«João Pinto? Quem o deixou sair do SL Benfica devia estar preso» – Entrevista BnR com Toni

    – O Benfica de Toni ou o Toni do Benfica –

    “Académica x Benfica? É um dia histórico, em que o Futebol serviu a causa”

    BnR: Ainda vive em frente ao Estádio da Luz?

    T: Não é em frente! Eu vivo na rua da Lusa, sensivelmente a 600 metros do Estádio da Luz, há cinquenta anos. Sou quase o regedor. [risos]

    BnR: Ao serviço do Benfica foram 13 épocas, tendo feito 395 jogos e marcado 24 golos. Que episódio nunca contou publicamente?

    T: Conto-te esta porque é rápida e mostra a força que o Eusébio tinha: era o meu primeiro jogo para a Taça dos Campeões Europeus, na Islândia, contra o Valur. Na ida para Reiquejavique, o Eusébio não seguiu connosco na comitiva porque foi receber a Bota de Ouro. Lembro-me que fizemos escala em Glasgow e, na ida, parecia que ninguém nos conhecia, e estavam lá o Coluna, o Simões, o José Augusto, o Torres, o Jaime Graça… jogadores que, anos antes, tinham estado no Mundial 66. No regresso, já com o Eusébio integrado, foi a loucura nesse mesmo aeroporto! Fotografias, autógrafos… eu, que tinha meia dúzia de dias no Benfica, acabei por levar por tabela e também assinei e tirei fotografias.

    BnR: O que é feito do Austin 1000?

    T: Já não o tenho! Foi o meu primeiro carrinho. EF-73-77: podes apontar! Comprei-o meses depois de ter vindo sozinho para Lisboa, porque em Coimbra já tinha tirado a carta. Antes disso, eu e os colegas que vivíamos no Lar do Benfica apanhávamos o elétrico ao pé da igreja de Benfica, íamos até ao Califa e, dali, apanhávamos o autocarro até ao estádio ou íamos a pé.

    BnR: Tudo começou com uma pré-época “de sonho”: uma digressão de mais de 30 dias pelas Américas. Já tinha andado de avião?

    T: Já, com a Académica: tínhamos ido jogar aos Estados Unidos, a Newbedford [Massachusetts], e a Caracas, esta última através do Amadeu José Freitas; viajámos na Viasa, a companhia aérea venezuelana daquela época.

    BnR: É durante essa pré-época que o falecido Carlos Pinhão o apelida de “Tonitruante”. Foi um digno aprendiz de Coluna e Jaime Graça?

    T: Um ano depois de lá ter estado com a Académica, volto aos Estados Unidos com o Benfica. Nessa digressão, que começou em Belém do Pará, estreei-me no dia 8/8/68 contra o clube do Remo, empatámos 1-1 e guardei a bola, porque quando o árbitro apitou estava com ela nos pés. Depois, fomos para Buenos Aires fazer um pentagonal – no qual o melhor marcador do Benfica acabei por ser eu, vê lá – com Santos, Boca Juniors, River Plate e Nacional de Montevideu. Daí, seguimos para a Venezuela, para jogar com o Botafogo, seguiu-se Bogotá contra os Millonarios e, finalmente, regressámos aos Estados Unidos para jogar no Yankee Stadium, novamente, contra o Santos de Pelé. Foi este o meu batismo inicial.

    Em relação à pergunta, disse muito bem: fui um digno aprendiz! Jaime Graça e Mário Coluna tinham dois estilos diferentes! Coluna, que estava a aproximar-se do fim de uma carreira brilhante, deixou uma marca na História do Benfica e do futebol mundial; Jaime Graça era um jogador fino, inteligente, de enorme visão de jogo e capacidade de drible, e que podia fazer não só o meio, mas também o lado direito. Foi um fator muito importante para o meu crescimento ainda tê-los como os homens com quem fui emparelhando na zona do meio-campo. Aliás, fruto do surgimento das substituições, nesse ano, no futebol português, acabei por fazer 22 jogos em 26 possíveis, que foi bom para ir começando a afirmar-me.

    Fonte: Facebook de Toni

    BnR: Meses passados e voa de novo, desta feita até Luanda, para defrontar o ASA para a Taça de Portugal. Em plena Angola Colonial, que impacto teve em si ver pretos e brancos unidos a festejar a vitória do Benfica?

    T: Senti que havia uma comunhão perfeita. Nesse jogo, inclusive, houve gente que fez 600 e 700 km para ir ver o jogo, saindo de vários pontos de Angola para chegar a Luanda. Quando o sorteio ditava ASA x Benfica, os dois jogos eram em Angola; se fosse Benfica x ASA, as partidas realizavam-se em Portugal. Aliás, um ano antes tinha defrontado o ASA pela Académica: um jogo foi em Coimbra e o outro foi em Lisboa. Isto para dizer-te que passámos lá uma semana e a receção que tivemos no aeroporto de Luanda, que continuou até ao hotel e culminou nas pessoas que não arredaram pé durante a noite, porque estavam ali – numa altura em que ainda não havia televisão – aquelas que eram as figuras míticas do futebol português, foi uma coisa impressionante.

    BnR: Taça que viria a conquistar frente à Académica, num jogo fortemente marcado pela contestação ao Estado Novo.

    T: Essa final foi o maior comício feito na Era de Salazar! É uma final que significou muito mais do que uma Taça. Só faltou a Académica ganhar, mas se calhar até foi melhor ter sido o Benfica, porque as manifestações poderiam ter assumido graves contornos. Pela primeira vez, uma final da Taça não foi transmitida pela televisão, a conselho do Ministro da Educação da altura, o Dr. José Hermano Saraiva. É um dia histórico, em que o Futebol serviu a causa. Adivinhava-se que algo estaria para acontecer.

    BnR: Insisto nesta temporada, de 1968/69, porque é nela que se inserem dois dos jogos que diz terem sido mais especiais para si: o último do campeonato, em Tomar, e o 1-3 na Luz, frente ao Ajax.

    T: Felizmente há muitas mais memórias positivas que negativas, mas o 3-1 com o Ajax é uma frustração, atendendo a que vínhamos de um resultado positivo em Amesterdão [3-1] e jogado em condições adversas, porque o campo estava coberto de neve. Na Luz, o senhor Cruijff resolveu abrir o livro e acabou com o jogo. Naquela altura havia um terceiro jogo para desempatar e fomos a Paris: 0-0 no tempo regulamentar e acabámos por perder no prolongamento. Esse 3-1 é marcante porque nos poderia catapultar para, eventualmente, repetir a conquista europeia. O jogo em Tomar significa saber, pela primeira vez, o que é ser campeão pelo Benfica e logo em época de estreia.

    BnR: Há ainda a história da invasão de campo, em que, pelo que me disseram, foi o único jogador que se manteve sereno.

    T: Janeiro, 1970. Estava de chuva. O árbitro era João Nogueira, da AF de Setúbal; se nós não estávamos a jogar nada, ele também não estava a ser feliz nas decisões que andava a tomar. O Mota da Silva foi para a rua, o Torres, que era o capitão, foi para a rua também, e o que acontece é que, fruto de uma decisão que o árbitro toma, eu olho e vejo que, do lado da baliza sul, vêm uma série de adeptos a correr e eu disse “Oh Homem, fuja, fuja, fuja!” e o árbitro, de olhos esbugalhados, começa a correr. O Estevão também se junta e apoiámo-lo até ele sair pelas escadas. Lá em baixo estava o Sr. Calado, o sapateiro, com o pé de ferro para se houvesse alguma coisa com as nossas botas, e o árbitro começa a querer vir para cima com esse objeto e eu disse “Epá, não, não!”. Estou a rir-me, mas não devia ter acontecido: provocou uma interdição de oito jogos no Estádio da Luz e puseram uma rede na bancada para que se evitassem invasões futuras. Ainda levei com um guarda-chuva nas costas. Foi um dia negro na história do futebol português.

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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.