Só nos contos de fadas é que as paixões imensas ganham o fulgor e a atraente calmaria que – estúpidos de nós – pensamos querer para o resto das nossas vidas. Sofrer, ainda que nessas páginas não conste, faz parte do crescimento. E o crescimento a dois é a coisa mais inspiradora que a Humanidade foi alguma vez capaz de conceber, rejeitando jovialmente o seu intrínseco egocentrismo. Pois que fique claro, ainda que nada saiba realmente sobre o assunto, que amar é ter o coração nas mãos e nas mãos o tremor impaciente de uma vida que anseia pela felicidade conjunta. Ou assim gosto de acreditar.
Luisão e o Benfica representam, de uma forma menos poética, o supra-sumo do que é esse fulgor ritmado que nos tira o sono, a fome, a lucidez e a vontade de viver tornando-nos simultaneamente nos seres mais vivos à face da Terra. O ‘Girafa’ entrou no coração da águia já lá vão 10 anos e, desde então, muitas foram as noites sem dormir que essa história de amor provocou aos que de encarnado vestem. 2009, 2011 e o presente 2013 foram os anos em que os jornais desportivos publicaram a intenção de sair por parte do brasileiro, o que causou manifesto mau-estar no balneário, visto o actual capitão ter declarado na altura – pré-época 2011/2012 – que nem a braçadeira o prenderia ao Benfica. Luís Filipe Vieira, de uma forma ou de outra, conseguiu sempre convencer o central a não fazer as malas e deixar a casa. E, lá está, de uma forma ou de outra, esse amor deixou-se fortalecer e cristalizou aquela que é actualmente a relação de lealdade mais cativante em todo o futebol português.
Hoje o palco é de Luisão porque, se as lesões não atrapalharem, no final da fase de grupos da Champions o camisola 4 tornar-se-á no jogador com mais presenças europeias por um clube português: 99. Nem Veloso (77), Eusébio (75) ou Nené (75) conseguiram deixar tal marca na história do futebol nacional. O actual recordista é nada mais, nada menos do que Vítor Baía, pelo FC Porto, com 98 presenças em jogos para a Europa.
E o que há para contar das aventuras além-mar do ‘Capitão’? Uma infindável amálgama de carrinhos in extremis, cabeceamentos territoriais, alívios determinantes e passes de ruptura para a inteligência dos médios e avançados de encarnado. Para além disso, e acima de tudo, três golos na Liga Europa – onde, em 2011, se destaca o tento contra o PSV, que empurrou a equipa para o empate que acabaria por garantir a presença nas meias-finais contra o Braga -, e cinco golos na Liga dos Campeões, sendo que nenhum benfiquista se esquece do enorme cabeceamento que dá a vitória em casa nos oitavos-de-final contra o Liverpool. No total, e só para saciar a curiosidade, 49 jogos para a Liga Europa (26 vitórias, 10 empates e 13 derrotas) e 47 jogos para a Liga dos Campeões, incluindo fases de qualificação (18 vitórias, 13 empates e 16 derrotas).
Pelo meio dos beijos apaixonados que mimicamente enviava aos adeptos depois de marcar um golo, também surgiram algumas quezílias. Ofensas, injúrias e revolta declarada e bem expressiva contra um público impaciente e já derrotado quando a vitória contra o Gil Vicente lá acabou por chegar (tarde). Mas a verdade é que quem ama, perdoa. Quem ama, não esquece. Dá o tudo por tudo e tudo deixa nesse jogo que é o amor.
Mais tarde ou mais cedo, porque é assim que os apaixonados vivem e sobrevivem, os temores dissipam-se, as palavras feias guardam-se nos bolsos – lá bem longe do coração – as zangas convertem-se em sinal de entendimento e, com toda a dedicação e lealdade que acompanhou essa vida a dois, vive-se com a certeza de que quando for para morrer, será a seu lado. E de encarnado.