(Além) Tejo: terra de um futebol esquecido

    Recordo-me de um improvável SC Beira-Mar – SC Campomaiorense numa final da Taça de Portugal, a 19 de Junho de 1999. O clube aveirense venceu os Galgos de Campo Maior por uma bola a zero, com golo apontado por Ricardo Sousa, ao minuto 68. Desde então, todas as finais da Prova Rainha tiveram a intervenção de pelo menos um dos “Três Grandes”.

    Esta é uma das várias memórias que tenho daquele que foi o último clube alentejano a competir no principal escalão do futebol português.

    Na verdade, há quase duas décadas que o Alentejo não tem representação na Primeira Liga portuguesa. O que não deixa de ser caricato, pois o Alentejo, se juntarmos o Alto e o Baixo, forma a maior região de Portugal.

    Quando falamos em clubes alentejanos, o emblema que nos vem logo à mente é, de facto, o SC Campomaiorense. “Mais do que um clube, uma paixão”, o SC Campomaiorense enquanto clube primodivisionário entre 1995 e 2001, era conhecido por todos como um clube “muito à frente do seu tempo” e que potenciou o desenvolvimento de muitos jogadores. Na verdade, o clube de Campo Maior, não pertencendo ao espectro dos “Três Grandes”, dispunha mesmo de infra-estruturas desportivas já bastante avançadas, tendo em conta o contexto daqueles tempos. Hoje em dia, os Galgos apostam na formação e proporcionam actividades desportivas aos seus sócios, continuando a ser um dos maiores símbolos de Campo Maior e do próprio Alentejo.

    Convém, todavia, referir que o Lusitano de Évora é o clube alentejano com mais presenças no primeiro escalão do futebol português, com catorze presenças, à frente do SC Campomaiorense e do Elvas CAD, que contam ambos com cinco presenças. Refira-se também que o Elvas é fruto de uma relação impossível ou, no mínimo, improvável nos actuais dias do futebol nacional: o clube elvense resultou da fusão das filiais do Sporting e do Benfica existentes naquela cidade alentejana.

    Infelizmente, hoje em dia falar no futebol alentejano é falar, sobretudo, no passado, já que o presente é sombrio e o futuro muito incerto. Os vários clubes alentejanos que têm competido no Campeonato Nacional de Seniores têm tido sempre grandes dificuldades em, pelos menos, conseguir a manutenção: na época passada, o Redondense FC apenas amealhou um ponto (!) e o  Moura Atlético Clube, que vinha a aguentar-se de modo interrupto durante várias épocas, acabou também por resvalar para a despromoção juntamente com o Redondense e Vasco da Gama Vidigueira.

    Já o FC Mosteirense da AF Portalegre, que alcançou a promoção ao Campeonato Nacional de Seniores, viu-se obrigado a recusar a sua participação naquela competição por dificuldades financeiras. Uma decisão que revela um grande sentido de humildade por parte do clube em causa, mas que não deixa de ser lamentável.

    Foto: Estádio do Moura Atlético Clube: com lotação para 6.000 espectadores, é hoje o grande baluarte do futebol do Baixo Alentejo
    Fonte: Moura Atlético Clube

    Como justificar este marasmo em que mergulhou o futebol alentejano? O primeiro factor é óbvio e não é nenhum segredo: há falta de dinheiro.

    O segundo grande factor é transversal a todas as áreas de actividade: a desertificação do interior. A fuga dos jovens para os grandes centros urbanos do litoral em busca de uma vida melhor, leva a que os clubes alentejanos não disponham de recursos humanos para formar as respectivas equipas.

    Como inverter este estado de coisas? Em primeiro lugar, a região carece de apoios e incentivos por parte da Federação Portuguesa de Futebol a clubes como o Mosteirense e outros, que subindo ao Campeonato de Portugal se deparam com uma competição mais difícil e com a obrigação de realizarem deslocações mais longas. Se já existe uma discriminação positiva em relação aos clubes dos Arquipélagos da Madeira e dos Açores, deveria existir igualmente, tendo em conta o contexto actual, no que respeita os clubes do interior de Portugal Continental.

    Depois urge repensar a própria estrutura dos campeonatos nacionais. Será que faz sentido um Campeonato de Portugal, dividido em quatro séries, em cada uma das quais descem cinco equipas? Para os clubes provenientes dos campeonatos distritais, como os clubes alentejanos, torna-se uma tarefa dantesca a manutenção naquela competição.

    Neste sentido, e à semelhança do que muitos defendem, creio que poderia ser interessante e útil a criação de uma 4.ª Divisão, com diversas séries circunscritas a áreas geográficas mais pequenas (uma série por cada distrito, por exemplo), que intermediasse o Campeonato de Portugal e os campeonatos distritais, de maneira a conceder estabilidade a clubes que são demasiado fortes nestes, mas que não têm capacidade financeira ou desportiva para competir no Campeonato Nacional de Seniores. E para além da estabilidade, a emoção seria à partida garantida, visto que este modelo até potenciaria mais dérbis locais. Enfim, podem e devem ser discutidos vários modelos de reformulação dos campeonatos nacionais. Só que requer muito trabalho…

    Entretanto, vamos assistindo com tristeza ao definhar do futebol de uma região imensa com tantos adeptos do desporto-rei, enquanto a Federação Portuguesa de Futebol “lava daí as suas mãos”, deixando à sua sorte clubes que não tentam mais do que sobreviver. O futebol alentejano está hoje abandonado à sua sorte.

    Foto de Capa: Lusitano Ginásio Clube

    Artigo revisto por Inês Vieira Brandão.

     

     

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    Pedro Miguel Martins
    Pedro Miguel Martinshttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é licenciado em Direito e é advogado com prática no Direito do Desporto. Oriundo do Bairro de Alvalade, em Lisboa, é um fervoroso amante do Sporting CP, embora também tenha um carinho especial pelo Ericeirense. Adora assistir jogos de futebol pela Europa. Sonha em conhecer os grandes palcos do futebol sul-americano.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.