duro de roer para os adversários” e tenta agora encontrar a receita perfeita para a vitória no palco principal da Flandres.
Contará com Rémi Cavagna e Iván García Cortina a seu lado e poderá ser um daqueles a tentarem antecipar a decisão final da prova.
Tim Wellens (UAE Team Emirates)
O belga é o braço-direito nas Clássicas do campeão em título da Volta à Flandres, Tadej Pogacar, mas na ausência do principal líder da equipa, o braço-direito assume-se como o chefe da equipa na ocasião.
Tim Wellens é um dos melhores nas subidas e nos setores de empedrado, mas não possui a ponta final desejada para a vitória, esperando-se, por isso, ofensivas originadas pelo belga na prova, que já terminou no pódio da Kuurne-Brussel-Kuurne deste ano e no top 5 da E3 Saxo Classic.
A apoiar Tim Wellens na Ronde estão o sempre perigoso Nils Politt, a revelação portuguesa António Morgado e um dos melhores gregários do mundo, Mikkel Bjerg.