David Neres | Mundial à vista

    Benfica

    Rejuvenesce David Neres Campos ao serviço do Benfica, catapultando as águias para inicio de época assustadoramente implacável – tudo o que se atreve a defrontar lisboetas acaba derrotado nos dois meses de competição jogados até agora, mas fosse isso o pior.

    Num Futebol que ainda se quer romântico, a humilhação que é defrontar David Neres na forma actual fará muitos dos laterais implorar por ajuda divina ou a benção de não calhar no caminho benfiquista. Roger Schmidt atreveu-se a explorar o talento de Neres como nunca tinha sido feito, à direita do ataque, e o brasileiro corresponde tão ou ainda melhor como quando explodiu na meia-esquerda do AFC Ajax, há cinco anos.

    Chegado a Amesterdão em 2017, ainda conviveu com Marcel Keizer até Dezembro, só depois chegaria Ten Haag. Com o agora comandante do United, Neres foi estrela do conjunto – ex-aequo com Zyech, De Jong, De Ligt,Tadic e Van de Beek, as superstars daquela estrondosa campanha de 2018-19, quando o Ajax pulverizou Real Madrid CF e Juventus FC para alcançar as meias-finais da competição, onde tropeçaria ingloriamente no Tottenham HFC de Pocchetino.

    Ajax 1-2 Real Madrid 2018-19

    É nessa temporada que Neres se afirma definitivamente em contexto internacional, apesar do valente ano anterior (14 golos e 13 assistências em 2900 minutos, divididos por 37 jogos) onde assume importância no conjunto, ainda que a campanha europeia do Ajax tenha sido nula (eliminado na pré da Champions e no play-off da Liga Europa). Em 2018-19, aproveita a boleia do sucesso colectivo para se mostrar aos grandes do continente, sendo o melhor em campo na primeira mão da derrota frente ao campeão em título Real, prometendo coisas bonitas no jogo de volta: que cumpriu, voltando a ser dos melhores em campo e marcando o segundo dos quatro golos holandeses, no memorável 1-4 em pleno Bernabéu. Nos quartos de final, chutou para fora a Juventus de Cristiano Ronaldo com novo golo, no empate a um do primeiro confronto.

    A partir da esquerda e deixando a ala para Tagliafico, Neres associava-se a Tadic, falso 9, e Ziyech, aparecido vindo da direita, onde depois encarrilava Mazraoui – um carrosel com dinâmicas em tudo semelhantes ao Benfica 2022-23. Por esta altura, era a grande promessa brasileira a despontar nessa Europa, e com ele só Malcolm era comparável, que por essa altura ainda era uma grande aposta blaugrana.

    Neres, que via o pé direito simplesmente como apoio, abusava da irreverência e da canhota para procurar por dentro os espaços – o que, actuando daquele lado, não lhe possibilitava muitas possibilidades de tentar o golo de longe, como o faz agora pelo Benfica -, obrigando a outro tipo de conclusões no último terço, onde procurava o associativismo técnico para se ver na cara do golo, triangulações constantes que resultavam fruto da qualidade dos companheiros e da sua própria monumental taxa de passes verticais certos (80%).

    Ainda assim, e apesar das muitas assistências, muitos dos cruzamentos eram… inofensivos (só 17,6% deles resultavam em finalização!), daí a procura por espaços interiores e a fuga da lateral – aspecto que muito melhorou em Lisboa.

    David Neres 18-19 UCL vs. Eredivisie

    2019-20 tinha tudo para ser mais uma época bombástica que terminaria com transferência para grande europeu. Neres, muito namorado naquele Verão, foi protegido pelo Ajax: já havendo perdido De Ligt e De Jong, aos neerlandeses sobrava poder negocial e fortaleza para responder negativamente a aproximações. Neres ficou, com Zyech e Van de Beek, ainda mais como figura do plantel. Mas infortúnio do destino a lesão grave sofrida naquele 4-4 em Stanford Bridge frente ao Chelsea FC de Lampard: menisco à vida e estaleiro até final da época. Penoso.

    Berghuis, mais, Daramy, menos, recém-chegados, reforçaram estatuto nas alas do ataque. Quincy Promes assumiu a titularidade, Labyad era opção viável a saltar do banco, e Ryan Babel servia para empregar experiência. Neres, enquanto recuperava, via-se ultrapassado na hierarquia, mas sabia que, ficando em forma, seria questão de tempo até recuperar a titularidade. Era a convicção do jogador e dos adeptos.

    Mas no verão de 2020 o Ajax decide gastar 16 milhões na mesma loja de onde tinha escolhido Neres. Os neerlandeses aterraram no Morumbi e de São Paulo trouxeram a mais recente jóia da Cotia – era Antony, que no ano de estreia não esteve de modas e cumpriu 2872 minutos (46 jogos), relegando Neres para papel secundário (2012’, 39). Entretanto recuperado, David não conseguiu manter o nível pré-lesão e viu-se definitivamente deixado para trás. Resultado duma concorrência fortíssima, mas saudável, fortes laços que se criaram entre os dois pelos vários pontos em comum. Nascidos na mesma casa, partilhavam o tecto de outra e dotavam aquele Ajax de quantidades industriais de criatividade e fantasia.  Deu Eredivisie e Taça dos Países Baixos.

    Ainda começaria 2021-22 com os Ajacied, mas em Janeiro – com 718’ cumpridos… – mudar-se-ia para o FK Shakhtar, projecto de base brasileira e com um romântico ao leme, como é De Zerbi. No papel, era o rumo perfeito para a recuperação total do futebol de Neres. Na prática, um mês depois, Putin ordenou a invasão a Ucrânia – e o futebol passou para segundo plano.

    A forma como chega ao Benfica é conhecida. A conjugação teórica entre o talento de Neres e o gegenpressing de Roger Schmidt também empolgou a generalidade da imprensa desportiva portuguesa. Tinha tudo para ser um passo acertado para clube e jogador. Dois meses de competição e confirma-se. Foi na mouche.

     

    Estatísticas SL Benfica – 18 de Setembro

    Finalmente à direita, de forma a potenciar a canhota e a permitir o remate enquadrado e as deambulações com outro equilíbrio e visão do último terço. Neres disparou na estatística, disparou no campo mediático com um sem número de lances circenses e uma eficácia nunca vista na carreira.

    A continuar com o registo que leva até agora, fará bem melhor que aquele 2017-18, recolocando a fasquia bem acima, em posição quase inalcançável: a manter o ritmo, chegará às 30 participações em golo, recorde pessoal.

    Aos números, junta as exibições e os momentos onde assume a responsabilidade, puxando dos galões quando a equipa mais precisa: como se viu frente ao Vizela ou em Turim, onde além do segundo golo reuniu os defesas italianos para palestra sobre malabarismo.

     

    Neres vs. Juventus

    Por agora, tem tempo para repousar. Bem precisa, depois da titularidade em todos os jogos até agora efectuados. Não tendo sido chamado aos trabalhos da Canarinha, fica em Portugal a ganhar fôlego. Paradoxalmente, talvez essa ausência na convocatória seja necessária para forçar a chamada ao Mundial no próximo Novembro: nestas semanas de sprint final, Neres tem concorrência apertada para estar no Catar, já que todas as soluções brasileiras parecem estar em grande forma.

    Antony vai-se assumindo em Inglaterra, Gabriel Jesus dá show pelo Arsenal e parece ser uma certeza no certame – Tite deu-se ao luxo de não o convocar… -, Martinelli segue-lhe as pisadas, Richarlison intromete-se entre Son, Kane e Kulusevski, Raphinha vai bebendo do QI de Xavi, há ainda Rodrygo, Matheus Cunha e os inevitáveis Vinicius Jr. e Neymar.

    Neres bem precisa de se mostrar e de ajudar o Benfica a uma boa perfomance europeia, sendo os confrontos com o Paris Saint-Germain FC essenciais no seu futuro e do próprio clube.

    Artigo revisto por Joana Mendes

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    Pedro Cantoneiro
    Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
    Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, o Benfica como pano de fundo e a opinião de que o futebol é a arte suprema.