Já todos fizemos castelos de cartas. Começamos por colocar duas cartas a suportar-se uma à outra, juntamos outro par e colocamos uma na horizontal por cima destes dois pares de forma a fazer a base para que nova pirâmide de duas cartas seja feita, com a maior delicadeza possível. Repetir o processo até ter um belo castelo de cartas grande e majestoso, mas frágil e vulnerável.
Este é o balneário do Benfica construído por Rui Vitória. Cada carta foi colocada no castelo pelas suas mãos e algumas vezes foi descuidado e deixou que quase todo o castelo caísse. O que vale é que a base é a estrutura do Benfica – sim, a mítica estrutura que muito se falou quando Jorge Jesus saiu para o rival de Lisboa.
Rui Vitória desde a primeira vez que esteve a falar para as câmaras como treinador do Benfica, na sua apresentação no Estádio da Luz, que tem um discurso brando e a saber a pouco. Num breve discurso, o português a ser apresentado como o treinador das águias endereçou agradecimentos aos clubes por onde passou, aos pais, disse que tinha imenso prazer em representar o Benfica e deixou apenas uma frase aos adeptos “Darei a vida por este clube”. Continua na defensiva, esquivando-se sempre da promessa de ser campeão na época de estreia, e diz apenas que está “convencido que vamos criar uma grande equipa”. Mais tarde reforça a promessa, não de conquistas, mas de que a equipa vai “dar a vida pelo Benfica”. Repete-se.
Em cerca de vinte minutos, temos uma espécie de resumo daquilo que é o treinador encarnado com as palavras. Um técnico não é pago para falar, claramente que não se pede que um treinador seja o melhor com as palavras – pensei em Jorge Jesus que até surgem piadas de que nem a língua nativa consegue articular – mas com toda a certeza, um treinador é mais do que tática.
Podemos usar precisamente Jorge Jesus como exemplo: o homem que dizia as coisas certas da maneira errada. De facto, era isso mesmo. O agora treinador do Al-Hilal sempre teve dificuldade em se expressar, mas aquilo que dizia tinha fundamento ou, pelo menos servia de injeção motivacional para os jogadores no balneário. Afirmava segurança, força, confiança!
Falando neste último, é impossível não lembrar José Mourinho, um dos treinadores mais confiantes na altura de falar. Chegou ao FC Porto a meio da época e disse assertivo que ia ser campeão. Aliás, reafirmava isso na célebre frase “Em condições normais, vamos ser campeões; em condições anormais, também vamos ser campeões”. Palmada na mesa e sai da conferência de imprensa. Que jogador vê esta atitude confiante e assertiva e não se deixa conquistar por ela?
Porém, Rui Vitória tem outra atitude. Muito mais académica, muito mais parental, que não cai bem em balneários de clubes com grandes ambições e grande pressão para atingir objetivos mínimos época após época, sempre renovando o plantel com novas aquisições – devido à necessidade do clube português de vender as suas pérolas do onze inicial. Enquanto não há vento, o castelo de cartas aguenta, mas assim que aparece uma brisa, a coisa começa a mexer.
O discurso de Rui Vitória só demonstra a fraqueza que ele impõe no balneário, ainda para mais em tempos de crise. Não consegue manter os jogadores unidos numa visão, confiante do seu alcance, assertivo nas suas palavras. É sempre politicamente correto mesmo quando é necessário dar uma palmada na mesa e sair para o balneário e convencer os jogadores de que vão ganhar. Com a entrada de reforços alheios àquilo que é o Benfica e o que está à volta do clube, o discurso de “dar a vida pelo Benfica” deixa de funcionar porque para Castillo, Ferreyra, Gabriel ou Corchia – mencionando alguns dos reforços desta temporada – essa frase não é suficiente para os convencer porque não têm a total noção do que é vestir o manto sagrado. Para eles não passa de vestir uma camisola vermelha, quando na verdade é muito para além disso. E se Rui Vitória não consegue fazer passar essa mensagem de forma assertiva aos novos reforços nem renovar esse foco aos mais antigos jogadores, dificilmente eles se sentiram motivados e com garra quando mais é preciso.
Rui Vitória sempre teve um discurso fraco e repetitivo. No Benfica vencedor – tendo em conta que no fim resultava, pois os títulos chegavam – era apenas um pormenor, na forma literal da palavra. No entanto, agora que as coisas estão mais difíceis, nota-se que a mensagem precisa de nova força. Alguém que faça um castelo de cimento.
Apesar de tudo isto, não há uma única desconfiança de que o grupo não está unido e isso terá de se louvar. Mas até que ponto se consegue unir um grupo apenas pelo carinho dos adeptos e a vontade de honrar a camisola? Quem será o melhor pai: aquele que sempre está lá para abraçar o filho mesmo quando ele faz asneiras, ou aquele que abraça quando deve ser e disciplina quando é necessário?
Foto de Capa: SL Benfica