«Deixa-me triste ver o Benfica a passar por esta situação, em que não se vê a liderança» – Entrevista BnR com Idalécio

    Diretamente de Londres, Great Britain, fala com o Bola na Rede uma das torres de Loulé. Idalécio Rosa, defesa central que fez carreira no futebol português, abre a porta para muitas histórias que têm como protagonistas figuras bem conhecidas do nosso futebol. Do duelo com Giuly e companhia, no calor do Algarve, à mudança para frio do Minho, das instruções do “capitão” Ivo Vieira na Madeira, às lições a Fábio Coentrão em Vila do Conde, sem nunca esquecer um título da Segunda Liga que… Não celebrou. O Idalécio ganha esta Bola nas alturas e cabeceia para o fundo da Rede.

    – A torre de Loulé no rumo ao Estrelato –

    «Acordava cedo e arriscava chegar e levar umas cinturadas, mas o gosto pelo futebol sempre se sobrepôs»

    Bola na Rede (BnR): Como é que tens vivido a pandemia?

    Idalécio Rosa (IR): Para já, agradecer mais uma vez a oportunidade de estarmos aqui à conversa, e depois dizer-te que este período de pandemia, que nos afetou a todos, tem sido de preocupação e apreensão pelas notícias que vieram a público, pelas mortes que foram sendo notícia, sem sabermos muito bem o que era, como era, alguns produtos que temos nos hipermercados estavam esgotados. Depois, foi ter o cuidado, uma vez que o lockdown aqui não foi obrigatório. Aqui, as pessoas sempre puderam andar à vontade, mas não havia máscaras e luvas, e optámos por ficar em casa e ir só ao supermercado. Sempre que íamos às compras, íamos com a sensação de estar a entrar num sítio contaminado, foi complicado e continua a ser porque não sabemos onde o vírus está e temos de ter os cuidados necessários.

    BnR: Têm sido tempos distintos.

    IR: Os nossos trabalhos fecharam a 20 de março e ainda não regressamos. Não sabemos quando vamos voltar, nem eu nem a minha mulher. Estamos num plano do Governo, em que somos apoiados em 80%, o que não é bom nem é mau. Sabemos que há pessoas em muito piores condições que nós, temos de dar graças a que tudo esteja a correr dentro da normalidade. Quanto ao vírus, não sabemos se o tivemos ou não. Antes de entrar em lockdown, estive com tosse e falta de apetite, que são sintomas, mas nunca foi feito nenhum teste, nem se fala em fazer testes. Temos passado o tempo em família, fazemos vídeos juntos para o Tik-Tok e vemos muita televisão e muitos filmes.

    BnR: Durante toda a tua carreira, não sofreste o impacto das redes sociais que os jogadores atualmente sofrem, com as suas vidas expostas todos os dias. Como vês esta interferência das redes sociais no futebol?

    IR: De facto, na altura não havia o acesso às redes sociais e a facilidade que há hoje. Tem a sua coisa positiva, em termos de promoção dos atletas e de visualização, mas cada um tem que ter mais cuidado, uma vez que têm sido vários os episódios em que eles, enquanto profissionais, têm celebrado situações em alturas que não o podem fazer, e publicam essas fotos e vídeos, o que lhes tem trazido muitos problemas.

    BnR: Como o caso do Mirko Antonucci, do Vitória FC.

    IR: Eles alegaram que tinha que ver com isso, com o caso dos Tik-Toks no hotel. Acho que isso acaba por ser um motivo de distração, mas a distração tem de ser bem gerida. Isto é viciante e giro, mas há toda uma profissão onde os jogadores têm de se salvaguardar e proteger para não serem apanhados em situações dessas. Eu acho imensa piada às redes sociais, uso para me divertir, não é para me gabar nem armar. Mando uma boca, os meus amigos em Portugal mandam outra, e é assim. Mesmo no restaurante, eles diziam que eu publicava demais e bloquearam-me, mas depois eram os primeiros a incentivar-me a tirar as fotos.

    BnR: Tu começas a tua carreira profissional no Louletano.

    IR: Eu sou natural de Alcochete, do Montijo. Com 12 anos, os meus pais separaram-se e eu já praticava futebol 7 no Atlético do Montijo, num gimnodesportivo, além do futebol nas ruas, na calçada. Nunca tive muito o apoio do meu pai, queria que fosse médico e advogado, mas a minha mãe foi-me encobrindo um bocadinho, e lá acordava cedo e arriscava chegar e levar umas cinturadas, mas o gosto pelo futebol sempre se sobrepôs. Então vou para Loulé com a minha mãe, e começo a jogar em iniciado de segundo ano. Já tinha ingressado no Montijo como federado, assinei o contrato de formação com 11 anos, então, no Louletano, tive de esperar. Estive um ano só a praticar, fiz lá a minha formação toda até chegar aos seniores. Com 18 anos, idade de júnior, assinei contrato profissional de três anos, em que fui emprestado, uma vez que os juniores do Louletano estavam na distrital, não havia competição nacional, e fui convidado para ir para o Almacilense, da terceira divisão, para disputar o campeonato nacional com os seniores.

    BnR: Durante toda a tua formação foste defesa central?

    IR: Sim, talvez pela estatura, pelas caraterísticas. Eu sou da opinião que, na formação, devemos experimentar várias posições. O treinador faz essa análise, ou deveria fazer, tendo em conta caraterísticas físicas, técnicas, e então a posição que me foi atribuída, embora tivesse alguma técnica, foi defesa central. Adaptei-me e foi por ali que fiz o meu percurso no Louletano.

    BnR: E ficou uma grande torre em Loulé.

    IR: Sim, sempre me destaquei dos outros por ser muito alto, e, a partir daí, nomearam-me uma das torres do Louletano. Na altura, nos seniores, eu, o João Carlos e o Pagani éramos as três torres louletanas. Eu jogava mais do lado esquerdo, tive a oportunidade de jogar a defesa esquerdo, já que os defesas centrais eram muito fortes e experientes, e isso permitiu-me crescer muito e aceitei isso de bom grado. O importante era estar no onze e é isso que muitas vezes os jovens não entendem, amuam e perdem oportunidade de dar continuidade às suas carreiras por essa falta de humildade e espírito de sacrifício. Falta em alguns deles ambição, as coisas vêm tão fáceis hoje em dia. Antigamente era uma guerra para ter umas sapatilhas para jogar à bola, hoje em dia têm, é normal pela evolução dos tempos, e querem ter tudo do bom e do melhor, e esquecem-se que os pais fazem sacrifícios enormes para lhes poder dar isso, e depois não se sacrificam. É a opinião que eu tenho, e que eu vejo, e por ter passado pela formação.

    BnR: Tu falaste na adaptação ao balneário, que era completamente diferente antigamente do que é agora, mas também há a questão da adaptação à posição. Tiveste de te adaptar a defesa esquerdo, uma posição que mudou em relação aos dias de hoje, em que o defesa esquerdo é mais um ala, enquanto que antigamente era muito posicional. Tiraste vantagem disso talvez, mas o teu sucesso derivou dessa adaptação, concordas?

    IR: Exatamente, temos de nos adaptar às necessidades da equipa, do treinador, e pôr em prática as nossas caraterísticas, reconhecendo as dificuldades que cada um de nós tem, mas tentando aperfeiçoá-las em cada treino, em cada jogo, em todos os momentos que tenhamos essa oportunidade. Jogando como titulares ou cinco minutos, essa sempre foi a minha mentalidade, dar o meu melhor e adaptarmos as necessidades do treinador e da equipa.

    BnR: Depois vais para o Farense, e aqui eu gostava de destacar a tua primeira experiência na Europa. Podes contar-nos como foi?

    IR: Foi extremamente positivo. O Farense vinha de várias excelentes épocas, mas aquela com o apuramento para a Taça UEFA foi espetacular. Houve uma razia no plantel, até porque havia muita qualidade na equipa, e devido às dificuldades financeiras do clube muitos jogadores foram embora com rescisões e para clubes melhores, mas vendas não foram concretizadas. A única que foi concretizada foi o Jorge Soares, que foi para o Benfica, mas continuou por mais um ano, e houve a entrada de algum dinheiro, mas foram muitos os jogadores que saíram sem que entrasse nenhum dinheiro.

    BnR: Mesmo assim, formaram um grupo muito competitivo.

    IR: Assim sendo, o mister Paco Fortes teve a necessidade de recorrer a alguns jovens que estivessem pela zona do Algarve, e, em conjunto com jogadores bastantes experientes, Cacioli, Paiva, Djukic, Hajry, depois trouxe Pedro Miguel, defesa central, Carlos Costa, formámos uma excelente equipa. Mas, para lutar frente a um Lyon cheio de jovens talentos de muito valor, onde se destacavam o Giuly e o Maurice, era complicado. Foi muito bom, foi uma grande experiência, tive a oportunidade de realizar os dois jogos, foi um motivo de grande orgulho, mas foi tudo muito rápido. É tudo muito rápido, chegas à primeira divisão, começas a jogar, tens a oportunidade da Taça UEFA, para um jovem é muito gratificante, e tenho muito orgulho de ter feito parte do Farense dessa época e de ter participado nesses jogos da Taça UEFA.

    Fonte: Blog A gola do Cantona

    BnR: Foste tu que lidaste diretamente com o Giuly?

    IR: Não, com o Maurice. O Giuly tinha mais alguma liberdade, o Maurice era um avançado mais fixo.

    BnR: Mas já se destacavam pela classe e qualidade que viriam a mostrar mais tarde?

    IR: Sim. O Giuly depois acaba por ter um percurso de grande destaque no Mónaco, Barcelona, mas o Maurice nem tanto. Acabou por fazer em França, e foram internacionais franceses, o Giuly foi o que atingiu o patamar mais elevado. O Lyon já era fortíssimo na altura e foi uma experiência incrível, o Estádio de São Luís com os nossos adeptos foi lindíssimo e jogar em Lyon foi também muito gratificante.

    BnR: Aproveito, já que estamos a falar do Farense, o clube vai estar na Primeira Liga para a próxima época. Achas que pode fazer uma “gracinha” à moda de Famalicão?

    IR: Eu gostava. Estou muito feliz e até tive a oportunidade de falar para a SportTV e dar os parabéns ao Farense e ao Nacional, curiosamente dois clubes que eu representei, que este ano lhes foi atribuída a subida, embora tenha sido da forma que foi, com a interrupção do campeonato e consequente subida conforme a posição que atravessavam no campeonato. Mas muito feliz por isso e por saber as dificuldades que o clube atravessou, a chamada travessia no deserto. Sei que está muito bem estruturado, com um bom presidente, uma pessoa muito séria e que gosta muito do clube, não quer dizer que os outros não tivessem gostado, mas houve muitos anos em que as direções levaram com muitos problemas. Oxalá que consigam encontrar o caminho que lhes permita fazer tão bem como o Famalicão ou que lhes dê o equilíbrio de permanecerem muitos anos na primeira divisão, é o que os adeptos gostam e merecem, não só os do Farense, mas todos os que conseguem subir à primeira. Espero que consigam ficar por muitos anos, que consigam fazer uma gestão equilibrada e com resultados positivos, sei que estão a trabalhar muito bem a formação, não é de agora, e pode ser um clube muito interessante no futuro a nível de jovens valores a aparecer.

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    Pedro Pinto Diniz
    Pedro Pinto Dinizhttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é um apaixonado por desporto. Em cada linha, procura transmitir toda a sua paixão pelo desporto-rei, o futebol, e por todos os aspetos que o envolvem. O Pedro tem o objetivo de se tornar jornalista desportivo e tem no Bola na Rede o seu primeiro passo para o sucesso.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.