«Vivemos um futebol onde se cobram demasiados favores» – Entrevista Bola na Rede com Romeu Ribeiro

    Professor Neca entrevista À BnR

    Formou-se no SC Braga e no SL Benfica (clube do coração, ainda que se perceba pelas suas palavras que não é com o coração que se joga futebol). Jogou Primeira Liga e esteve em campo na Liga dos Campeões na primeira época sénior, mas o caminho de regresso ao desejado patamar foi pavimentado com sintéticos. Conhece a Segunda Liga como poucos e o FC Penafiel ainda melhor – chama-lhe casa. Sem clube, mas com um conhecimento profundo sobre o futebol português, que permeia a entrevista que gentilmente encaixou numa agenda repleta de projetos para o presente e para o futuro, Romeu Ribeiro conta-nos histórias, aponta dedos e revive, aos 32 anos, uma carreira 100% nacional que dura já há década e meia.

    «Posso dizer que sou benfiquista desde pequenino».

    Bola na Rede: Bom dia, Romeu! Entre formação, equipa principal e empréstimos foram oito épocas ligado ao SL Benfica, mas foi no FC Penafiel – em duas passagens – que mais minutos somou. O coração continua a ser das águias ou a passagem pelos penafidelenses levou-o a deixar lá o coração?

    Romeu Ribeiro: Bom dia! Nós, profissionais, acabamos por gostar dos clubes por onde passamos. Posso dizer que era benfiquista desde pequenino e, por isso, em relação ao SL Benfica, essa parte estava arrumada, não havia problema nenhum, estava no clube de que sempre gostei. No FC Penafiel e como passei lá várias épocas, é claro que fica sempre aquele gosto e sentimo-nos em casa e sentimos que o clube também é um bocado nosso. Há sempre aquele carinho. Se me perguntarem se gosto do FC Penafiel, gosto muito, se sou do FC Penafiel, sou do FC Penafiel também. É o que eu costumo dizer aos meus amigos: quando somos profissionais, a parte do coração passa um bocado ao lado.

    Bola na Rede: Curiosamente, a sua estreia na Segunda Liga é pelo CD Aves frente ao FC Penafiel, que viria a ser o seu clube mais tarde, durante seis épocas. Lá está, nessa partida, o seu coração era de certeza do CD Aves e, depois em Penafiel, viesse quem viesse, o seu clube era o FC Penafiel, não é…

    Romeu Ribeiro: Também já tinha pensado nisso há uns tempos atrás. A minha estreia na Segunda Liga foi em Penafiel, no 25 de Abril, onde acabei por fazer a maior parte da minha carreira. Foi muito curioso, nada é por acaso.

    Bola na Rede: O Romeu faz a transição para o futebol sénior em 2007 no SL Benfica, participando em seis jogos pelos encarnados – em cinco do campeonato e em uma partida de qualificação para a Liga dos Campeões, em Copenhaga. Na altura, as águias não tinham equipa B nem equipa sub-23 e, por isso, a transição era feita diretamente dos juniores para a equipa A, que lutava por títulos. Fez-lhe falta esse patamar intermédio para se impor de outra maneira?

    Romeu Ribeiro: Nós falávamos muito disso no SL Benfica. O que nós pensávamos e era legítimo pensarmos assim era que não existir equipa B era menos um patamar para conseguirmos chegar à equipa principal. Era um bocado aquela ideia de que deixando de haver esse patamar ia ser mais “fácil” chegar à equipa principal. Nada disso. Quando cheguei à equipa principal, senti uma diferença enorme. Dos juniores para o plantel principal do SL Benfica era uma diferença enorme. Ainda bem as equipas B voltaram, os sub-23 ainda melhor, porque ajuda nessa transição, que é complicada. Existia um fosso demasiado grane entre os juniores e a equipa principal. Não é que não conseguíssemos depois colmatar esse fosso, mas o SL Benfica é um clube que luta por títulos, ou seja, às vezes, não existe esse tempo para o jovem crescer, amadurecer. A equipa B traz isso, traz essa competitividade de uma Segunda Liga e traz também tempo para poder crescer e ficar mais perto do nível da equipa principal.

    Bola na Rede: Que principais vantagens retira um jovem jogador da passagem pela equipa B e pela Segunda Liga?

    Romeu Ribeiro: Acima de tudo, traz dificuldade, que é o que se pede nessa idade. Eu costumo chamar à Segunda Liga uma liga de homens e homens de barba rija. É extremamente dura, extremamente competitiva e isso ajuda muito os miúdos das equipas Bs. Traz-lhes dificuldades que eles não tinham nos juniores e, se formos analisar o campeonato de juniores, vemos que todas as equipas tentam jogar bem, tentam jogar bonito. Tentam todos jogar. Na Segunda Liga, há equipas que trazem outro tipo de dificuldade, equipas que têm um futebol mais direto, equipas que criam mais dificuldade em bolas paradas (que não acontece tanto no campeonato de juniores). E é nas dificuldades que nós crescemos. Ajuda muito, mesmo muito. E tem-se notado nos miúdos que têm subido à equipa principal do SL Benfica esse arcaboiço, estão melhores preparados… É uma diferença muito grande, na minha opinião.

    Bola na Rede: Mesmo assim, às vezes não é o suficiente para um jovem se impor. O que falta naquela transição da equipa B para a principal, que se calhar já não é tão aguda como a dos juniores para a equipa A? Falta um projeto, falta quem aposte verdadeiramente neles, falta saber o que é apostar verdadeiramente num jovem?

    Romeu Ribeiro: Acho que sim… Acho que depois vai depender também muito do momento da equipa principal. Por exemplo, quando foi na época do Bruno Lage, o João Félix já estava lá desde o início da temporada. Mas, depois acabou por aparecer um treinador que o conhecia melhor um bocadinho e sabia o que ele podia dar e que o colocou a jogar. Acho que é uma questão de oportunidade. Claro que às vezes os miúdos agarram, outras vezes não; uns agarram mais facilmente do que outros, outros precisam de mais tempo… Tem que haver uma análise, não podemos ser frios ao ponto de colocar um miúdo no jogo, as coisas não correrem bem e ele deixar completamente de contar. Acaba com a confiança do miúdo. Tem que haver uma continuidade. E o que falta é claramente um plano para os miúdos se conseguirem adaptar e se conseguirem mostrar. Por exemplo, é o que está a acontecer agora com o Gonçalo Ramos. Ele talvez não esteja ao nível que toda a gente espera, se formos a reparar de jogo para jogo tem melhorado sempre um bocadinho. Tem tido esse tempo de jogo, tem tido essa paciência por parte do treinador, que também o conhece e dá-lhe toda a confiança e tem a certeza que ele chegará ao nível que toda a gente espera dele.

    Bola na Rede: Queria agora aproveitar o seu olhar de jogador que fez mais de 200 jogos na segunda divisão portuguesa para perguntar que benefícios e malefícios tem a presença das equipas B neste escalão? Estas equipas trazem mais de bom ou de mau às outras equipas da Segunda Liga?

    Romeu Ribeiro: Trazem muitas melhorias, na minha opinião. Trazem um futebol positivo, que é o ADN das equipas B. Depois, trazem motivação. Mesmo sendo uma equipa B, quem é que não gosta de jogar contra uma equipa grande? Por outro lado, não sobem, mas descem [risos]. O que nós costumamos dizer, em jeito de brincadeira, é que as equipas B têm que ganhar sempre menos contra nós. Isso acaba por complicar as coisas, mas é bom. E trazem também condições, ir jogar ao Seixal, ir jogar ao Olival é sempre bom e depois acabamos por jogar com miúdos de muita qualidade, que é o que toda a gente gosta. No fundo, trazem muita dificuldade. É difícil jogar contra eles, mas ao mesmo tempo é um desafio…

    Bola na Rede: E trazem indefinição, não é? Acredito que sejam adversários mais difíceis de avaliar, porque de repente pode um jogador subir à equipa A, está o plano traçado para neutralizar aquele jogador e ele depois não joga e o plano muda…

    Romeu Ribeiro: Sem dúvida, lembro-me perfeitamente que no ano em que subimos de divisão com o FC Penafiel, quando jogámos contra o FC Porto B, lembro-me de jogar o Kelvin, o Fucile, jogou também o Carlos Eduardo… Utilizava-se muita gente da equipa principal. O SL Benfica B tinha o André Gomes, tinha o André Almeida, tinha o Lindelöf, o Carole na altura… O próprio Sporting CP tinha o João Mário, ou seja, por aí dava para sentir… E, como estavas a dizer, são equipas que não dá para saber muito bem o que esperar delas. Posso esperar sempre qualidade, mas em termos de jogadores nunca se sabe o que vamos encontrar. Os treinadores até ficavam atentos aos jogos da equipa principal, se jogassem no dia anterior, para ver quem é que não entrava, porque no dia a seguir era possível que viessem jogar à equipa B.

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    Márcio Francisco Paiva
    Márcio Francisco Paivahttp://www.bolanarede.pt
    O desporto bem praticado fascina-o, o jornalismo bem feito extasia-o. É apaixonado (ou doente, se quiserem, é quase igual – um apaixonado apenas comete mais loucuras) pelo SL Benfica e por tudo o que envolve o clube: modalidades, futebol de formação, futebol sénior. Por ser fascinado por desporto bem praticado, segue com especial atenção a NBA, a Premier League, os majors de Snooker, os Grand Slams de ténis, o campeonato espanhol de futsal e diversas competições europeias e mundiais de futebol e futsal. Quando está aborrecido, vê qualquer desporto. Quando está mesmo, mesmo aborrecido, pratica desporto. Sozinho. E perde.