Benfica Campeão | Como Proceder?

    Benfica

    Volta o Benfica a beijar a careca dum título que lhe fugia desde 2019, quando Bruno Lage pulverizou recordes com alguns dos bons rapazes que são hoje novamente as estrelas dum conjunto campeão.

    Voltando a esse Verão, poucos imaginariam o rescaldo de conquista tão épica – muito menos alguém sério imaginaria a travessia no deserto que durou até 2023, caminhada odiosa cheio de episódios mal contados, demonstrações irrepetíveis de fraqueza desportiva e moral e um profundo distanciamento entre adeptos e equipa – que só dão as mãos quando há pontos de ligação cultural entre o plantel e as gentes que o apoia violentamente.

    Em 2019 como hoje, o bom futebol orquestrado por um grande treinador liga-se à personalidade do próprio e ao seu entendimento do que é o Benfica – que na Luz só faz sentido ganhar com um espectáculo gordo, de golos a pingar do céu e rebentos do Seixal a fazer o caminho contrário rumo ao estrelato.

    Florentino Luís, que confirmou as previsões sugeridas pelo talento colossal depois de andar a ser desperdiçado em empréstimos sem critério, é agora o elo de ligação entre uma e outra vaga de ‘Seixalitos’ de gabarito internacional que impuseram o clube como o melhor da temporada, entre Félix ou Jota e António Silva ou João Neves.

    António Silva SL Benfica
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    Os elogios que Rui Costa merece por este título ser-lhe-ão entregues pelo tempo, que é sempre o melhor juiz; no presente e a reboque do delírio e do fascínio próprio dos alvores da paixão, há que ligar Roger Schmidt ao acordar do Benfica e associar para sempre 2022-23 ao seu nome, como juntamos 2018-19 a Lage ou 1982-83 a Eriksson.

    Até porque ligando os três estende-se um conjunto muito próprio de valores que relacionam as três personalidades e vão criando, aos poucos e mais devagar daquilo que é desejável, um verdadeiro padrão para técnico do Benfica: precisamente pela urgência da modernidade em uniformizar sistemas táticos a todos os escalões e criar uma identidade técnica nos clubes, tendo a La Masia como exemplo máximo, aparece de tempos a tempos essa sugestão do além de que para ter transcendente sucesso no Benfica, é preciso um código de conduta muito rígido.

    O clube do povo é também o clube dos cavalheiros, dos que juntam boas maneiras à competitividade, a coragem à lealdade, a frieza à sensatez – a mistura certa para honrar «valores mais altos que se levantam», Mário Wilson, atrevemo-nos a citar.

    Assim, entrando descomplexadamente pela porta do departamento comparativo, encontramos Schmidt a dirigir-se para um gabinete onde já estavam Lage e Eriksson. A decoração tem troféus de Campeonato e sobre uma grande mesa redonda – e marmórea, como os carismas dos intervenientes – estendem-se folhetos, manuais, listas, ensaios e A3 com milhentos gráficos de estudo ao 4-4-2 e suas variantes, ao futebol de prego a fundo a começar pela pressão alta e a terminar na capacidade de matar ideias contrárias com recurso ao contragolpe. Recuperar, transição rápida, golo. Repetir ad eternum e também isso relaciona os três – as médias assustadoras de golos.

    Schmidt chega ao gabinete de dossier debaixo de braço e cheio de bons argumentos para ganhar a confiança dos outros dois: conseguiu-o replicar dentro e fora de portas, conversa que mantém Lage em silêncio e o aproxima de Sven. Mas no essencial dão-se bem os três, porque a maneira de ser assim os obriga.

    Schmidt e Lage podem-se relacionar pela forma como identificaram logo de antemão as principais lacunas, como tiveram a coragem de ir contra interesses estabelecidos para arrumar a casa e como identificaram Florentino e Rafa como peças indiscutíveis.

     O trinco voltou a brilhar com um treinador do mesmo perfil e que soube identificar nele as características que o tornam num recuperador de bolas de topo; e Rafa Silva, que com Lage descobriu as maravilhas do corredor central, com Schmidt descobriu que zonas dele pisar para se tornar realmente mortífero, dentro e fora de portas.

    Continuam a conversar Lage e Schmidt. E, chegados ao assunto sério – o futuro, sempre o misterioso futuro – cala-se o alemão para falar o português (uma raridade) e começa o segundo a narrar a sua história, de como depois dum primeiro ano maravilhoso, se cai daquela forma ravina abaixo.

    Cabe ao primeiro ter agora a presença de espírito para manter a exigência com superiores hierarquícos e a disciplina da sua equipa técnica – que erros a evitar no segundo ano de mandato?

    A história de Lage, que ainda não nos foi contada, será o melhor ensinamento; Schmidt até já escorregou junto do precipício com aquelas três derrotas seguidas de Abril e saboreou um pouco dessa maldade do destino, que muda de cara a cada esquina e assalta quem dele se ri ou não o reconhece. Foi esse o grande momento da temporada, o abanão que acabou com a histeria que já se vendia com selo Benfica nas ruas de Istambul.

    SL Benfica
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    O grande desafio do Benfica 2023-24 passará sobretudo pela capacidade que tem, ou não, de aprender consigo mesmo. Se a recuperação anímica e competitiva desde Chaves foi notável, culminando em exibições categóricas como a da Luz frente ao SC Braga ou a de Portimão, urge identificar o que propiciou a trágica quebra de forma da mais vistosa equipa da Europa, a par do Nápoles ou City. E sobretudo aprender com os erros de 2019, quando se pensou que um título formidável daria embalo para continuar a caçar o FC Porto em número de títulos.

    Se em 2019 o Benfica tinha cinco dos últimos seis campeonatos, voltou a ficar para trás: e o Porto já vai em 12 desde 2000. O Benfica, que carimbou o 38.º, conta apenas… oito!  

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    Pedro Cantoneiro
    Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
    Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, o Benfica como pano de fundo e a opinião de que o futebol é a arte suprema.