A convicção de Schmidt vs. a mística em jogos grandes de Conceição

    Roger Schmidt e Sérgio Conceição defrontam-se novamente na próxima sexta-feira. O primeiro clássico da temporada no Campeonato joga-se no Estádio da Luz, casa do SL Benfica que tem sido alugada várias vezes ao Porto nos últimos anos. Numa altura em que o problema da habitação se agrava, os dragões conseguiram um alojamento a custo acessível na capital.

    Ainda assim, foi o Benfica quem sorriu no primeiro encontro entre os dois clubes nesta temporada. A Supertaça foi ganha pelos encarnados que procuram repetir o feito e vencer os dragões pela segunda vez consecutiva e ultrapassar o arquirrival na tabela da Primeira Liga Portuguesa.

    São sempre expectáveis ajustes táticos, inovações e nuances por parte dos treinadores antes destes jogos. Ainda assim, é possível traçar um raio-x à estrutura base, à ideologia e às peças utilizadas tanto por Roger Schmidt, como por Sérgio Conceição.

    Roger Schmidt tem apostado sempre em Kokçu
    Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

    Depois de uma primeira temporada em que se apresentou na sua plenitude a Portugal, Roger Schmidt desenvolveu alguns ajustes na estrutura do SL Benfica.

    Os princípios continuam semelhantes com os encarnados a procurar pressionar em cima, subindo linhas e querendo sufocar o adversário e a procurarem a baliza. Atrair o adversário para explorar as costas dos médios e dos laterais era e é o objetivo do Benfica, mas os encarnados adaptaram ligeiramente o seu modelo de jogo.

    Desde logo pela mudança na baliza. Roger Schmidt não abdica de um guarda-redes forte com os pés e Anatoliy Trubin apresenta atributos neste quesito. Ainda que o início da passagem do ucraniano não esteja livre de alguns erros, Trubin tem atributos na identificação do homem livre, no passe curto e longo e na segurança transmitida à equipa na fase ofensiva. Tanto espera para soltar no jogador mais próximo como consegue quebrar linhas e colocar a bola diretamente no médio ou num dos extremos.

    O Benfica procura construir em 2+2 ou em 3+1, consoante o posicionamento do médio na 1.ª fase de construção. Significa isto que os laterais tendencialmente se projetam para oferecer largura ao jogo encarnado.

    Jurásek chegou para render Grimaldo e ser o lateral-tipo de Roger Schmidt. Está muito longe de ter os atributos técnicos e a capacidade interior do espanhol, mas, à semelhança de Bah, consegue projetar-se no corredor, desequilibrar fisicamente (ganha duelos no corpo, acelera com ou sem bola e ganha vantagem dinâmica de trás para a frente) e chegar à linha. A lesão do checo e um período menos conseguido de Bah deixam dúvidas nas laterais encarnadas que têm sido vulneráveis defensivamente e muito inofensivas do ponto de vista ofensivo.

    Orkun Kokçu chegou para render Enzo Fernández. Não é um médio tão completo como o argentino, mas os seus atributos com bola no pé já marcaram a diferença. Está cada vez mais entrosado com o parceiro de meio-campo. Ao seu lado tem rendido melhor com João Neves e o jovem português tem feito por merecer o seu espaço. Lateraliza para receber, tem rotação com a bola no pé e chega mais à frente para fazer a diferença. Sem bola é agressivo nos duelos e intenso em cada movimento. Há também a opção de Florentino que, pela ocupação de espaço, pode ser titular num jogo grande.

    Com os laterais tão projetados, os extremos jogam por dentro, procurando associar-se em terrenos mais recuados. Não há dúvidas nos três perfis pretendidos por Roger Schmidt: um terceiro médio do equilíbrio (João Mário ou Aursnes), um jogador para as transições (Rafa ou potencialmente Gonçalo Guedes) e um extremo desequilibrador (Di María ou David Neres). O perfil de João Mário e de Aursnes é essencial para o equilíbrio do Benfica. Com tanta tendência para acelerar, ter um médio que garanta pausa e que controle o ímpeto vertiginoso permite à equipa controlar jogos. Abdicar de Rafa está fora de questão, pelo que o português oferece em campo aberto. Joga nas costas dos médios, roda para se virar de frente e acelera. É o jogador mais perigoso do Benfica em cenários de jogos grandes. É difícil de imaginar uma convivência harmoniosa de Di María e de David Neres no onze titular pelas responsabilidades defensivas. Não quero jogador seja preguiçoso ou despreocupado com a manobra defensiva, mas porque o próprio jogo da equipa beneficia mais do potencial desconcertante que jogar mais avançado permite. A manta é demasiado curta para tapar todos os lados e não dá para não estimular ao máximo a criatividade e a irreverência dos craques.

    Por fim o perfil avançado do Benfica também dá a sensação de que Schmidt pretende características diferentes do ponta de lança. Arthur Cabral chegou para ser titular e, embora ainda não se tenha afirmado, tem um perfil muito próprio para o jogo de Schmidt. A capacidade de se impor como referência, de ganhar duelos aéreos e de permitir à equipa variar entre um futebol mais apoiado e um jogo mais direto é chave para Schmidt. Pelo perfil dos laterais e pela qualidade no jogo de pés do guarda-redes, pode ser uma solução cada vez mais explorada. Por agora, Musa tem sido o dono da titularidade.

    Em suma é um Benfica menos com menos pausa, mas com maiores ameaças num jogo partido (forte nas transições e no espaço). Que procura dominar a partir das ameaças individuais enquadradas num coletivo capaz de jogar pelos três corredores e de se colocar em vantagem no último terço. Tem deixado muitas dúvidas principalmente em organização defensiva. Há erros individuais defensivamente, situações de inferioridade ou igualdade numérica nos corredores e um espaço frequente nas costas dos médios a ser aproveitado.

    Roger Schmidt
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    Ainda que em Portugal há bem mais tempo do que o treinador alemão, o sistema de Sérgio Conceição para o clássico (e para o conjunto da temporada) é mais indefinido.

    A saída de Otávio e Uribe levaram a alterações profundas no meio-campo dos dragões que já chegaram a apresentar-se com três centrais na Reboleira.

    Ainda assim, os últimos jogos do Porto trazem mais certezas e é expectável que os dragões se apresentem no 4-4-2 base de Sérgio Conceição com algumas assimetrias consoante as características individuais dos jogadores e com uma alteração relevante no centro do ataque: Taremi não tem tido um ponta de lança puro como companheiro, tendo sido acompanhado por Iván Jaime, um terceiro médio muito forte a interpretar e a ocupar o espaço entrelinhas.

    Ainda assim, é um Porto com mais limitações do que os resultados aparentam. Desde logo (e principalmente) os problemas individuais na linha defensiva, exponenciados pela lesão de Iván Marcano, de fora no resto da temporada. David Carmo agarrou a titularidade e está em crescimento, mas tem tido acumulado alguns erros no início das partidas, principalmente. Pepe está em dúvida, mas há dúvidas sobre a capacidade dos centrais do Porto em transição defensiva. Dúvidas extensivas à esquerda onde os dragões continuam sem dar garantias.

    Do meio-campo para a frente, Sérgio Conceição fez o possível para tentar substituir Uribe e Otávio. Se é possível identificar algumas lacunas atrás, Sérgio Conceição tem opções variadas e de qualidade no meio e no ataque. Alan Varela entrou para médio mais posicional à frente da defesa. Tem capacidade para ser o primeiro construtor e inteligência nas abordagens defensivas. Não é tão forte como Uribe no preenchimento do espaço em transição, mas o processo coletivo tem vindo a evoluir no sentido de colmatar esta lacuna. Já André Franco faz de Otávio. Mais posicionalmente do que em termos de características, naturalmente. Parte da direita para dentro para ser um 3º médio e libertar o corredor para João Mário. Não tem um perfil tão criativo nem associativo como Otávio, mas tem conseguido cumprir na difícil substituição do melhor jogador do Porto nas últimas temporadas. Acrescenta essencialmente pela qualidade da execução no último terço.

    São acompanhados por Iván Jaime, que joga nas costas do ponta de lança, mas que é mais um médio do que um avançado. Consegue baixar e oferecer qualidade à saída de bola do Porto, mas é particularmente eficaz e mortífero entre a linha média e a linha defensiva do adversário, ocupando o espaço entre linhas. Ao posicionamento junta uma elegância e um refino técnico que o tornam diferenciados. Deixa Taremi mais solto no ataque, naquela que é uma nuance nova do Porto de Sérgio Conceição. O iraniano ofereceu sempre maior rendimento quando acompanhado de uma referência mais fixa e a melhor versão do iraniano surgiu com a melhor versão de Evanilson. As lesões do brasileiro obrigam a ajustes constantes e é como avançado solitário que Taremi tem sido enquadrado. Demorou a engrenar, mas o iraniano já abriu o ketchup dos golos e tem tido maior assertividade nas ações. Baixa para ser uma espécie de quarto médio criando superioridade numérica nesta zona e tem também atacado zonas de finalização e recebido bolas na diagonal nas costas do defesa.

    Por fim, à esquerda Wanderson Galeno assume um papel especial. Não é um jogador muito fiável na decisão, mas o extremo tem ganho pontos com Sérgio Conceição. Oferece largura à esquerda e procura atacar a profundidade para receber no espaço. Há no plantel jogadores como Pepê (mais associativo e principalmente enquadrado à direita), Gonçalo Borges ou Francisco Conceição mais capazes de desequilibrar no drible curto, mas sem a capacidade de atacar o espaço de Galeno que, apesar das limitações, parece ter ganho o lugar. Permite ao lateral jogar em posições mais recuadas que não exponham tanto as fragilidades técnicas.

    Sérgio Conceição é um treinador que se transcende e faz a equipa transcender-se em jogos grandes. É muito forte no plano estratégico, definindo nuances específicas para cada jogo ao nível da pressão, sempre muito alta e intensa, e do posicionamento das peças. Apesar do início muito intermitente e dos muitos pontos fora de horas, a mentalidade vencedora imposta por Sérgio Conceição é garantia de competência, de competitividade e de clarividência. Três C’s muito importantes.

    Sérgio Conceição
    Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

    Ainda que seja de esperar algumas surpresas, nenhum treinador irá fugir à sua essência. Por matriz e convicção, são dois treinadores fiéis aos seus princípios e às suas convicções e que prometem um interessante confronto tático. Há desde logo, alguns duelos ou ajustes que se podem ter em conta.

    O lado direito do Benfica tem sido bombardeado frequentemente pelos adversários. Alexander Bah não está em grande forma e Di María está livre de um acompanhamento rígido ao lateral adversário. É expectável que Sérgio Conceição tenha particular foco em deixar Galeno em situações favoráveis para atacar as costas do lateral, podendo libertar o lateral para criar potenciais situações de 2X1 a Bah. Pode haver também algum ajuste de Roger Schmidt para evitar esta situação.

    O técnico alemão terá também de ter um foco especial no espaço deixado nas costas dos médios. Florentino pode saltar para o onze, mas o português não resolve todos os problemas. O Porto concentra frequentemente três jogadores em terrenos interiores, estando por isso em superioridade numérica face aos dois elementos do Benfica. Com Taremi a descer frequentemente, a superioridade portista pode ser ainda mais evidente.

    Otamendi costuma acompanhar individualmente o avançado nos jogos teoricamente mais complicados e é previsível que trave um duelo particular com o iraniano. Agressivo e impositivo nos duelos, o argentino deverá procurar impedir o avançado de ter a mesma influência no jogo dos dragões. Ainda assim, os acompanhamentos individuais de Otamendi deixam espaço atrás que, se não for acautelado com compensações dos laterais, poderá permitir infiltrações dos médios do Porto.

    Também Sérgio Conceição terá preocupações, principalmente pelo nível individual dos defesas, quer na construção, cometendo erros comprometedores, como defensivamente. Condicionar a ação de Rafa em transição e impedir o português de arrrancar em campo aberto é uma tarefa difícil, mas será fundamental para impedir situações de igualdade ou inferioridade numérica na última linha.

    O Benfica está a ser cada vez mais capaz de construir de forma rápida pelos três corredores, saindo rapidamente da pressão e chegando ao último terço. Jogadores como Kokçu pela capacidade no passe longo, e Di María pela capacidade de desequilíbrio no último terço, conseguem facilmente criar perigo e Alan Varela pode ficar demasiado exposto.

    São tudo pontos para ter em atenção na próxima sexta-feira num dos jogos que vale muito para além do jogo.

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