Os treinadores estrangeiros em Portugal funcionam?

    Em Portugal assistimos na presente temporada à presença de alguns treinadores estrangeiros nas fileiras dos clubes. Não é um fenómeno totalmente raro, mas é notório que existe uma clara preferência por técnicos lusos, com passagem pelo futebol nacional. Em 2023/24 marcaram comparência na Liga Portugal quatro nomes sem Cartão do Cidadão português: Roger Schmidt, Pablo Villar, Paulo Turra e Rubén de la Barrera. A amostra está longe de ser um exemplo positivo. O técnico do Benfica perdeu o balneário e já sabe que terminará a temporada no segundo posto. O antigo líder do Vitória SC chegou para suceder a Moreno e saiu após seis desafios, com duas vitórias. A dupla espanhola levou o Vizela de regresso à Segunda Liga (não se compreendeu a chegada de Villar, quando a sua experiência era curta e fraca, no seu geral), pese as ideias positivas de Rubén de la Barrera, um técnico que não está claramente talhado para batalhas pela manutenção.

    Alguém que ‘aterre’ no futebol português aos dias de hoje, vai acreditar que somente os técnicos que nasceram neste cantinho da Europa podem ter êxito no nosso campeonato. Rúben Amorim, campeão nacional, conseguiu destronar um alemão, sem aparentes grandes dificuldades. Álvaro Pacheco transformou o Vitória SC num candidato ao pódio, depois da passagem para esquecer de Paulo Turra. Portanto, é aceitável que se pense que o de fora não funciona, dados estes exemplos. Porém, temos que ir mais a fundo. Na minha visão, não se trata de uma questão de nacionalidade, mas sim de soma de alguns fatores.

    Roger Schmidt é o modelo mais claro. Chegou à Luz em 2022/23, viu Rui Costa a rechear o plantel com nomes de peso, que encaixavam na tática do germânico. Aproveitou o talento da formação e foi campeão, com alguns elementos a antever a conquista do título ainda numa fase intermédia do campeonato. Em maio ninguém julgava a nacionalidade do treinador do Benfica, que até tinha renovado até 2026. A equipa era de luxo, as roldanas estavam todas a funcionar, não havia qualquer tipo de polémica. Foi fácil vencer. E em 2023/24 o filme não se repetiu por várias razões, que não têm nada a ver com o facto de ter nascido em Kierspe. Perdeu jogadores, que não foram bem substituídos, não teve a postura correta e não conseguiu dar a volta por cima. É uma situação que qualquer treinador português pode vir a passar. Há ainda o argumento da língua. Roger Schmidt não se preocupou minimamente em aprender português, mas uma equipa como o Benfica, com toda a grandeza que o envolve, terá colocado tradutores à volta do plantel, de modo a que os jogadores entendessem as indicações, apesar do futebol ser uma língua universal.

    Em relação ao tema linguístico, podemos olhar para o exemplo do Vizela (e do Vitória SC, embora a amostra seja curta). Pablo Villar é espanhol, fala uma língua extremamente parecida ao português. Não foi por esta razão que a sua passagem foi um fracasso. Simplesmente, ainda não tinha/tem experiência suficiente para assumir uma equipa de Primeira Liga e talvez nunca vá a ter qualidade para tal. Vinha do futebol lituano, onde não tinha deixado saudades e estava fora da Península Ibérica desde 2017/18, temporada onde tinha sido adjunto do Lorca. A turma minhota era o grande desafio da sua carreira e falhou, como era fácil de antever. Rúben de la Barrera chegou com mais crédito. É galego, uma língua extremamente próxima ao português. Mais um caso em que esta temática não justifica o fracasso. Possivelmente a sua falta de conhecimento do futebol português (porque chegou a meio da época) é a desculpa ideal. O antigo selecionador de El Salvador não mostrou um mau futebol, longe disso, mas dava a ideia que pensava que tinha um Ferrari nas mãos, quando o objetivo era não descer. O jogo do Vizela não se podia basear somente no ataque e no futebol bonito, mas evoluir na questão defensiva e colocar o ‘autocarro’, quando fosse necessário.

    Um treinador estrangeiro pode ter sucesso em Portugal. Vimos alguns casos, nomeadamente no século passado. Porém, são necessários alguns fatores, que não dependem somente da pessoa em si. É necessário incutir conhecimento ao treinador sobre o projeto em questão, sobre a instituição por quem vai dar a cara. Isto é fundamental para a sua integração. Ao mesmo tempo, é obrigatório que o projeto seja de qualidade. Podemos colocar frente a frente dois exemplos: será que algum português conseguiria fazer algo positivo com o plantel montado por Toni Dovale em Vizela (há que pensar em técnicos do nível dos minhotos)? Ou será que algum estrangeiro poderia melhorar os resultados alcançados por Moreno em Chaves? Não foi a nacionalidade dos timoneiros que selou as péssimas campanhas das equipas. Os projetos estavam mal montados e possivelmente os nomes não eram os ideais. Contratar Pablo Villar foi um tiro no pé, não por ser espanhol, mas sim pela falta de qualidade. Tinha menos experiência que vários técnicos do Campeonato de Portugal. A qualidade não está intrinsecamente ligada com a nacionalidade. Não há uma regra que liga estes dois fatores.

    Rúben Amorim não levou a melhor sobre Roger Schmidt por ser português. Obteve os resultados que teve porque o clube lhe deu tudo e ele tem uma qualidade superlativa. Alguém acredita que o antigo médio do Benfica não teria alcançado o mesmo sucesso se tivesse nascido em Badajoz?

    O único ponto que pode provocar um debate é a língua, mas aí as duas partes devem fazer um esforço para que o treinador aprenda português o mais rapidamente possível, com a noção que é um dos idiomas mais difíceis do mundo. Nesta questão, haveria espaço para falar do plantel, que pode conter várias famílias linguísticas, mas seria abordar uma temática que merecia uma exploração extensiva da mesma.

    Estamos habituados a que o português se adapte com facilidade a todos os lugares do mundo, esperando que os de fora consigam fazer o mesmo. Porém, nem tudo na vida é como queremos. A adaptação tem dias e horas para cada pessoa. Felizmente, somos sobredotados nisso.

    Para finalizar, assim como os portugueses estão a fazer história no futebol brasileiro, levando a um aprimoramento do mesmo, realçando-se os nomes de Abel Ferreira, Jorge Jesus e Luís Castro, não nos podemos esquecer que os estrangeiros fizeram o mesmo por cá. Não podemos, nem devemos ser ingratos. Treinadores como Otto Glória, Joseph Szabó, Jimmy Hagan, Sven-Goran Eriksson ou Bobby Robson são nomes fundamentais para se entender o futebol nacional hoje em dia e todo o seu percurso. Os melhores treinadores portugueses, em alguns casos, tiveram de beber ensinamentos de técnicos estrangeiros. Atentem ao exemplo de José Mourinho. Possivelmente não seria ninguém se Bobby Robson não lhe tivesse dado a oportunidade de integrar a sua equipa técnica, curiosamente como tradutor, numa fase inicial, com o leão ao peito.

    Em suma, o treinador é apenas uma peça (embora importante) de um puzzle gigante a que se chama projeto. Caso o mesmo esteja bem montado, pouco importa a nacionalidade do mesmo. Por muito que toda a gente fale a mesma língua, isso não fará que algo torto, se endireite sem nenhum tipo de correção. Podemos e devemos ter orgulho no técnico luso, que mostra a bandeira cá dentro e lá fora. Mas não devemos descartar alguém, só porque não traz as quinas ao peito.

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