«Acho uma injustiça que o Paulinho e o Horta não sejam sequer convocados» – Entrevista BnR com Barroso

    Campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal pelo FC Porto, foi no Braga que, sem nunca conquistar nenhum troféu, Barroso ganhou o estatuto de lenda. Natural da cidade minhota, viveu a juventude entre a marcenaria e o futebol, não deixando que a madeira o impedisse de viver o sonho de menino de jogar pelo seu Sporting de Braga. A norte, representou ainda o Rio Ave. Mais abaixo no mapa, conheceu a cidade dos estudantes, onde jogou pela Académica. Apesar das mudanças, foi no Braga que ficou sempre o seu coração, nunca escondendo a sua preferência pelos arsenalistas. A sua imagem de marca será sempre o potente remate que não deixava nenhum guarda-redes descansado. Ao longo dos muitos jogos que fizeram deste médio defensivo um dos jogadores que mais vezes usaram o emblema dos guerreiros, o seu pé direito ganhou o epíteto de pé canhão. Hoje, não esquece o respeito que conquistou no mundo do desporto e deixa o seu desejo de ver o Braga campeão.

    – De marceneiro a artilheiro –

    Bola na Rede [BnR]: O pé canhão ainda está afinado?

    José Barroso [JB]: [suspiro] Agora nem metade deve estar. Vou fazer 50 anos, é normal.

    BnR: Treinava muito o seu remate?

    JB: Desde miúdo. Nas camadas jovens do Sporting de Braga faziam-se muitos treinos de finalização. A força estava lá, mas depois há que aprimorar a colocação, a técnica de remate, várias coisas. As condições não eram o que são agora, mas ia-se melhorando a cada treino.

    BnR: Jesualdo Ferreira sentiu-o na pele…

    JB: No primeiro treino aqui em Braga, ele estava a dar indicações e, sem querer, mandei-lhe uma bolada. Estava a ver que tinha matado o homem, mas não foi nada de mais. Ficou com o olho todo negro e acabou por cair ao chão derivado à força do remate, mas não aconteceu nada de especial.

    BnR: Vamos ao tira teimas, qual foi o melhor golo que marcou?

    JB: As pessoas falam muito do golo que marquei ao Porto, ao Vítor Baía. Para mim, não só porque foi um grande golo, mas porque foi importante para o Sporting de Braga, foi em Setúbal, numa altura em que estávamos a lutar para não descer. Foi um remate a 35 metros da baliza e, a duas jornadas do fim, garantiu, praticamente, a permanência do Sporting de Braga. É difícil escolher. Eu fiz 54 golos ao serviço do Sporting de Braga e são todos importantes e bons.

    BnR: A que jogador do Braga é que emprestava o seu pé direito?

    JB: Infelizmente, não se veem muitos golos de fora da área. Emprestava ao Paulinho ou ao Ricardo Horta que estão mais perto da baliza, se eles aceitassem.

    BnR: Quando era miúdo já torcia pelo Braga?

    JB: Já. Eu fui jogar para o Sporting de Braga aos 13 anos. Antigamente, não havia escolinhas, jogávamos na rua e nos campos pelados da freguesia. A minha primeira experiência em futebol federado foi no Sporting de Braga, no Campeonato Nacional de Iniciados. Até aí, jogava com os mais velhos, na rua, fazíamos balizas com duas pedras. Depois, fui para o Sporting de Braga. Foi sempre o meu clube e fui sempre ver os jogos durante esse tempo todo até agora. Não sou pessoa para mudar de clube, o meu clube sempre foi o Sporting de Braga e vai continuar a ser até ao fim. Respeito todos os clubes onde joguei, mas gosto de dizer a verdade: o Sporting de Braga é o meu clube. Quando jogava noutras equipas, e jogava contra o Sporting de Braga, o meu clube era onde eu jogava. Pelos anos que lá joguei, só pode ser o Sporting de Braga o meu clube. Hoje em dia, muitos futebolistas mudam constantemente e hoje são de um clube e depois mudam e já são desse clube desde pequeninos. Isso não me agrada muito.

    BnR: O futebol moderno, com essas trocas e baldrocas, ainda o encanta?

    JB: Hoje em dia, vê-se jogadores a serem transferidos que nem jogam nos clubes onde estão. Os miúdos são contratados pelo que podem vir a ser, pelo seu potencial. Não são jogadores que tenham mostrado grande coisa nas suas equipas seniores. Há uns anos para se chegar a uma equipa grande eram precisas, pelo menos, três épocas de grande nível para se chegar a uma equipa grande. Hoje, facilmente se chega a uma equipa grande. É a lei do mercado. O futebol é um negócio, nada a dizer sobre isso.

    Fonte: Facebook de José Barroso

    BnR: Como é que o marceneiro se deixou seduzir pelo futebol?

    JB: Comecei a jogar aos 13 anos, mas já trabalhava desde os nove para ajudar os meu pais. O meu pai estava em França, a minha mãe estava cá e eu ia trabalhar de manhã, depois estudava à tarde. Saía às 17 horas e depois ia para os treinos sozinho, de autocarro. Agora, os pais vão levar os miúdos, o que, por um lado é bom, porque têm mais acompanhamento, mas, por outro, é mau, porque têm tudo de mão beijada, não passam por dificuldades nenhumas. Nunca ninguém me deu nada e sei o que me custou chegar lá. Sabia o que queria: queria ser jogador de futebol. Quando cheguei aos 18 anos, tive que optar ou pelo futebol ou pela marcenaria. Claro que o meu sonho era ser jogador do Sporting de Braga e chegar à equipa principal. Parti muita pedra para chegar lá, mas consegui até mais coisas do que eu imaginava na altura.

    BnR: Foi duro, portanto…

    JB: Nem sonhava em ser internacional A pela seleção portuguesa, porque sabia que era muito difícil. Ainda por cima estava no Sporting de Braga. Numa altura muito difícil do Sporting de Braga, em que haviam jogadores nas equipas grandes e no estrangeiro, sem empresário e ser internacional A pelo Sporting de Braga em 1995… Vendo agora o Paulinho e o Ricardo Horta, como o Sporting de Braga está, e nem sequer são convocados… acho uma injustiça. Agora o Trincão saiu para o Barcelona e já está na seleção. É de dar ainda mais mérito ao meu trabalho por ter conseguido chegar à seleção nacional. Nunca ninguém me deu nada. Tive pessoas que me ajudaram, mas hoje vê-se muita coisa dada a muitos jogadores que não fazem por merecer isso.

    BnR: Com o que é que contava para se tornar jogador profissional?

    JB: Eu era uma pessoa que sabia sofrer. Não era fácil chegar cansado do trabalho, estudar e ainda ir treinar. Chegava às 22 horas e tal a casa, muitas vezes perdia o autocarro e ainda andava a pé mais 20 minutos. Foi muito difícil mesmo. Agora há muitos empresários, mas, na altura, só com o meu trabalho é que consegui chegar ao topo do futebol português.

      

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.