O Benfica e a Oceânia

Palau é um pequeno arquipélago na Micronésia, à entrada do Pacífico como quem vem das Filipinas. A capital, de facílima dicção, Ngerulmud, é “a menor capital dum estado soberano” do mundo, pelo que nos diz a Wikipédia. E nem sequer é a maior cidade do país, que é Koror, a capital antiga – onde vivem todos apertadinhos uns imensos 11 mil habitantes, dois terços da população total Palauiana, dispersa por 340 ilhas. Obviamente, a principal fonte de subsistência é o Turismo.

A norte da maior ilha, Babeldaob, na zona de Ngarchelong – tenham paciência – encontramos a joia da coroa do Palau, uma das suas principais atracções: do chão erguem-se 34 monólitos, conjunto a que se dá o nome de Badrulchau, concorrente mais modesta dos Moai rapanuianos da Ilha da Páscoa.

Ora bem, agora atentem bem num capítulo da descrição dada pelo Ministério do Turismo e da Cultura de Palau[1], que transcrevemos no inglês original, respeitando a intelectualidade dos nossos estimados leitores:

SIGNIFICANCE

There are many stories concerning Badrulchau. Some says gods or supernatural spirits constructed the columns possibly as a support for a Bai type of building; others say that Portuguese were responsible. Legend has it that a Portuguese ship was wrecked near Kayangel island long ago. The sailors settled on this island later came to Babeldaob island (site of Badrulchau). Few archaeologists have visited this site and report that due to various evidences, including radio carbon dating, work on these columns dates back to 150 A.D. Once positive findings are made by archaeologists, it will clarify the early history of Palau. In the meantime, the site is respected by Palauans as an important link in their history and the area is not used for other purposes presently.

Desenha-se aqui o início da ligação de Portugal com a Oceânia, adocicada com os rumores e histórias de termos chegado à Austrália ainda antes dos espanhóis e holandeses, quanto mais do senhor James Cook. A relação, porém, nunca teria efeitos oficiosos, só amigáveis através de Timor-Leste.

Amigável foi também o pretexto para o Benfica seguir o exemplo dos coitados náufragos em Kayangel. Muito provavelmente como eles, aos encarnados não havia moedas a fazer barulho no bolso e, em Agosto de 1975, Borges Coutinho toma a decisão mais pragmática – duma pré-época planeada na exótica Ferreira do Zêzere e transferida à última para Carcavelos por falta de recursos, toca de meter a equipa num avião a fazer uma viagem de 48 horas.

Eusébio é um dos melhores jogadores portugueses de sempre e uma lenda do Benfica
Fonte: Benfica

O Benfica era, em 1975, um clube em crise. Apesar de nesse ano iniciar a conquista do 12.º campeonato em dezasseis, o clube andava aos repelões. A geração dourada tinha-se extinguido – Eusébio, acabado de operar o joelho pela sexta vez, andava pelas Américas, e tinha levado consigo o “irmão branco”, vice-capitão de equipa, António Simões; Artur Jorge, ocupado pelas diatribes do sindicalismo e pelas morosidades do activismo político, fora dispensado com carta de recomendação para entregar no Restelo; Jaime Graça regressara a Setúbal. Humberto Coelho, o único que poderia representar um encaixe significativo, seguiu para o PSG.

A equipa, se continuava imperial em formato interno, penava em contexto externo. Desde a final com o Manchester United, em 68, só por uma vez o Benfica tinha chegado às Meias da Taça dos Campeões. Em altura de liberdade, no meio do PREC, na Luz gritava-se, sobretudo e ainda, por revolução. As finanças, que convidavam aos cortes desapaixonados, provocavam a que se ouvisse em plena Assembleia Geral que o Benfica poderia durar apenas mais “dois ou três meses”. Por isso, a resposta possível: que os sócios queriam outro 25 de Abril, desta vez no Estádio da Luz.

Sem as principais figuras da equipa do Benfica, perguntava-se – já sem necessidade de cochichos – quem marcaria golos naquela equipa. Mário Wilson era peremptório:

«Neste momento, a capacidade do Benfica chega – e, de certo modo, sobeja – para o âmbito nacional, mas é curta para a alta competição internacional.»

Por isso, depois de perder fora frente a Fenerbahce e Ujpest, o Benfica cairia vergado por cinco golos em Munique. O Bayern de Müller e Rummenigge era demasiado forte.

A viagem histórica daquela pré-temporada, a mais comprida do futebol português – o Sporting foi à China três anos depois e ficou perto -, com oito jogos em 15 dias, permitiu aos cofres da Luz respirar melhor, por conta das remunerações simpáticas pagas pelas gentes de Victoria e Sidney.

Em 2025, serve tudo isto para perceber no contexto benfiquista uma mistela de resquícios do passado, uma amálgama que se recusa em dar o passo em frente. Os seis golos não importam muito senão valorizar a valentia e dignidade do conjunto de polinésios amadores que competiu contra um Benfica bem vestido, mas sem grandes noções.  Comportamentais e de etiqueta. 

O confronto de Kökcu com Bruno Lage esclarece uma primeira dúvida: se o plantel estava com o treinador. A forma como o treinador respondeu, esclarece a segunda: se Bruno teria capacidade emocional para ser feliz nesta segunda etapa. O planeamento atabalhoado, sem resolução de pastas sérias como a renovação de Otamendi, a tour de despedida de Dí Maria, apesar de já apresentado em Rosário, ou a continuidade de Carreras, parece jogada propositada para alimentar a narrativa da oposição – talvez nem mesmo os que se preparam para Outubro pudessem imaginar uma recta final tão poucachinha de Rui Costa.

Como há 500 anos, o Benfica parece querer recuperar-se dum naufrágio, erguendo pedras onde deveria semear juventude; como há 50, o cachet é a mais motivadora das prioridades. Impossível é, agora, ser por necessidade. Daí que se levantem os mesmos gritos para um novo 25 de Abril, obrigando à besta sagrada chamada Bayern a surgir novamente à nossa frente para provar um ponto.


[1] https://ministryofhrctd.pw/badrulchau-stone-monoliths/

Pedro Cantoneiro
Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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