«Deixa-me triste ver o Benfica a passar por esta situação, em que não se vê a liderança» – Entrevista BnR com Idalécio

    – O lado negro do futebol –

    «Os diretores disseram-me que, se não rescindisse, a equipa técnica ameaçava pôr-me a treinar à parte no início da época»

    BnR: Depois sais do Rio Ave e vais para o Trofense, onde, na segunda época, eles vencem a Segunda Liga, mas tu estás no Gondomar. Como viveste essa época e como celebraste o título estando emprestado?

    IR: Aí se calhar é um dos períodos, não digo negros, porque acho que não tive períodos negros, mas de recordações, de comportamentos pouco dignos, inesperados. Isto para dizer que, quando termino contrato no Rio Ave, o João Eusébio, que já tinha sido durante alguns meses e ia ser ele o treinador principal na época seguinte, disse-me que não estava nos planos do Rio Ave. Custou, mas foi frontal, e amigos à mesma e lá fui eu. Depois, o que acontece no Trofense não. Eu não era um miúdo para brincarem com a minha vida ou com a minha dignidade. O que acontece é que a primeira época com Daniel Ramos fazemos uma temporada brilhante, e depois, no ano seguinte, porque havia dinheiro que não era dos diretores que andavam lá no clube, mas que era do presidente, do Sr Rui Silva – que tive uma pena tremenda da situação em que ele se viu ali envolvido – era só jogadores de Primeira Liga a chegar ao clube: Pinheiro, André Barreto, Milton do Ó, Valdomiro, Paulo Sérgio. Aquilo era o Real Madrid lá da zona, a juntar a nós que lá estávamos da época anterior, e que tínhamos feito uma época boa, mas a ideia foi investir para subir.

    BnR: O que correu mal?

    IR: A única coisa que me desagrada nisto tudo é que aguardei pela minha oportunidade, sempre calado, como profissional. Tive essa oportunidade em dezembro, de realizar vários jogos. Num desses até fiz um golo da vitória ao Feirense, e nunca o Trofense tinha atingido o primeiro lugar, tínhamos ido ganhar a Gondomar, que era um adversário dificílimo, nesses jogos tinha havido lesões e castigos dos meus colegas meus e eu aproveitei as oportunidades. Depois, uma vez que eles estavam todos recuperados, e disponíveis para a equipa, eu pensei que já não ia perder o meu lugar, porque estava a jogar e bem, a merecer continuar a jogar, mas depois o treinador, na altura, chamou-me e disse-me: “Parabéns pelo que tens feito, outra coisa não  seria de esperar (…) mas vou optar pela equipa que vinha a jogar”, e eu respondi: “você é o treinador, você é que sabe, não me peça para ficar satisfeito, não vou ficar satisfeito”.

    BnR: É algo complicado de ouvir.

    IR: Saí porta fora, a partir daí as coisas não ficaram fáceis, eu não era nenhum menino, ele era uma pessoa que eu já conhecia de outros caminhos, de outro percurso da minha carreira em que eu o tinha ido ajudar enquanto jogador, e começam clubes a ligar-me a saber se eu queria ir emprestado. Da segunda B, da segunda, e eu disse: “não, eu tenho contrato com o Trofense, não sei nada dessa conversa, o meu clube é o Trofense, quero ficar aqui e dar o meu melhor para atingir os objetivos do clube, que é a subida de divisão. Por isso, se isso acontecer, terão de ser os responsáveis do clube a comunicar-me, não é você por telefone, que diz que é do clube tal, desculpe lá, agradeço, mas falem com o clube e entendam-se”. E assim foi. As coisas começaram a tomar um rumo com um não muito bom ambiente, e começaram a tentar sacudir-me dali para fora, sendo que eu tinha contrato durante mais um ano.

    BnR: E surge o Gondomar.

    IR: Respeitei a situação de empréstimo, sabia que o Gondomar estava em situação de descida de divisão e disponibilizei-me. A partir do momento em que houve um acordo para salvaguardar as minhas condições financeiras, porque isso não ia abdicar, não era responsabilidade minha tomar aquela atitude, aceitei, até porque me sentia bem e há sempre aquela coisa de querer continuar a jogar. Via o Gondomar como a possibilidade de poder continuar a provar o que eu gostava de fazer e continuar a jogar.

    BnR: E como foi essa estadia em Gondomar?

    IR: Foi um clube com umas condições completamente diferentes das do Trofense, na altura. Bem mais humildes, mas com uma seriedade, com um presidente, o Álvaro Cerqueira, com quem tenho uma grande amizade e respeito pelos anos que está à frente do clube. O que ele tem feito não é fácil, um clube como o Gondomar sobreviver todos estes anos sem entradas de fundos e de vendas de atletas e tudo isso. Foi giro, apanhei uma equipa com Fernando Aguiar, Feliciano, Vítor Fróis, Rómulo…

    BnR: Zequinha, que joga agora no Vitória de Setúbal.

    IR: Sim, o Zequinha também. Foram seis meses de grande experiência. O treinador era o Nicolau Vaqueiro, um treinador com quem tive muito gosto em trabalhar, também já com uma história grande no futebol. Foi gratificante chegar ao final e salvarmos a equipa da descida de divisão. No final da época, o Nicolau vai para o Moreirense, e mal ele sabe que vai para o Moreirense convida-me: “Idalécio, como é a tua situação lá no Trofense?”. E eu disse-lhe: “mister, não sei, eu tenho mais um ano de contrato com o Trofense, vamos disputar a Primeira Liga, tenho contrato com a equipa, tenho as condições, não sei o que vai acontecer, ficamos em contacto”. Então, regressei ao Trofense. Apesar de ter jogado, não fiz parte das celebrações do título, naturalmente, porque tinha saído naqueles seis meses de lá. Fiquei à espera de notícias, contactaram-me para ir lá a uma reunião durante o período de férias, acabei por me deslocar. Queriam rescindir comigo, o treinador não contava comigo, e eu disse-lhes: “se o treinador não conta comigo, que me diga na cara”.

    BnR: Mas o treinador ainda era o Daniel Ramos?

    IR: Até me dá arrepios dizer, mas era o António Conceição, ele é que pegou na equipa no segundo ano para subir.

    BnR: Vejo-te mais exaltado a falar neste assunto.

    IR: É triste haver pessoas assim no futebol, é o que eu acho. Porque cada um tem os seus gostos e preferências, mas homenzinhos todos devemos ser, e eu não era uma pessoa qualquer, tendo em conta o meu percurso. Não que eu seja mais que ninguém, mas pronto. Deu-se essa situação e ofereceram-me um valor irrisório para rescindir, que eu naturalmente não aceitei, porque queria permanecer no clube, e tinha a possibilidade, para a qual eu achava que tinha contribuído, do regresso à Primeira Liga, embora não tivesse ficado lá naqueles meses. Andamos ali embrulhados até ao início da época, sem qualquer palavra por parte do treinador. As propostas continuavam, numa de gozo, eu comecei a ver o filme, não era parvo, já tinha alguns anos daquilo, e começou-me a gerar alguma revolta, alguma situação de mal-estar, passar por aquilo, onde os diretores me disseram que a equipa técnica ameaçava pôr-me a treinar à parte no início da época, quando começassem os trabalhos. Eu começo a tratar de salvaguardar o futuro e falo com o Louletano, no sentido de pegar na família e irmos para próximo dos nossos, sentir aquele apoio familiar, que começávamos a precisar, e por achar que era melhor para as miúdas.

    BnR: Mas com a proposta do Moreirense, porque não decidiste aceitar?

    IR: Como te disse, essa conversa foi no final da época no Gondomar, com o mister, e depois de muito falar com a família e tomar a decisão de ir para baixo para próximo da família, e chegando a acordo com o Louletano, salvaguardando aquilo que eram os meus interesses, achei que podia ser útil para o Louletano. Não fui para tirar o lugar a ninguém, fui para ser útil e sempre valorizei o facto de ter feito lá a formação, mas uma coisa é o que eu acho, outra é o que as pessoas acham ou te dão a oportunidade de fazer. A partir do momento em que falo com a família, é ir embora, mudar tudo para o Algarve, desfrutar da praia, do sol, da família, e a partir do momento em que tomei a decisão, nem quis ouvir Moreirense nem propostas. O objetivo foi: “vamos e vamos à procura do que vai ser melhor para nós”.

    BnR: E como ficou a situação no Trofense?

    IR: O Trofense, uma vez que não chegávamos a acordo, pediram para me apresentar. Tiro sangue, faço os testes médicos, reunião logo de seguida e mediante aquilo que eram as minhas exigências para sair, chegamos a um acordo. Tendo a salvaguarda do Louletano, abdicando do que tive de abdicar, e cheguei a acordo, as pessoas da direção do Trofense foram espetaculares a cumprir o acordado, não tive de meter em tribunal nem nada, mas foi uma situação triste, que estamos sujeitos a que aconteça, que não estava a espera que acontecesse no meu percurso profissional, mas fui muito agradecido para o Louletano. Fui treinar com o mister Balela, que já tinha sido meu treinador na Segunda B.

    BnR: Queria só fazer-te uma pergunta ainda em relação ao Trofense. Tu coincidiste com um jovem Fábio Paím, que podes dizer dele?

    IR: Tive o prazer de apanhar o Paím. Fizemos muitas amizades, muitos convívios, era uma das pessoas que tentava aconselhá-lo, vendo sempre que faltava algum apoio familiar. Ele ouvia-me quando conversávamos, mas depois eu ia para casa para junto da família e ele já estava numa situação diferente, ao estar sozinho ou com a namorada, e se calhar os comportamentos já se mudavam. Ele tinha de facto muita qualidade, era um miúdo que, quando tu és líder, treinador, tens de ter um comportamento para com os jogadores, e no Trofense acho que também lhe faltou essa pessoa para lhe dar apoio, e depois lamento o percurso que ele acaba por ter, desde aí do Trofense.

    BnR: Ainda tem algumas oportunidades.

    IR: Sim. Aliás, ele depois do Trofense tem muitas oportunidades, o Jorge Mendes ainda lhe dá muitas oportunidades. Foi para o Paços de Ferreira, ainda vai para o Chelsea, estava Scolari lá, para a equipa B. Apesar de tudo isso ainda tem um percurso onde podia ter agarrado boas oportunidades, mas depois o empresário também se cansou das situações que foram acontecendo no percurso dele como atleta e acaba por “desligar” e é pena para o Paím, pelo potencial que tinha. Felizmente, as últimas notícias têm sido muito positivas, tem mais uma oportunidade e espero que a agarre, tem uma família lindíssima, com dois filhotes, a esposa, a Patrícia, e oxalá ele consiga encontrar o caminho certo.

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    Pedro Pinto Diniz
    Pedro Pinto Dinizhttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é um apaixonado por desporto. Em cada linha, procura transmitir toda a sua paixão pelo desporto-rei, o futebol, e por todos os aspetos que o envolvem. O Pedro tem o objetivo de se tornar jornalista desportivo e tem no Bola na Rede o seu primeiro passo para o sucesso.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.