Apoiar o clube da terra: uma questão de orgulho

    É uma questão tão atual quanto pouco badalada naquilo que diz respeito ao seu verdadeiro significado. Apoiar o clube da terra ou apoiar um clube porque “ganha mais vezes”? Num jogo entre um determinado clube e um dos chamados grandes do nosso futebol, é praticamente uma regra o estádio dessa equipa estar preenchido na sua esmagadora maioria por adeptos do clube grande, seja ele qual for. Mais do que um motivo de preocupação, isto é algo que envergonha, que não faz sentido e que merece uma reflexão profunda por parte de toda a gente que quer um futebol português verdadeiramente forte.

    O facto do futebol, em Portugal, girar à volta de três clubes, só assim acontece porque as pessoas não se permitem a um grito de revolta. As pessoas em Portugal, desde o princípio dos tempos, preferem dedicar-se a um clube que ganha títulos, porque gera mais mediatismo, porque produz receitas de milhões de euros, do que apoiar o clube que a deve verdadeiramente representar: o clube da sua cidade.

    Seja em que divisão for, seja o momento que for, o bairrismo (o bom e positivo bairrismo) tem de imperar. Muitas vezes as pessoas confundem bairrismo com pancadaria e mentalidades arruaceiras. O verdadeiro bairrismo assenta na defesa acérrima dos valores do seu “bairro”, da sua cidade, do seu concelho, quiçá da sua região. Nada tem a ver com rixas de rua e arremesso de cadeiras, mas sim com uma questão cultural e, indo mais longe, até de educação.

    O apoio único e incondicional ao clube da terra tem de vir desde o princípio. Tem de vir da educação que os nossos pais nos dão, porque é a partir daí que somos nós que vamos partilhar essa forma de viver com os nossos amigos, com os nossos filhos, com as gerações futuras. É uma questão tão cultural, quanto hereditária, e enquanto as pessoas não entenderem que é mais importante dizer “tenho orgulho no clube da minha cidade”, do que aparecer numa reportagem televisiva como adepto do FC Porto, SL Benfica ou Sporting CP, sendo natural do outro lado do país, mas em que isso é visto como algo fantástico e como uma “grande prova de amor” ao clube grande.

    Deixem-se disso, por favor. Se empregassem todo esse esforço por um simples pagar de quotas para o vosso clube da terra, este cresceria mais do que imaginam. O que as pessoas têm de começar a perceber é que, mais do que as vitórias ou os troféus, é uma questão de defenderem o que é seu, de respeitarem as suas raízes, de espalhar a paixão pela sua cidade, pelas suas gentes e, consequentemente, pelo clube que as representa.

    Falei na educação desde o berço e não poderia deixar de passar pela cidade onde nasceu o nosso Portugal. De facto, Guimarães assume-se como um famigerado exemplo de bairrismo e amor total ao clube da sua cidade, o Vitória. Dir-me-ão os peritos em contradição: “mas em Guimarães também há portistas ou benfiquistas!”. Claro que há. E haverá sempre. Toda a gente tem, efetivamente, liberdade para serem do clube que quiserem e mau seria se assim não fosse.

    O futebol deve ser encarado como um jogo de libertação e nunca como uma guerra. Porém, em Guimarães esteve sempre presente uma cultura muito bem enraizada de suporte ao clube local. E isso é visível a toda a hora. Quem for a Guimarães num dia em que não haja jogo do Vitória, poderá ver várias pessoas pela rua com alguma indumentária do clube. Mesmo não havendo jogo.

    Faz parte da vida deles e têm todo o orgulho em demonstrá-lo. E é assim que deveria ser em todo o país. Todos deveriam ter orgulho em demonstrar o amor que sentem pela sua cidade e pelo clube que a representa. Se assim fosse, tenho a certeza absoluta que teríamos um futebol português muito mais limpo e menos centrado em três clubes que, nos últimos anos, fazem corar de vergonha um país inteiro por coisas extra futebol.

    Guimarães é uma cidade apaixonada pelo seu clube
    Fonte: Vitória SC

    “Sou de Faro, sou Farense”, “Famalicão e Basta”, “Sou de Braga, sou do Braga” são alguns dos slogans mais marcantes que podemos ler por algumas cidades do nosso Portugal. E o caminho tem de começar por aí. Numa era marcada pela digitalização e pela guerra das redes sociais, toda a divulgação de manifestações de orgulho bairrista é bem-vinda.

    Sabendo que há mentes que já não vão mudar nem entender tudo isto (como digo, é uma questão também cultural e individual de cada um), é importante pensar no futuro. Queremos que os nossos filhos apoiem um clube só porque ganha mais vezes e tem mais dinheiro, ou queremos que defendam a cidade onde cresceram? Porque não é só defender o clube da terra. É defender a cidade. É defender a família e os amigos. É demonstrar afeto por algo que nos diz, verdadeiramente, algo e que está dentro de nós.

    O que aconteceu em Barcelos na passada segunda feira, no jogo entre Gil Vicente FC e SL Benfica, é algo que deve fazer corar de vergonha todos os que se souberem debruçar a estudar este fenómeno da centralização do apoio a três clubes. Um estádio com capacidade para 12 mil pessoas tinha perfeitamente umas dez mil afetas ao Benfica, que se viu a jogar em casa frente a uma equipa que devia representar o maior concelho do país.

    São 120 mil habitantes que devem fazer um juízo de consciência. Qual é o problema? É que, da mesma forma que em cidades como Guimarães há princípios bem enraizados, em quase todas as outras cidades portuguesas, o apoio ao grande é muito superior ao apoio ao clube da terra. Na minha visão, já é impensável apoiar mais um clube do que o clube da sua própria terra.

    Ver pessoas tornarem-se sócias do clube da terra apenas para terem bilhetes mais baratos para os jogos com os grandes é inconcebível. O velho argumento de “ao menos pago as quotas, já ajudo o clube”, não é certo nem verdadeiro. O facto de dar um mínimo de retorno financeiro ao clube cai, imediatamente, por terra a partir do momento em que aquilo que é mais importante, que é uma equipa de futebol sentir que “em casa joga em casa”, não sucede durante pelo menos três vezes. É impensável e inacreditável.

    As casas do Benfica e do FC Porto ou os núcleos do Sporting CP são outro mistério pouco investigados ao longo dos anos. O que são? São estabelecimentos criados em várias cidades do país, para os seus habitantes que apoiem esses três clubes. Uma prova de amor à distância para uns, um ato desleal para com a cidade, que nada tem a ver com esses clubes para outros.

    Qual o lado correto? Perguntem à Liga Inglesa ou à Liga Alemã, onde residem os campeonatos mais competitivos do mundo e com estádios cheios. FC Porto é no Porto, SL Benfica e Sporting CP em Lisboa. Qual é a dificuldade de entender que valorizarmos o local onde nascemos e crescemos é muito mais valioso? É difícil perder muitos jogos? É.

    Ninguém vai ao estádio para ver a sua equipa perder ou jogar mal. Mas o amor cresce nos momentos negativos. Que o digam os adeptos do Vitória, que tiveram uma explosão no crescimento do número de sócios no ano em que o clube desceu à Segunda Liga. É por mentalidades derrotistas e de “Maria vai com as outras” que muitos clubes não conseguem uma boa promoção para possíveis investimentos estrangeiros.

    Veja-se o caso do FC Famalicão, que tem um bom investimento estrangeiro, afiançado na imagem do clube. Sim, há muitos adeptos que têm um segundo clube, mas o primeiro é o da terra. E embora não seja de louvar, é um começo, porque quem conhecer o clube, sabe que mesmo quando passou pela amargura do Campeonato Distrital, não esteve sozinho.

    O número de sócios, inclusivamente, aumentou. E, para mentes fechadas, um clube que encha o seu estádio é sempre muito mais apelativo a investimentos e patrocínios. O crescimento faz-se também por aí. Pela promoção ao que é nosso. Há bons exemplos no nosso futebol. As pessoas é que não os sabem valorizar, porque têm medo que atrapalhem o poder dos clubes maiores. Custa-lhes entender que quantas mais equipas fortes, mais competitivo o futebol português se torna.

    O que é nosso é sempre vivido com muito mais intensidade e carinho do que algo suportado por milhões, em que somos apenas mais um a contribuir para a decadência do nosso futebol, em prol da guerra dos três que, em nada, mas absolutamente nada, contribuiu para o crescimento do futebol português. Basta ver a participação portuguesa na Europa, em que Benfica, FC Porto e Sporting tiveram prestações medíocres, face ao poderio que têm no futebol nacional. Vitória SC e SC Braga, com orçamentos e armas manifestamente inferiores, tiveram uma prestação muito mais meritória para o nosso país. É mais importante contribuir para ver qual dos grandes é mais culpado ou não seria mais importante fazermos algo, por muito pequeno que nos pareça, pelo clube da nossa cidade?

    Não podemos ter medo de ser diferentes, porque sermos diferentes é, precisamente, uma das maiores virtudes que o futebol português precisa para evoluir de uma vez por todas. Precisamos de dirigentes diferentes, sim, mas também precisamos de adeptos diferentes. Precisamos de adeptos que saibam apoiar o clube da sua terra, independentemente da divisão que ocupe.

    Há algumas exceções e tenho a impressão de que há pessoas que se estão a esforçar, verdadeiramente, para que essas exceções se tornem num paradigma a seguir. Porém, é ainda manifestamente pouco, face ao poderio que está instaurado ao serviço de três clubes. Porque é que acham que a divisão dos direitos televisivos de forma justa por todos os clubes é uma miragem? Apenas três têm milhares ou milhões de pessoas a assistir aos seus jogos. Não sou hipócrita, nem estou com isto a dizer que um CD Tondela x CS Marítimo atraia mais pessoas do que um SL Benfica x FC Porto, mas de uma coisa sei: se metade das pessoas que vão ao Estádio da Luz, ou ao Estádio do Dragão, fossem mais vezes ao estádio do seu clube da terra, coisas diferentes podem acontecer.

    O futebol é um desporto que atrai massas em quantidades gigantescas, mas tem de continuar a ser encarado como o desporto do povo. A partir do momento em que o povo se esquece dos seus valores e do orgulho que deve ter na sua terra, e nos seus pares, é a nobreza que mais lucra com isso. Porque para todo o domínio forasteiro existiu o dia da independência e para toda a ditadura existiu um 25 de abril. Que se faça o dia do Leixões SC. O dia do SC Vianense. O dia do AD Camacha. O dia do AD Mação. Não tenham vergonha de dizer o nome da vossa cidade e, acima de tudo, não tenham vergonha de dizer que apoiam única e exclusivamente o clube da vossa cidade. Por um futebol mais limpo, por um futebol mais puro, por um futebol de família. Por um futebol do povo.

     

    “Quando eu era pequenino

    Já tinha a mentalidade

    Meu pai dizia-me meu filho

    Defende o clube da tua cidade”

     

    Foto de Capa: CD Aves

    Artigo revisto por Joana Mendes

     

     

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Roger Schmidt: «Eles não criaram chances»

    Roger Schmidt já reagiu ao desafio entre o Benfica...

    Florentino Luís: «Não tivemos o futebol dos últimos jogos»

    Florentino Luís já reagiu ao desafio entre o Benfica...

    Conference League: eis os resultados desta quinta-feira

    A Liga Conferência já não tem treinadores portugueses com...
    António Sousa
    António Sousahttp://www.bolanarede.pt
    O António é um famalicense de gema e um amante do futebol e do desporto. Com o sonho em ser treinador de futebol bem presente, é através da escrita que encontra a melhor forma de se expressar. Apologista do jogo interior e do futebol ao domingo à tarde.                                                                                                                                                 O António escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.