«Eu era mais forte e mais conhecido do que o Eto’o nos Camarões» – Entrevista BnR com Meyong

    Albert Meyong Zé ou “Zezé”, como Jorge Jesus lhe gostava de chamar, veio cedo para Portugal. O Vitória FC, o Braga e o Belenenses foram os emblemas que o avançado representou no nosso país. Foi no Bonfim que o ex-jogador camaronês encontrou a sua verdadeira casa. Com a mesma velocidade com que os seus olhos são inundados por um brilho contagiante quando lembra os seus tempos de Vitória FC, a sua expressão é assaltada pela desilusão quando fala da intempérie que o clube sadino atravessa. À memória vieram-lhe os momentos de sucesso no Braga, o “Caso Meyong”, que o atrapalhou no Belenenses, e ainda as internacionalizações pela sua seleção, onde jogou ao lado de Samuel Eto’o. Todo esse tempo, golos e Meyong andaram de mãos dadas por todo o lado.

    – Entranhado no destino com o nome de Meyong –

      «Nos Camarões vivemos o futebol de uma maneira diferente»

     

    Bola na Rede: O que é que fazes atualmente?

    Meyong: Agora, não faço grande coisa. Estou a aproveitar para estar com a família. Tenho uma menina que tem cinco meses. É a terceira. Nunca tive tempo de ficar com as duas primeiras, porque andava sempre para cima e para baixo e nunca estive presente. Estou a aproveitar não estar a fazer nada neste momento para estar com ela e vê-la crescer. De vez em quando, vou treinar com a malta do Comércio e Indústria, com os veteranos, para não ficar parado. Estou à espera para fazer o curso de treinador, mas nunca mais começa.

    Bola na Rede: Recuando até ao início, contigo e com os teus 24 irmãos dava para fazer um jogo de futebol e ainda ficarem alguns no banco.

    Meyong: Nós temos muita diferença de idade. Tenho irmãos com quem não cresci, porque eles já eram maiores de idade. O meu pai teve três mulheres, cada uma com idades diferentes. Irmãos da mesma idade éramos uns cinco ou seis.

    Bola na Rede: O teu pai era professor e tu tinhas acesso à escola, o que não era para todos. Nasceres nesse ambiente estruturado ajudou-te a singrares no futebol?

    Meyong: A escola é muito importante. É bom ir à escola e saber ler e escrever. Claro que o caminho que eu tinha traçado era terminar a escola e trabalhar. Era isso que o meu pai queria. Foi o que a maioria dos meus irmãos conseguiram. Desde pequeno, eu sempre quis jogar à bola. Tinha algum jeito e sempre foi o meu sonho. Quando tive a oportunidade de ser profissional, agarrei‑a.

    Bola na Rede: Estudaste até que idade?

    Meyong: Até aos 17 anos, até sair dos Camarões.

    Bola na Rede: Nos Camarões não dava para seres profissional.

    Meyong: O campeonato dos Camarões não é profissional, mas eu tinha algum jeito.

    Bola na Rede: O que significa o futebol nos Camarões?

    Meyong: O futebol nos Camarões é muito importante, é o desporto-rei. A maioria das crianças sonha em jogar futebol e ser profissional. A seleção nacional é muito importante para toda a população. Nos Camarões vivemos o futebol de uma maneira diferente. Não há condições, mas vê, por exemplo, a quantidade de pessoas que vai ao estádio ver jogos. Estamos a falar de estádios sem relva, sem nada. É uma sensação muito forte. Quando eu representava a seleção, o estádio estava sempre cheio. O pessoal nem tinha onde se sentar, mas entrava. O que é que leva essa gente a arriscar a vida deles? É a paixão.

    Bola na Rede: Onde é que estavas quando a seleção dos Camarões chegou aos quartos de final no Mundial de 1990 em Itália?

    Meyong: Estava nos Camarões. Era criança, mas vi o jogo.

    Bola na Rede: Como é que cais em Itália aos 18 anos?

    Meyong: Jogava com a seleção dos miúdos lá nos Camarões. Tinha um empresário, o Thomas N’Kono, que foi guarda-redes do Espanyol, e ele era treinador dos guarda-redes lá na seleção. Viu-me jogar e disse que me ia levar. Tinha acabado de perder o meu pai há um ano. As coisas não estavam muito bem na família. Quem trabalhava era o meu pai, ele é que pagava tudo, a escola e a comida, a minha mãe nunca trabalhou. Não era fácil. Expliquei à minha mãe que era uma coisa que eu queria e que dava para ganhar a vida. A minha mãe deixou-me ir. Tenho a certeza que, se estivesse o meu pai, eu não ia. Eu ainda era pequeno, saí com 17 anos e fui fazer 18 lá em Itália.

    Bola na Rede: Não tiveste medo de ir em busca do desconhecido?

    Meyong: Por acaso, tinha muito medo. Quando saía dos Camarões era quando ia fazer jogos com a seleção, mas nunca tinha saído de casa nem de longe da minha família. Tinha muito medo mesmo, mas a minha vontade de jogar futebol era muito maior. Quando estava lá [em Itália], passava muito mal. Não é fácil, é preciso ter muita vontade para conseguir.

    Bola na Rede: Mas acabou por correr tudo bem.

    Meyong: Sim. Aguentei e consegui o que eu queria. A partir daí começou tudo.

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.