Quando o repórter Bola na Rede fez por merecer resposta e elogio de José Mourinho, a conversa focou-se em Enzo e Fredrik, deixando de lado o habitual terceiro elemento do miolo. Richard Ríos, com mais uma bela e consistente exibição em Faro na vitória para a Taça, vai calando críticos e transformando as reticências à sua volta em exclamações.
Se os prémios de melhor em campo com Sporting e Nápoles podem ser justificados pela simplicidade da relação entre a sua disponibilidade física e o que esses desafios lhe pediam, frente ao Farense deu para afastar novamente o mau olhado com outro golo e outra maturidade. José Mourinho já terá entendido na plenitude o talento do colombiano – por isso, provavelmente, lhe pede cada vez menos preponderância na construção e mais acutilância na ruptura, seja em movimento disruptivo ou transporte.
Se Enzo assume a primeira zona de reflexão com bola e Aursnes é ele próprio nas funções de ‘facilitador’ na descoberta do espaço livre, Ríos adapta-se e reencontra-se, voltando a ser aquilo que era com Abel – um desestabilizador, que se impõe em toda a latitude e se intromete em qualquer assunto, com e sem bola.
Com Bruno Lage, o duplo-pivot sul-americano simulava muitas das vezes os comportamentos da parelha intermediária que levou ao título 2018-19: Samaris e Gabriel, recuperador e construtor, ladeavam-se e agiam sempre paralelamente, em pressão ou bloco baixo. Lage tentou recuperar a fórmula familiar e ganhadora, deu a Ríos e Enzo os mesmos papéis e a verdade é que a coisa se foi fazendo, com grande coesão defensiva até – o Benfica conseguiu a clean sheet nos primeiros sete jogos oficiais, com Supertaça e eliminatórias da Champions pelo meio. Ríos, ainda a medo, não arriscava muito. Quando as consequências duma pré-época organizada à pressa se fizeram sentir no conjunto, as individualidades foram afectadas, naturalmente.
Perdeu-se Ríos quando a equipa se perdeu a ela própria. A chicotada psicológica parecia ter feito ainda pior ao espírito do colombiano. Mourinho, expectante, nunca o deixou cair – foi acertando pormenores, deu-lhe liberdade de movimentos, tirou-lhe grande parte da responsabilidade na construção. A sabedoria corrobora-se com a estatística: porque Ríos, desenrascado com bola, não tem no passe uma das suas maiores qualidades (dos 592 que já tinha feito antes desta noite de Taça, em 1104 minutos, acertara 512 – ou 86%. Nesse ranking, Enzo é mesmo o melhor médio, com 963).
Mas na coragem da chegada, no arriscar o improvável, já se viu que é Ríos bom – e talvez por isso digam que tem… aura – como atestam a quantidade de remates – 33, 2,6 por jogo – e o facto de só Pote (48), Zalazar (36) e Trincão (34) terem feito melhor, na comparação de médios na nossa Liga. E a disponibilidade física que lhe permite o permanente vaivém também é recurso importantíssimo para o aproveitamento do vasto raio de acção, como mostram o registo dos duelos: 25 tackles efectuados, melhor que Hujlmand (24), Enzo (23) ou Froholdt (22); 164 duelos ganhos, melhor médio-centro do ranking (Froholdt vem atrás com 151); E é o rei dos Três Grandes na questão tanto das faltas cometidas (29) como nas faltas sofridas (30). É no caos da intensidade que se diverte e se sente confiante.


«Continuo a crescer por causa dos meus companheiros, da equipa que me está a apoiar, que está sempre comigo. Mas ainda tenho muito a acrescentar. Eu sei o que posso dar, sei onde posso chegar. E este não é o meu limite. Sei que posso dar muito mais. E eu não vou descansar até conseguir.» foi o que prometeu no rescaldo da Champions. A dar a entender que ser MVP num derby e numa decisiva partida europeia se tratam de inevitabilidades. Haverá algo então que Mourinho possa fazer mais para o ajudar a cumprir o seu talento?
A história é conhecida. Aos 18 anos, Ríos jogava futsal. Num torneio no Rio, foi com os sub-20 colombianos, mas o talento dava-lhe de sobra – jogava com os miúdos, ia ao balneário e voltava para a quadra para dar uma perninha aos seniores. Os alarmes tocaram na cabeça de alguém do Flamengo e o convite surgiu, para uns testes no relvado do Ninho do Urubu. Dois meses, muitas incertezas, muito choro na família que tinha ficado em Vegachí, na Antioquia. Correu tudo certo na subida a pulso, mas as origens não se esquecem.
«A maior parte do que faço em campo vem do futsal. Quando eu domino a bola já pisando nela, quando estou no mano a mano, quando faço uma tabela…» dizia à FIFA, numa entrevista em 2024. «Consigo pensar mais rápido em um espaço reduzido. E eu acho que o futebol se passar por isso, por micro jogos dentro de um jogo muito grande, sabe? São joguinhos ali de dois para dois de um para um que às vezes você tem que resolver para ganhar um jogo. Tudo isso é futsal e me ajuda bastante».


A alusão ao inerente Relacionismo do futsal e como é útil no entendimento no futebol faz semear na curiosidade uma alternativa: e se Pavlidis não tivesse a companhia de Barreiro ou Aursnes no modelo mais actual de Mourinho? Ora, a favor: capacidade técnica de associação entre-linhas e espaço curto, aproveitamento da tendência natural de Ríos de explorar a profundidade à direita e chegada à área, diluição das fragilidades sentidas pela equipa fruto do seu pior desempenho estatístico – as perdas de bola (15), que no Benfica só quem tem mais são… Ivanovic (16) e Pavlidis (20)!

