O dia 25 de outubro será um dia importante na vida do Sport Lisboa e Benfica. Um dia que marcará a primeira parte de uma resposta que sairá no fim: a continuidade ou a mudança? No universo do clube encarnado, uma das dimensões que carregam um enorme simbolismo é o ato eleitoral. Mais do que uma simples formalidade presente em estatutos, as eleições encarnadas são um espelho do pulsar do clube, uma demonstração intacta da sua identidade associativa e da vitalidade democrática que, desde sempre, marca a identidade do clube no panorama desportivo nacional.
Em cada sufrágio, o Benfica mede-se a si próprio: entre passado, presente e futuro, tradição e mudança, estabilidade e renovação, conservação ou rutura. É um momento de balanço e de projeção, onde cada voto (desigual) representa uma visão para o destino de uma das grandes instituições desportivas portuguesas e mundiais.


A história eleitoral do Sport Lisboa e Benfica é um reflexo da própria evolução do clube. Um misto de glória e dificuldades. Desde os tempos de Vieira de Brito e Ferreira Queimado, que ajudaram à consolidação da estrutura e o prestígio institucional, até à era vitoriosa de Borges Coutinho, símbolo de um Benfica dominador em Portugal e candidato a vencedor na Europa, as urnas da Luz foram sempre palco de renovação e afirmação.
Nos anos 1980, Fernando Martins e depois João Santos garantiram estabilidade e modernização, além da continuidade de vitórias em palcos nacionais. Já no virar do milénio, Manuel Vilarinho assumiu a reconstrução de um clube fragilizado por crises internas. Pelo meio, as presidências de Manuel Damásio e (mais nomeadamente) João Vale e Azevedo deixaram marcas negativas de instabilidade, crise e divisão, com a segunda a quase comprometeram a identidade benfiquista.
Com Luís Filipe Vieira, o Benfica viveu o ciclo mais longo e estruturado da sua história recente de profissionalização, títulos e crescimento económico, ainda que envolto em polémicas no final. Hoje, cada eleição encarnada carrega esse legado: uma tradição de participação e debate que continua a definir o que é ser Benfica. Uma casa onde o poder, mais do que se herdar, conquista-se nas urnas e representa a vida de milhões. Após uma longa e desgastante campanha, iremos aos candidatos.


João Noronha Lopes – Em princípio, deverá ser o candidato mais votado na primeira volta, partindo com uma vantagem considerável e boas perspetivas de vitória na segunda. Apesar de não revelar um conhecimento interno tão profundo da realidade atual do Benfica como João Diogo Manteigas (por exemplo), apresenta uma postura claramente presidencial e um percurso reconhecido numa das direções mais competentes da história recente do clube.
Contudo, a sua campanha tem evidenciado algumas fragilidades na comunicação e em certas opções estratégicas, desde a gestão da polémica sobre os seus rendimentos, até à indefinição em torno do “dossiê Bernardo Silva”. Também a escolha de Nuno Gomes como possível vice-presidente para o futebol levanta dúvidas sobre sobreposição de funções com a SAD. Acresce o risco de a ideia de um presidente remunerado gerar desconfiança, reavivando más memórias de experiências anteriores. Ainda assim, Noronha Lopes surge como a figura mais estável e agregadora deste ato eleitoral do lado da mudança.


Rui Costa – Deverá manter-se entre os candidatos mais votados, com uma campanha digna, mas provavelmente insuficiente para reverter a tendência de mudança. A sua principal hipótese residirá numa eventual divisão do eleitorado que procura renovação algo próximo de um cenário 70/30 ou 60/40 (50/50 é muito ambicioso) entre Noronha Lopes e Manteigas.
O seu mandato de quatro anos fica marcado por altos e baixos: avanços significativos nas modalidades e na gestão financeira, mas também duas épocas frustrantes no futebol profissional e uma comunicação frequentemente apática, que contribuiu para a insatisfação dos adeptos. O antigo capitão do Benfica tem, contudo, o mérito de conhecer profundamente a estrutura do clube e uma experiência desportiva que pode ser valiosa a longo prazo. O seu maior obstáculo é convencer os sócios de que essa experiência ainda é suficiente para um novo ciclo.


João Diogo Manteigas – É um dos fenómenos desta campanha. A sua candidatura tem um magnetismo particular, sobretudo entre os adeptos mais jovens, combinando uma comunicação eficaz com uma presença confiante e assertiva. Há quem veja nele uma mistura curiosa entre o carisma político de um Obama e o fervor clubístico de um Bruno de Carvalho. Uma combinação que pode entusiasmar, mas também dividir.
A sua postura, por vezes excessivamente centrada em si próprio, transmite a ideia de que o clube se define à sua volta, o que pode ser contraproducente. Ainda assim, o seu amor pelo Benfica, a dedicação à causa e o sólido conhecimento de direito desportivo são atributos que o tornam numa figura a acompanhar, talvez mais como candidato de futuro do que de presente.


Martim Mayer e Cristóvão Carvalho – Surgem como outsiders neste ato eleitoral. O neto de Borges Coutinho apresenta uma candidatura de tom nobre e moderado, reforçada pelo apoio de figuras históricas como António Simões, e uma postura genuinamente presidencial. Algo que, como o próprio diz, “lhe está no sangue”.


Já Cristóvão Carvalho aposta num discurso mais idealista e em propostas que, embora bem-intencionadas, carecem de realismo, como a aquisição dos direitos televisivos dos outros clubes. Ambos dificilmente terão impacto eleitoral significativo, mas representam o pluralismo saudável que caracteriza o Benfica.


Luís Filipe Vieira – A candidatura que é um caso à parte. Figura incontornável do Benfica do século XXI, regressa com um peso simbólico forte, mas com reduzidas hipóteses eleitorais. A sua presença demonstra ter mais vocação para agitar as águas do que para disputar o poder.
Desde que deixou a presidência, as suas intervenções públicas não têm demonstrado trazer nada de bom para o futebol em geral, muitas vezes pela forma como revisita episódios do passado ou evoca personalidades já desaparecidas, além da postura muito censurável. Apesar do legado de modernização e crescimento que deixa, o desgaste e as polémicas associadas ao seu nome tornam difícil o regresso. De certa forma, a sua recandidatura simboliza o encerramento definitivo de um ciclo e, paradoxalmente, reforça a necessidade de o Benfica continuar a afastar-se de velhas tempestades judiciais e mediáticas.


Tudo indica que estas eleições do Benfica irão mesmo a segunda volta, o que é um reflexo da pluralidade de candidaturas e da divisão natural que isso provoca entre o eleitorado encarnado. Nas conversas com benfiquistas, percebe-se uma maioria que deseja mudança, mas também uma fatia relevante que prefere a continuidade, confiando na experiência desportiva e na ligação emocional de Rui Costa ao clube.
A diferença está na dispersão: os que pedem renovação dividem-se entre João Noronha Lopes e João Diogo Manteigas, enquanto a base da continuidade está mais concentrada em Rui Costa e é aí que pode residir o seu principal trunfo eleitoral. Ainda assim, enfrenta dois obstáculos. O primeiro é o peso de uma ala de sócios que, apesar de desejar mudança, ainda vê em Luís Filipe Vieira uma opção mais aceitável do que o atual presidente. O segundo é a dificuldade de Rui Costa construir uma maioria sólida na segunda volta, capaz de agregar tanto o seu eleitorado natural como parte do voto indeciso que tenderá a deslocar-se para o candidato alternativo.
Tudo aponta, portanto, para uma segunda volta entre um candidato do passado/presente, ou seja, Rui Costa, com Vieira a espreitar esse espaço e um candidato da rutura/mudança, provavelmente João Noronha Lopes, com Manteigas a disputar o mesmo eleitorado, sobretudo entre os mais jovens.
Resta agora esperar que o processo decorra com elevação, civismo e paixão benfiquista como deve acontecer num clube cuja grandeza se mede também pela forma como escolhe o seu próximo comandante das águias.

