Lendas do Universo Benfiquista: Joaquim Ferreira Bogalho

    Muitas vezes, a palavra “identidade” é proferida quase como que em vão no momento de definir o que é o Sport Lisboa e Benfica. Quando penso em “identidade Benfiquista”, penso nos grandes feitos do Passado, nas múltiplas personalidades que trilharam o caminho e que ergueram esta Instituição que hoje conhecemos e cuja dimensão se tornou infinita. No meio de tantas personalidades, há que não esquecer Joaquim Ferreira Bogalho, 20.º Presidente do SL Benfica e que ficou para sempre na História por estar ligado à construção do Estádio da Luz, em 1954.

    Joaquim Ferreira Bogalho vira trabalhar para Lisboa, à procura da sua sorte, ainda muito jovem. Trabalharia em casas de câmbio, primeiro como assistente e, mais tarde, como gestor, abrindo a sua própria casa de câmbio. Sempre foi visto como um jovem disciplinado, dedicado e com muita vontade de aprender.

    Começaria a acompanhar o Benfica regularmente como adepto, tornando-se depois sócio (na altura, com o número 801) e chegaria mesmo a ser guarda-redes do Clube, ainda que na terceira categoria. Dos campos, passou para os gabinetes e estrear-se-ia como Vice-Secretário da Presidência de Ribeiro dos Reis, em 1926. Além deste cargo, seria também delegado da Direcção, representante do Benfica na Divisão de Honra da AF Lisboa, Director de campo suplente, integraria várias comissões de futebol e seria também Tesoureiro do Clube. Seria, aliás, como Tesoureiro que se viria a notabilizar devido à grande capacidade que teve para reestruturar as contas do Benfica, que na altura estavam sujeitas a uma dívida de relevo por causa da construção do estádio das Amoreiras.

    Num percurso ascendente, aos 38 anos de idade ser-lhe-ia atribuida a Águia de Ouro pelos préstimos ao SL Benfica, distinção essa que é muito difícil de receber e que não está ao alcance de qualquer um. Conhecido pela sua personalidade vincada, sempre que não concordava com as opções tomadas pelas direcções das quais fazia parte demitia-se, mas acabaria sempre por ser convidado pelas futuras equipas directivas.

    Joaquim Ferreira Bogalho a deixar-se levar pela emoção e a ser amparado por Gastão Silva e Paulino Gomes Júnior, após o seu discurso de inauguração do Estádio da Luz, a 01 de Dezembro de 1954
    Fonte: ontemvi-tenoestadiodaluz.blogspot.com

    Nos anos 40, assumiria a Presidência do Conselho Fiscal e, mais tarde, da secção do Futebol. Integraria também o grupo a quem caberia angariar os fundos para um dos maiores projectos desde a fundação do SL Benfica: a construção de um Estádio. Desta forma – e no sentido de acelerar um processo que até à data não avançava –, candidatar-se-ia à Presidência do Clube e, em 1952, seria eleito Presidente do SL Benfica. Após sanear as contas do Clube, poderia então dar asas ao seu sonho e tornar o SL Benfica num dos maiores clubes do Mundo. Para começar a contrariar a hegemonia do Sporting até então, investiria em reforços que pudessem trazer alguma qualidade ao jogo do Benfica, onde se destacaria Fernando Caiado, contratado ao Boavista Futebol Clube por 200 contos. Começaria, assim, a profissionalização do Futebol do SL Benfica.

    Nos anos seguintes, Ferreira Bogalho certificar-se-ia que toda a gente estaria comprometida com o projecto do SL Benfica e que nada nem ninguém estaria acima do Clube. Ficaria conhecido por despedir um dos melhores defesas-centrais que passaria pelo SL Benfica (Félix Antunes), quando este atirara a camisola ao chão em pleno balneário, após uma derrota por 5-2 com o Vitória Futebol Clube. Para Ferreira Bogalho, demonstraria para com o Clube um total desrespeito e seria completamente implacável no momento de tomar a decisão.

    A 14 de Junho de 1953, dar-se-ia inicio à construção do Estádio. Faria questão de não endividar o Clube e de comprometer o seu futuro, decidindo construir um estádio económico, mas com categoria suficiente que respeitasse a grandeza do SL Benfica. A construção do Estádio ficaria conhecida pela grande campanha em seu torno: o povo Benfiquista ajudaria com voluntariado, ofertas, leilões e comércio cujas receitas reverteriam na ajuda na construção. No fundo, seria um Estádio de todos para todos.

    Como forma de homenagear toda a mobilização para a construção do Estádio, Paulino Gomes Júnior (director do Jornal do Benfica) escreveria um tema que seria apresentado e interpretado na voz de Luis Piçarra, num Sarau no Pavilhão dos Desportos, cujas receitas reverteriam também para a construção do Estádio. Esse tema chamar-se-ia “Ser Benfiquista”, hoje religiosamente entoado antes de cada jogo do SL Benfica. Os 12.000 contos necessários para dar inicio à construção seriam conseguidos através de todas estas actividades e campanhas, não tendo sido necessário obter nenhum empréstimo. Seria tudo conseguido com a ajuda dos sócios e adeptos, num acto de entrega e devoção, bem à imagem do que é ser-se Benfiquista.

    A imagem final do Estádio da Luz, um dos maiores estandartes da Mística Benfiquista e que Ferreira Bogalho tanto lutou para erguer
    Fonte: SL Benfica

    A 1 de Dezembro de 1954, 50 anos depois da fundação do Clube, finalmente inaugurar-se-ia o Estádio da Luz. Este seria um acontecimento único, tendo sido vivido com bastante emoção. Por exigência de Ferreira Bogalho, os primeiros a pisar o relvado seriam os operários, seguindo-se o desfile dos milhares de atletas ao serviço do Clube e, a seguir, faria o discurso presidencial de inauguração, onde proferiria as seguintes palavras: “Aqui estamos instalados no nosso lar. Aqui queremos viver para todo o sempre. Queridos consócios, curvo-me emocionado perante a vossa abnegação e, aqui solenemente, vos faço a entrega deste monumento fruto do vosso amor. Bendito seja o sacrifício que fizemos”. Uma vez terminado o discurso, Ferreira Bogalho quase desmaiara tal era a emoção com que vivenciara o acontecimento. No final de contas, este seria o seu grande triunfo. Subir-se-ia mais um degrau na Mística do SL Benfica e o Clube lançar-se-ia num crescimento sem igual ao longo das décadas seguintes, com inúmeras conquistas nacionais e internacionais.

    Mas a obra de Ferreira Bogalho não ficaria por aqui. No seguimento da profissionalização do Clube, voltaria a investir e contrataria o treinador brasileiro Otto Glória para que este viesse revolucionar o Futebol do SL Benfica. Daria apoio para que os jogadores se tornassem profissionais exclusivos ao serviço do Benfica, criaria o Lar do Jogador e traria jogadores que ficariam para a História Gloriosa, como Costa Pereira, Coluna ou Santana. Como forma de motivar os jogadores, introduziria também os prémios de jogo. Ferreira Bogalho e Otto Glória seriam a base que cimentaria o crescimento do SL Benfica enquanto clube profissional e que ajudaria a que fossem criadas as condições necessárias para o salto qualitativo nos anos 60. Em 1957, tão somente cinco anos após tornar-se Presidente, deixaria o comando do SL Benfica. Ficaria para sempre conhecido como “O Homem do Estádio”.

    Joaquim Ferreira Bogalho é considerado por muitos o melhor Presidente da História do SL Benfica, devido à sua resiliência e determinação e também pela forma como sempre lutou afincadamente pelos interesses da Águia. Como referi no início do artigo, foram muitas as personalidades que fizeram do SL Benfica o que ele é hoje: um Clube humilde e orgulhoso, repleto de conquistas e cuja alma será eterna. Esta é a verdadeira “identidade” do Glorioso Sport Lisboa e Benfica. Que nunca nos esqueçamos do nosso Passado.

    Foto de Capa: aspapoilasdobiscaia.blogspot.com

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    Bruno Costa
    Bruno Costahttp://www.bolanarede.pt
    Alfacinha de gema e Benfiquista por natureza, Bruno é um obcecado por Futebol e foi através da escrita que encontrou a melhor forma de dar a conhecer essa sua paixão pelo desporto-rei. É capaz de estar desde Segunda-feira até Domingo à noite a ver todos os jogos que passam na TV. Terá sido em pequeno que toda esta loucura futebolística foi despertada pelo seu Pai e pelo seu tio que, respetivamente, o levavam ao Estádio do Restelo e ao Estádio da Luz. Bruno não suporta facciosismos e tenta sempre ser o mais crítico possível para com o seu clube.                                                                                                                                                 O Bruno não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.