Creio que não terei abordado este tema mais do que duas ou três vezes na minha vida, e somente junto de amigos também eles apaixonados pel’O Desporto Rei. Raramente senti essa necessidade, se bem que ao longo dos anos fui testemunha de não tão poucas desnecessárias e lamentáveis situações do tipo. Como sou adepto de futebol e não de pancada – apesar da minha discreta paixão por pugilismo – nunca vi, a bem dizer, necessidade para adereçar o tópico pelos cornos, como se faz (ou deveria fazer) junto desses bípedes bois que povoam e poluem as arenas onde os “olés” só se ouvem ao trocar de rins de um ingénuo defesa. Fá-lo-ei, contudo. Não por fanatismo taurino – longe de mim –, mas por paixão futebolística.
Não conspurquem, se favor fizerem, o amor que nosso é. Tenham a generosidade, se não vos pesar, de respeitar a entrega de todos nós. Queiram, compreendendo aqui os vossos (des)humanos limites, dignificar este mundo de fantasia e devaneio conjunto que tanto nos une e nos separa. Envergonhem-se, se vergonha na cara tiverem, de tingir de negro a encarnada camisola que orgulhosamente nos veste, pensando nós, seres mortais e passageiros, que somos nós que a vestimos. Porque se vos pesa nos ombros, é porque é feita para pesar. É feita das aventuras e desventuras de homens e mulheres todos eles humanos como nós, mas perpétuos nas suas acções junto de um símbolo que nos acolheu. Porque se o Benfica nada é sem nós, nós nada somos sem o Benfica.
Como acordarias amanhã, irmão encarnado, se te soubesses afastado do teu clube para todo o sempre? Como tomarias tu o teu café sabendo que contribuíste para o inimaginável desaparecimento desta mística que só é nossa se dignidade mostrarmos para tal? Com ou sem açúcar?
Quero que se lixem as claques. Quero que se lixe o tipo que ao meu lado grita contra a péssima tomada de decisão do Salvio. Quero que se lixe o Jorge Jesus e o quarto árbitro que juntos compõem uma desnecessária sinfonia sobre a falta que ficou por marcar sobre o Enzo. Quero que se lixe o gordo rico que nem liga à bola mas que vai para o camarote comer do bom e do melhor enquanto manda umas bojardas sobre o período de seca do Lima. Quero que se lixe a caixa, o incêndio no topo norte, a bola de golfe, a galinha e a pedrada na auto-estrada. Quero que se lixe a PSP. Quero que se lixe o Steward que acabou de levar com uma bola na cabeça por estar sempre de costas para o campo. É bem feita.
Eu quero é ver o futebol bonito. Eu quero é saber do Benfica. Eu quero é ir à bola. Mamar umas jolas com os amigos, gozar com o bigode do bêbedo com idade para ser meu avô, comer uns couratos dignos de me tornarem completamente repugnante aos olhos do sexo feminino e ver o Jonas a matar-me as saudades do sacana do Cardozo. O resto não é futebol. Não é festa. Não é fim-de-semana. Não é para relembrar. Não vale a pena partilhar com o doente do meu amigo Xico. Não serve para convidar o meu amigo Nuno a quebrar o jejum de Luz. Não justifica o estoirar de dinheiro a que lá convenço o meu amigo Mário. Nem o chorrilho de desesperadas, mas naquele-momento-bonitas asneiras do meu amigo Moreira.
Porque amanhã tudo desaparece. Amanhã tudo se esquece. Mais vale viver grande para que grande se possa morrer. Porque só grande se honra este privilégio de poder partilhar o mesmo espaço temporal, sensorial e outras coisas que tal com uma instituição que é mais temerosa do que qualquer cadeira arremessada no Estádio Cidade de Coimbra.
Estas pessoas que não temem estes actos são pessoas que não temem o Benfica. Que não o respeitam. Que não o enxergam. São pessoas que não o compreendem. São pessoas que não fazem falta. Que digam que é cagar sentenças. A mim pouco me importa. Porque isto não é dizer que o meu benfiquismo é melhor do que o vosso. Não. Isto é somente dizer que nem eu nem o Benfica precisamos desse vosso benfiquismo digno de petardos, tiro ao alvo ou agressões policiais. São só mais do mesmo. E mais do mesmo fere e mata. O Corunha que o diga.
Paz à sua alma, já agora.
Foto de Capa: Facebook Oficial do Sport Lisboa e Benfica