José Mourinho é treinador do Benfica desde o dia 18 de setembro de 2025. Bem sei que a pausa internacional devorou metade do tempo, mas já lá vai quase um mês desde o seu regresso à Luz. Há um par de ilações a tirar sobre as mais recentes exibições do Benfica e expectativas para um futuro próximo. No seio benfiquista, paira a mesma dúvida agora que não se calava há dois meses atrás: como é que vai ser contra as equipas “pequenas”?
Vale, desde já, destacar as boas exibições que o Benfica deixou em Londres e no Porto, muito principalmente do ponto de vista defensivo. Tanto num jogo como no outro, as missões atribuídas a jogadores em termos de marcação homem a homem (Ríos, Enzo) e a ocupação dos espaços (diferentes papéis de Sudakov e Aursnes) foram acertadas e contribuíram para uma estrutura coesa – isto não quer dizer que não existisse espaço, existia, mas era o espaço que a equipa de Mourinho escolhia dar.
Por outro lado, foi uma equipa com pouca baliza e muito por culpa da falta de critério, definição e decisão no último terço e pela falta de dinâmicas e de rotinas em transição ofensiva. Estas exibições foram rotuladas como “mais um autocarro de José Mourinho”, mas eu vi algo diferente, vi uma equipa de rastos psicológica e fisicamente e que, ao sobreviver, também mostrou que estava viva.

Não escrevo isto pelo romantismo da frase, mas sim até pelas palavras do treinador do Benfica. Repare-se, a comunicação de José Mourinho desde o seu primeiro dia foi sempre com os olhos postos no jogo contra o FC Porto. Creio eu que, tendo em conta o contexto da equipa e todo negativismo ao seu redor, o seu objetivo principal passou por sair do Estádio do Dragão com o melhor resultado possível, de forma a não se perder na tabela classificativa, não afundar de vez a confiança dos seus jogadores e trabalhar a moral a partir daí. A verdade é que as palavras de Mourinho depois do clássico foram em tons elogiosos para com a sua equipa, subindo, de certo, a sua moral e confiança. Depois da tempestade, pede-se, ou melhor, exige-se, a bonança.
Um mês depois da sua apresentação enquanto treinador do SL Benfica, Mourinho enfrenta o mesmo desafio que Lage enfrentou e raramente conseguiu ultrapassar: como fazer deste Benfica uma equipa temível com bola?
Primeiro, parece-me que José Mourinho já decidiu as estruturas base deste Benfica: arruma-se em 4x3x3, pressiona em 4x4x2 e não descura um bloco médio 4x5x1 ou uma linha de cinco quando oportuno. O passo seguinte é dar as tarefas certas aos jogadores certos. Ainda que o treinador já tenha identificado a situação de Richard Ríos e, pessoalmente, vejo razões para prever uma subida de rendimento do médio, o Benfica tem perdido pujança nos corredores laterais, fruto da fraca influência de Dahl e Dedic no atual jogo do Benfica, salvo pela explosão de Lukebakio. Há trabalho a fazer nos três corredores.

Começando pelo corredor central, que não existe no Benfica há algum tempo, há um perfil a ser determinante na sua recuperação e enquadrado no contexto: Sudakov a receber no half space. Tem acontecido com Mourinho e o ucraniano é o jogador com maior liberdade de movimentos no plantel encarnado – quantas mais vezes o médio conseguir receber com qualidade e livre de marcação nestas zonas privilegiadas do campo, maior será o número de jogadas e oportunidades que conseguirá criar.
Há que definir o papel de Ríos: não é brilhante taticamente nem um criativo, entendo-o como um jogador mais fixo e central, de quem carrega o piano para os artistas tocarem. Com a missão de aparecer na área vindo de trás, cobrir espaços nos corredores, ser o principal catalisador de transição defensiva, tocar poucas vezes na bola em momento ofensivo e fazê-lo de forma simples, mas bem, Ríos pode mostrar a sua melhor versão. Poderá surgir a questão de que se um jogador deste perfil vale o preço que custou. Devolvo a questão, quem é que definiu esse preço e quem é que o pagou?
Há que clarificar o papel de Aursnes. O médio é peça fundamental para o equilíbrio tático e adequa-se a cada momento do jogo com a inteligência tática que se pede a um treinador que tenha. No entanto, Lukebakio rapidamente ganhará o estatuto de intocável à direita e Sudakov é o criativo de eleição no meio, resta a ala esquerda para o nórdico ter um lugar no 11. Ainda assim, Schjelderup não dará mais garantias em termos de criação e igual capacidade de associação com os companheiros? Ou irá Mourinho preferir Aursnes no papel de falso extremo, oferecendo o corredor a Dahl?

Parece-me, atendendo às palavras de Mourinho, que o treinador não deposita confiança em Schjelderup e que esta disputa do lugar de extremo irá ser entre Aursnes e Ivanovic, ambos como falsos extremos, mas com tarefas diferentes.
Com isto, destaco a possibilidade de vermos o Benfica a atacar em 4x3x3 assimétrico em grande parte dos jogos. Além de clarificar o papel de Ríos e Aursnes, acho que ainda se deve repensar o papel de Dahl – um jogador que potencia as qualidades dos outros e joga melhor em triângulo, beneficiará de atacar um corredor sozinho?
Reconhecendo que Mourinho já estabeleceu as fundações do que será o seu Benfica e resolvendo as questões de papéis e tarefas, resta apenas encaixar as engrenagens para que o sistema possa fluir. Farioli destaca-se pela pressão. Rui Borges pelo ataque posicional. E Mourinho? Acredito que o Benfica assuma uma postura conservadora nos ‘jogos grandes’ esta temporada, mas não se poderá prestar a esse papel na maioria dos encontros nacionais. Da mesma forma, não acredito que José Mourinho, nesta fase da carreira, se transformará numa referência de ataque posicional.
Prevejo o Benfica a tentar praticar um futebol direto, pouco pensativo e que apenas tentará reter a bola quando o jogo for benéfico a tal. Quando lhe retirarem o espaço, o desafio passará por atrair o adversário de forma a criá-lo, atacando-o através das suas principais armas, como Lukebakio.

Frente a equipas que não recuam tanto nem se amedrontam perante um ‘grande’, o uso do corredor central para encontrar espaço nos corredores laterais faz sentido nesta ótica; aliás, era também assim que a Roma de José Mourinho jogava. Todavia, também prevejo um Benfica dependente de rasgos individuais para desmontar blocos baixos.
Parece-me que, mais duvida, menos duvida, José Mourinho já encontrou o seu 11 e formação base. Parece-me que, nesta primeira fase, conseguiu com que os seus jogadores erguessem a cabeça. Parece-me que o Benfica fez dois jogos de alta exigência defensiva competentes desse mesmo ponto de vista. Agora, é hora de ver como é que o Benfica de Mourinho ataca.