Jesus e a arte de jejuar

    camisolasberrantes

    Estas futuras linhas, numa sufocante onda de entusiasmo como esta que vamos juntos navegando, tanto se deixam banhar de necessária humildade como de merecido pavoneamento. Porque é assim o Benfica de Jesus: um para sempre incomparável percurso pautado por falhanços estrondosos, mas cheios de bom futebol. Bom futebol esse que, mais tarde ou mais cedo, e graças a toda a sua magistralidade, acabaria por sair por cima.

    Saiu. Chegou. Viu. E venceu. Por entre tortuosos caminhos foi driblando durante cinco (demasiado longos) anos. Um Campeonato e três Taças da Liga. Uma Supertaça Cândido de Oliveira dada ao Porto. Uma Taça de Portugal mal perdida contra um corajoso Guimarães. E ainda uma Liga Europa por conquistar em Amesterdão, tudo fruto da cabeçada de Ivanovic ao cair do pano. Se nos lembrarmos ainda do tropeção no Dragão…bom, Jesus conseguiu paradoxalmente igualar as suas grandes vitórias às suas ainda maiores derrotas. Ainda para mais sabendo que do outro lado, no campeonato, nos últimos dois anos, esteve Vítor Pereira – técnico, na minha opinião, bem menos capaz do que este Paulo Fonseca, que nem pela porta pequena saiu, mas sim pela janela…de um qualquer décimo andar.

    É este o resumo, por alto e sem grandes aprumos futebolísticos, do percurso do treinador amadorense no Benfica. Óbvio que se gostarmos realmente do desporto-rei e quisermos fazer justiça ao tipo que “até” deu alma e identidade ao Benfica – o único desde Sven-Göran Eriksson, e eu ainda nem era nascido ou via futebol na altura – será necessário relembrar que o ano passado foi, apesar de todas as lágrimas derramadas no final, o ano mais brilhante que o Glorioso viveu na sua história recente. Muito provavelmente, nos seus últimos 20 anos. Ou mais. Só vi o Benfica a praticar melhor futebol quando se sagrou campeão em 2009/2010 e, mesmo aí, nem cheirámos a Taça de Portugal (derrotados pelo Guimarães, por uma bola a zero, ainda na 4ª Eliminatória) e começámos a época a perder a tal Supertaça para o rival do norte.

    Bem diferente desse de 2009, este foi um jogo que acabou com Jesus a beijar um herói Oblak Fonte: ASF (Eduardo Oliveira)
    Bem diferente desse de 2009, este foi um jogo que acabou com Jesus a beijar um herói Oblak
    Fonte: ASF (Eduardo Oliveira)

    Em verdade, se o ano que passou foi brilhante, este ano já o suplantou em (quase) tudo: Campeonato conquistado a 15 pontos do Porto e com duas jornadas por disputar, final da Taça de Portugal, final da Taça da Liga e a quase-confirmação para Turim. O que Jorge Jesus conseguiu nestas duas épocas é de bradar aos céus. É de génio. É único. Nunca o Benfica na sua história conseguiu vencer mais do que dois títulos numa só época e Jesus pode quebrar esse registo…a dobrar! Juntando à conquista da Taça de Portugal a conquista da Taça da Liga e da Liga Europa, o que lhe permitiria tornar-se no primeiro treinador a conseguir vencer as três competições nacionais de uma assentada. É de loucos. E pensar que a última vez que o Benfica conseguiu, na mesma época, vencer o Campeonato e um troféu europeu foi em 1961…

    E talvez os loucos mereçam mesmo um voto de confiança. Não sei que vos diga. Sou dos que nunca deixou de apoiar o trabalho deste técnico e isso sempre me valeu calorosas discussões – se quiserem procurem por entre as minhas muitas participações no Bola na Rede versão podcast e perceberão do que falo. Não quero, nem preciso, de vir para aqui dizer que se confirma agora que na altura até tinha um bocado de razão. Até porque, na verdade, também fui dos muitos que acreditei num fim de ciclo no princípio desta época. Nunca me senti tão feliz por estar errado. Luís Filipe Vieira chegou-se à frente e, entalado até mais não, fez a única coisa que podia (e sabe) fazer: geriu mal o Benfica e lá conseguiu obter bons resultados. Não foi a primeira, nem há-de ser a última vez.

    Mas falemos de coisas felizes. Do fim do jejum deste Benfica. E do princípio do jejum do Porto. Já lá iam mais de 31 anos desde que o clube encarnado conseguiu enterrar o seu rival em todas as competições que disputaram juntos. 31 anos. É uma vida adulta. E assim assistimos, de forma meio poética, ao culminar da vida adulta do Benfica. Enfrentámos e vencemos a puberdade. Renascemos. Começamos agora um novo período. Uma nova hegemonia pintada de vermelho e branco. Uma nova hegemonia onde não há espaço para os anseios e devaneios do norte. Chegou a nossa hora. Chegou a hora de bater o pé e de deixar na fome e na miséria futebolísticas aquele que foi, sem olhar a meios, o dono e senhor do futebol português.

    Que o jejum vos faça bem. Até porque só agora começou.

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    O Tiago tem uma doença incurável que o afeta desde o momento em que nasceu: a paixão pelo Benfica. Gosta de ver bom futebol, mas a sua maior alegria é comer um coirato à porta do Estádio da Luz.                                                                                                                                                 O Tiago não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.