«Equipa atual do Benfica? Nenhum teria lugar no plantel em que estive com Jorge Jesus» – Entrevista BnR com David Simão

    – Seixalinho –

    “Na minha altura na equipa sénior com o mister Jorge Jesus, não é que os jogadores que lá estão agora não jogassem… não estavam sequer no plantel”

    BnR: Quem era o David dos tempos do Abóboda?

    DS: Era um David apaixonado por futebol, muito por influência da família: o meu pai adorava futebol, o meu irmão [Bruno Simão] já jogava e desde sempre o acompanhei aos treinos e aos jogos… até a minha mãe era completamente apaixonada por este desporto! Era um rapaz muito feliz, sem sonhos, apenas a desfrutar da rua e do ringue ao fundo da minha rua, onde passava o tempo desde que saía da escola até à hora do jantar. Não ligava às consolas; preferia uma hora na rua a jogar à bola a três horas em casa a jogar consola ou a ver televisão – a não ser que estivesse a dar futebol. [risos]

    BnR: A herança familiar pesou na hora de optares entre Benfica e Sporting?

    DS: Pesou na infância, quando me tornei benfiquista. Lá em casa, todos eram Benfica… começas a crescer nesse mundo e acabas por te envolver. Não pesou na altura de escolher por qual queria jogar, porque aí já era benfiquista e, tendo oportunidade de optar, logicamente escolhi o Benfica. Logisticamente também era mais fácil, porque o meu irmão já lá jogava e os treinos eram exatamente no mesmo sítio onde ele treinava.

    BnR: Viveste por dentro o início do período de revolução do modelo de formação do Benfica, mas que só mais tarde veio a dar frutos. Como tens acompanhado este processo?

    DS: Tenho umas saudades imensas do velhinho Estádio da Luz… muitas! Aquilo para mim era Benfica! A equipa principal nem conseguia grandes feitos, porque apanhei a altura do Vale e Azevedo, mas era o Benfica que tinha um pavilhão onde jogavam todas as modalidades (…) eu entrava para jogar ou para ver o meu irmão, depois via os juniores, depois o hóquei, a equipa principal… ia de manhã, almoçava lá e só saía ao fim do dia. De quinze em quinze dias, era um convívio de família quase obrigatório para nós. Depois passei uma fase negra, negra, negra (!), a treinar em campos pelados, com pouca luz, sem água quente: nos Pupilos [do Exército], no Unidos… inimagináveis nesta altura para os jovens que jogam no Benfica. Os iniciados do Benfica atualmente têm mais condições de trabalho que um clube de primeira divisão em Portugal. Crescem numa bolha, que às vezes até pode vir a ser prejudicial, dependendo das personalidades. Passei por todas as fases de reconstrução e pelo início do Seixal.

    BnR: Tiveste noção da magnitude desse projeto?

    DS: Dava para perceber que estava a construir-se alguma coisa de muito grande e diferenciada.

    BnR: Foram essas parcas condições de trabalho que, nessa altura, prejudicaram o aparecimento de jovens formados no clube na equipa principal?

    DS: Nessa altura, a aposta não era na formação. Agora dás três chutos e uma finta e estás na equipa principal. A verdade é esta, mas é este o caminho. Se Portugal é vencedor nas seleções, é porque tem qualidade; só que não vão aparecer sempre o Bernardo Silva e o João Félix. Antes, a aposta claramente não era neste sentido. Costumava-se dizer-se que, se estavas no Alverca e fazias dois golos contra o Benfica, no ano seguinte estavas na Luz; era assim que acontecia. Ia buscar-se tudo e mais alguma coisa… por vezes faço aqui uns onzes de cabeça do Benfica dessa altura e minha nossa! Agora não jogavam nem no Abóboda. Houve jogadores com qualidade que passaram pela formação do Benfica: o Maniche foi campeão europeu no FC Porto. O ênfase que se da hoje é completamente diferente. Olhas para a equipa atual do Benfica (…) na minha altura na equipa sénior com o mister Jorge Jesus, não é que os jogadores que lá estão agora não jogassem… não estavam sequer no plantel! A qualidade dos plantéis, na sua globalidade, baixou muito. Não quero falar muito no Benfica porque tenho lá amigos, mas no FC Porto, por exemplo, tinham Hulk, James, Falcao…

    BnR: O epíteto de um dos mais promissores jogadores da formação foi um fardo demasiado pesado?

    DS: Nunca me senti realmente reconhecido como tal pelo Benfica. Basta ver os meus dois últimos anos de júnior: faço as duas primeiras fases a titular e as duas fases finais no banco. Portanto um jogador em quem, supostamente, depositavam tanta confiança, jamais poderia ser tratado dessa forma. Há momentos de forma, mas quanto apostas num jogador, só se ele estiver mesmo de rastos é que não vais pô-lo a jogar. Jogava a titular até aos juvenis, era sempre um dos capitães – até pelo número de anos que tinha de casa –, mas nunca me senti com esse rótulo. Mesmo nas seleções fui sempre chamado, mas nunca fui um titular indiscutível: para o meu lugar havia o Diogo Rosado, o próprio Josué, o Diogo Amado, o André Martins… nunca me senti super valorizado pelo Benfica. Achava que tinha algumas condições, mas nunca tive grandes ilusões.

    BnR: Qual a responsabilidade de um treinador das camadas jovens na formação humana de um atleta?

    DS: Um treinador tem de conciliar essa formação humana com o lado tático. Não vale a pena sermos hipócritas. Pelo menos com o aproximar da fase final de formação, a verdade é que os clubes querem formar jogadores. A questão dos ideais e da formação da pessoa acontece mais no início da formação; a primeira intervenção do mister José Paisana, o meu primeiro treinador, foi com os pais “Meus amigos, vocês são os pais dos atletas, mas a partir do momento em que eles entram por este portão, passamos a ser nós, os treinadores, os responsáveis por eles”. Para estar a falar nisto hoje, com 30 anos, é porque teve algum impacto. Portanto nessa fase inicial é muito importante formar homens, com valores, ideais e regras, mas quando passamos para uma fase mais profissional, é muito importante teres alguém com sensibilidade para trabalhar com jovens, mas que já te consegue acrescentar alguma coisa e te prepara para o salto maior da formação: o início da carreira como profissional.

    BnR: [David prossegue]

    DS: No meu tempo, não havia equipa B. Era como ires num lance de escadas e de repente falham-te ali três degraus e tens de dar um grande passo. Nem todos conseguem. Dou sempre este exemplo, não sei se por ter sido um passo maior do que a perna (…)

    BnR: [Interrompo] Fábio Paim?

    DS: O Paim por outras razões. Teve todas as condições e várias oportunidades para poder agarrar. Mesmo quando não quis, foi-lhe dada mais uma e outra. Ia referir-te o André Carvalhas, que era uma coisa incrível; olhava com admiração e sentia que aquele gajo ia ser jogador do Benfica. Era pequenino e tal, mas havia um canto do lado direito e batia com o esquerdo, um canto do outro lado e batia com o direito, fintava e chutava com uma facilidade que eu não conseguia, uma leitura de jogo e uma destreza… a verdade é que no primeiro ano de sénior vai para o Rio Ave e não jogou, quando precisava de minutos. Tenho pena que não esteja num nível superior, porque aquelas imagens dele na formação não me saem da cabeça.

    BnR: Pergunto-te em específico pelas experiências com Bruno Lage e Emanuel Ferro.

    DS: Tinha e tenho uma relação mais próxima com o mister Bruno. Acho que ele conciliava os dois lados de que falámos: era um treinador muito próximo dos jogadores, capaz de se preocupar contigo a nível pessoal e extra-futebol, mas com quem, no treino, sentias que melhoravas e que aprendias. Com ele, sentias-te mais capaz época após época.

    O mister Emanuel também é uma pessoa formidável, com um tato muito bom para a formação. Treinar escalões mais jovens é totalmente diferente de treinar homens: uma palavra na formação é uma palavra bem dada, no futebol profissional pode já não fazer sentido. Hoje está completamente pronto para trabalhar com o futebol profissional.

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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.