Nem os deuses ganham ao tempo

    Segundo Período: Memorando de desentendimento.

    Um aviso antes de continuarmos: este período vai ser mais para mim do que para vocês, vai ser uma espécie de terapia para ver se resolvo esta questão na minha cabeça de uma vez por todas. Eu adoro este desporto, mas isto tem-me deixado louco e está a afetar a alegria que ele me traz. Já me fez desligar a televisão mais do que uma vez. Estou a falar, claro, de todos os golos anulados e não anulados por interferência ao guarda-redes e da confusão que reina por esta altura entre jogadores, treinadores, árbitros e adeptos. Já ninguém sabe o que devia ser e o que não devia ser golo. Parecendo que não, saber o que é golo é uma cena importante.

    Primeiro passo, fazer a reconstrução dos acontecimentos. Tudo começou há duas semanas atrás, antes da pausa para o All Star Game. Os dois mais promissores da NHL, as duas futuras estrelas da liga, Connor McDavid e Auston Matthews, viram dois golos aparentemente limpos serem-lhes anulados. Antes se quer de olharmos para a regra, deixem-me dizer que estes golos, eticamente falando, deveriam ter contado. Matthews apenas vai disputar o disco e acaba por fazer contacto com o guarda-redes, que não tem qualquer hipótese de defendê-lo. Na verdade, Bernier já nem sabia onde o disco estava, a menos que tenha olhos atrás da cabeça. McDavid limitou-se a seguir um remate à espera do ressalto, acabando por tocar muito ligeiramente no guarda-redes. Nada nestas duas situações indicia qualquer infração. Mas a regra diz outra coisa. Se formos ao livro, diz lá explicitamente que qualquer contacto, mesmo que acidental, dentro da área azul deve ser considerado interferência. Conclusão número um, os golos foram bem anulados. Conclusão número dois, a regra é parva.

    Jake Allen a tentar levantar-se depois de ter sido arrastado por um jogador dos Bruins Fonte: Sportsnet
    Jake Allen a tentar levantar-se depois de ter sido arrastado por um jogador dos Bruins
    Fonte: Sportsnet

    Até aqui tudo bem, o caminho era claro: mudar a regra. Mas a NHL não sabe medir as distâncias. Talvez pelos golos terem sido anulados a quem foram, a liga entrou em pânico e, em vez de aproveitar o fim-de-semana do All Star para descansar, decidiu enviar um memorando às equipas a avisar que os árbitros iam passar a ser mais brandos na aplicação da regra. Com estamos a falar da NHL, e o senso comum é algo que não existe por estas bandas, esta semana tivemos dois golos que deviam ter sido anulados e não foram. Jake Allen foi arrastado da frente da baliza por um jogador nos Bruins e Connor Hellebyuck ia sendo decapitado por James Neal. Depois de vistos revistos os lances, golo validado. Resumindo, passamos de aplicar à letra uma regra parva a ignorar completamente essa regra parva, apesar de ela continuar a ser a regra.

    Há situações que suscitam um ligeiro acerto na interpretação das regras. Tudo bem. Eu aceito isso. Mas isto é diferente, é a subversão total do que está nas regras. Numa semana, estavam a anular golos em que, apesar de haver contacto, o guarda-redes não foi de maneira nenhuma impedido de fazer a defesa. Na semana, seguinte estavam a validar golos em que o guarda-redes é arrastado e agredido. Mais parvo do que uma regra parva, só fingir que ela não existe.

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    Tiago Pinto Martins
    Tiago Pinto Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Nice guy, tries hard, loves the game" é a bio do bi-campeão da Stanley Cup Phil Kessel no Twitter, mas podia, com a mesma precisão, descrever o Tiago. Deixou-se deslumbrar pela NHL quando, em adolescente, viu dois adultos ao soco em cima de patins pela primeira vez. Desde entanto, cresceu e passou a apreciar outros aspectos deste magnífico desporto. Espera transmitir esta paixão a outras pessoas.                                                                                                                                                 O Tiago escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.