
Permitam-me começar esta reflexão com um mote algo corriqueiro, mas que elimina quaisquer dúvidas em relação ao que se passou no derby do passado fim de semana: o treinador do Benfica levou um banho de bola de Rúben Amorim. Quem diria? Schmidt, o homem do “fussball” moderno, a levar lições do que é, afinal, o jogo jogado. E, digam lá, 11 contra 11, alguém acredita que o alemão sairia a sorrir? Pois, nem com reza brava.
A jogar contra dez, ganhou, é certo, mas se o Schmidt tem fé, que agradeça, e muito, a todos os santinhos. É que um fado assim – cuja última expressão é um triunfo para o qual se fez pouco mais do que, até em superioridade numérica, apenas bombear cruzamentos a ver se a coisa resultava – não acontece muitas vezes.

Parece-me que o próprio Schmidt tem essa noção. Talvez por isso, fora das quatro linhas, sem argumentos para justificar o que acabara de acontecer dentro delas e, porventura, ainda tonto com o rodopio do jogo, resolveu ser mal-educado perante uma simples questão, na conferência de imprensa. Gonçalo Ventura, o profissional em questão, experiente na atividade que desempenha, perguntou ao treinador do Benfica se o resultado foi melhor do que a exibição.
O nosso amigo germânico escolheu a via “menos simpática” e decidiu questionar Ventura se tinha o coração dividido entre o Sporting e o Porto. Além de estar apenas a fazer o seu trabalho, Gonçalo mostrou que esteve atento à partida e viu o mesmo que toda a gente. Incluindo Schmidt. Só que, para certas pessoas, é muito difícil assumir o menos bom, reconhecer o “estivemos mal”. Dói na alma. Ainda assim, o treinador encarnado tinha outras alternativas. Podia, por exemplo, ter fugido educadamente à questão, e tentar puxar para ele alguns méritos da vitória: o regresso ao sistema tático do ponto de partida; eventualmente, auto-elogiar as substituições – embora, é certo, nenhuma delas tenha servido para ficar por cima do leão. Mas, no mínimo, não teria descido o nível, colocando em causa a idoneidade de um jornalista que estava apenas a ser… jornalista. Quis intimidar e, ao mesmo tempo, armar-se em engraçadinho. Mas foi simplesmente parvo.
A intimidação da Comunicação Social está, de resto, na ordem dia. Desde logo, neste triste episódio que não ficou por aqui. O CNID, bem, emitiu um comunicado, condenando a atitude de Schmidt e exigindo-lhe um pedido de desculpas.
Mas, não só o técnico não se retratou, como o Benfica, não contente com este pequeno espetáculo, ainda veio a terreiro defender o indefensável. Em vez de se lamentar, lançou-se em acusações de perseguição da imprensa ao seu treinador. Ah, é verdade, vivemos num mundo onde o “não fiz nada” e o “a culpa é dos outros” é mantra. Bonito exemplo.
Olhando para estes bons costumes cada vez dá mais vontade de levar a família aos estádios e mostrar-lhes os grandes valores deste desporto, não é verdade?

E a ironia do destino? No ano em que se celebra meio século do 25 de Abril, o FC Porto apresentou-se em Assembleia Geral com uma vontade de dragão dos sócios se libertarem do regime autoritário que por ali impera há quatro décadas. Como qualquer boa ditadura, há um longo histórico – lá está! – de intimidação aos jornalistas. Que tal lembrarmos as célebres conferências de imprensa repletas de adeptos portistas com ar e comportamento, digamos, pouco amigáveis? Ou os avisos de “estou de olho no que escreves” no percurso dos jornalistas até à bancada de imprensa do Estádio do Dragão? E os “calduços” e os pontapés a repórteres de pista no caminho para as flash interviews?
Pois bem, parece os sócios se cansaram deste modus operandi, que se refletiu, da pior maneira, esta semana, no pavilhão do clube. Nem as vitórias e os títulos – uns justos, outros com sabor a salada de fruta – desta era de 40 anos parecem suportar mais este regime, ao qual se juntam, aparentemente, más decisões que têm deixado o Porto na “banca rota” e intervenientes, cujos comportamentos deixam bastante a desejar.
Já agora, e a propósito do tema que pautado a agenda mediática – o caso influencer, pois claro – a jornalista Sandra Felgueiras denunciou, nas suas redes sociais, intimidação e censura relativamente à reportagem que parece ter dado início a todo este processo. Ainda não vi ninguém desmentir. É que, a ser verdade – e não temos qualquer motivo para não acreditar na profissional em causa – juntando ao que releio no texto que acabo de escrever, qualquer semelhança com o Estado Novo não é ficção. Só que estamos em 2023 e é grave. O Estado a que isto chegou!