– Experiência no SL Benfica –
BnR: Como se dá a tua transferência para o Benfica?
JT: Vou para o Benfica fruto do meu rendimento, saio a meio da época e tinha 19 golos marcados em 17 jornadas. Entrei para essa época em final de contrato e não havia a garantia que fosse ser dado seguimento à minha carreira. Entrei para esse ano já meio desiludido com o futebol, porque eu entrei primeiro na faculdade que no futebol profissional. Na altura era estudante universitário e estava a custar-me fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Pensei, vou jogar mais este ano, estou em final de contrato, estou a ver que isto não anda para a frente nem para trás, arrisco este ano e se não der, regresso à faculdade, acabo o meu curso e siga.
BnR: Entretanto começas a marcar golos atrás de golos…
JT: Aconteceu. O meu tio era sócio honorário do Sporting e escreveu uma carta a aconselhar que estava um miúdo muito bom na Académica, ele mostrou-me a carta. Acabo por sair para o Benfica, fruto daquilo que estava a fazer em campo, mas gostei muito desse ano na Académica, foi um ano marcante a todos os níveis, futebolístico, emocional, embora as pessoas ainda hoje me culpem pela saída.
BnR: A sério? Levaram-te a mal?
JT: Sim e ainda hoje quando vou a Coimbra algumas pessoas fazem questão de continuar a demonstrar que não esqueceram.
BnR: Mas era uma mudança natural, se um grande chega à Académica e quer contratar um jogador…
JT: Pois… Da minha parte nunca houve dúvidas, nem eu senti obrigação de explicar o que quer que fosse, porque para mim as coisas eram claras, exatamente como tu a descreveste. Mas aquilo foi mal interpretado, porque disseram que havia outro clube grande que me comprava e me deixava ficar na Académica até ao final do ano. Mas eu, muito honestamente, não tive conhecimento disso. Eu fiquei super surpreendido quando soube.
BnR: Como soubeste?
JT: Eu tinha um ritual pré-jogo de recuperação, com pessoas qualificadas. Estava num ginásio e, quando acabo o banho, pego no telefone e vejo que tinha imensas chamadas não atendidas. Fiquei surpreendido e quando chego ao carro para ir para casa ligo e digo “Então, ligaste-me tantas vezes, que se passa?”. E ele “Às seis horas da tarde estamos em tua casa para te levar para Lisboa.” E eu “Vamos para Lisboa fazer o quê?”. E eles, “Vamos para Lisboa, porque tu vais para o Benfica”.
BnR: E tu?
JT: E eu disse “Vai gozar com o caraças pá, és maluco”. E ele diz “Não, não, vais tu, vou eu, o José Veiga está lá em baixo à nossa espera. Vamos diretamente ao Estádio da Luz e assinas.” E eu disse “Se é verdade, então vamos embora!”. E pronto, fui para Lisboa, cheguei lá e assinei dois contratos, um de quatro anos e outro de quatro anos e meio, dependendo se a Académica me deixava sair logo ou só no final da época. Acho que a mágoa é um bocadinho a de perceberem claramente que as probabilidades da equipa subir de divisão com a equipa completa seriam muito maiores do que depois de eu sair. E a verdade é que acabaram por não subir.
BnR: Quanto é que custaste ao Benfica?
JT: 200 mil euros, 40 mil contos.
BnR: Quem eram os líderes de balneário naquela equipa?
JT: João Pinto e outros. Grande capitão. Até hoje temos uma boa relação, nós depois cruzámo-nos novamente no Braga e também na seleção.
BnR: Com quem te davas melhor nessa equipa?
JT: Criei uma grande afinidade com o Bossio, até hoje. Eu equipava-me entre o Bossio e o Paulo Madeira e, quem for ler isto e conhece a personalidade deles sabe, era impossível não se dar bem com eles. Dei-me bem também com o Calado, Nuno Gomes, Ronaldo. No ano seguinte, lembro-me porque estou a ver o balneário e como estávamos distribuídos, continuei com o Bossio e o Paulo Madeira, mais o Maniche e o Fernando Meira também ao pé de mim.
BnR: Qual é a sensação de entrar no Estádio da Luz a rebentar pelas costuras?
JT: Jogámos lá o derby com o Sporting com 85.000, lembro-me também do jogo com o Boavista que também estava completamente a abarrotar, se ganhássemos passávamos para a frente. Não se ouvia sequer o apito do árbitro.
BnR: Isso para os jogadores contagia?
JT: Eu diria que quem disser o contrário está a mentir às pessoas. É impossível, por muito que nós estejamos preparados, que o aspeto emocional não mexa connosco.
BnR: Falaste há pouco no derby com o Sporting, vamos a esse jogo.
JT: O derby tem um conjunto de situações fabulosas que acabaram de uma forma muito inesperada (risos)
BnR: É a lesão no joelho esquerdo 15 dias antes num treino, certo?
JT: Pois, 15 dias antes tínhamos ganho 4-0 ao Vitória e eu marquei três golos. Antes do jogo do Vitória tinha sido chamado pela primeira vez à Seleção A e, quatro dias depois do jogo em Guimarães, lesiono-me no treino. Eu disse um palavrão e senti “Porquê agora?”.
BnR: O sentimento de injustiça
JT: É, por isso é que eu digo que isto do desportista de elite está muito correlacionado com a sorte, os momentos. Eu cheguei a casa e disse à minha mulher “Porquê agora? Porque é que eu tenho que me lesionar logo agora?”. Ainda por cima no treino que foi, lembro-me perfeitamente do treino que foi, da jogada que foi. Chovia imenso nesse dia, o campo nº3 completamente alagado e o Mourinho disse “O campo está muito estragado, tudo alagado, fazemos a peladinha amanhã.” Mas a malta toda quis fazer nesse dia. O campo tinha água que até tapava as botas.
BnR: E é num lance dividido que te magoas?
JT: É. Há coisas do destino, eu nunca chuto de bico, nunca. Mas a bola estava encharcada e eu vou para lhe dar de bico. O Geraldo só segura assim o pé e o meu joelho faz “Trac”, rotura no ligamento lateral do joelho. Cheguei ao banco e disse ao doutor “Já fui”. Isto foi numa 4ª-feira, nós jogávamos no fim-de-semana contra o Campomaiorense para a Taça de Portugal e depois era o jogo com o Sporting. Mas eu disse “Doutor, eu vou jogar com o Sporting, esqueça. Vou ficar bom do joelho e vou jogar”. Depois saiu o resultado do exame e eram quatro a seis semanas parado.
BnR: Duro…
JT: Sabes o que é que eu fiz? Aquilo era uma semana a dez dias com a perna imobilizada e eu andei três, quatro dias assim e depois tirei aquilo. Depois recuperei milagrosamente para o jogo. Na semana que antecedeu o jogo falei várias vezes com o mister Mourinho e disse-lhe “Mister, não se preocupe, eu vou estar pronto. Posso não estar pronto para jogar de início, mas vou estar pronto para jogar.”
BnR: E ele contava contigo para o jogo?
JT: Lembro-me perfeitamente na noite que antecedeu o derby, o Mozer não vai levar a mal esta inconfidência. Ele veio ao meu quarto e estivemos mais de uma hora a falar. Disse-me “João, vai acontecer isto, o mister já preparou a equipa.” Eu disse logo “Oh mister, não há problema nenhum. Eu disse que ia estar pronto e vou, jogue o tempo que jogar”. Eu acho que foi o sentir desta emoção que explica que eu tenha entrado com o joelho todo imobilizado com 30 minutos para jogar ainda. Senão repara, eu tive uma lesão que o tempo para recuperar são quatro a seis semanas, estou seis dias praticamente sem fazer nada, fiz três treinos para me reintegrar, fiz um treino ou dois com a equipa, senão jogava só cinco minutos, um quarto de hora… Esse sentimento, essa emoção que eu demonstrei, que fez com que as pessoas ficassem impressionadas e depois o resto é história. É engraçado, eu a correr à frente do César Prátes com o joelho todo ligado e as pessoas ainda diziam que eu era lento.
BnR: Consegues descrever-me na primeira pessoa como viveste os teus dois golos? Entras aos 60’…
JT: Primeiro golo é mais oportunismo do que propriamente uma consequência de algo. Foi uma biqueirada para a frente do Fernando Meira, eu depois de estar na frente isolado era difícil de me apanhar. Se tu reparares, há dois momentos, não sei explicar, mas a celebração do primeiro golo digamos que é sóbria, “ufff”, saiu-me um peso das costas, marquei o golo, fantástico, está toda a gente a vibrar. Agora, o segundo golo foi tudo ao contrário, já era eu. A primeira foi a dizer “Tanto sofrimento, mas valeu a pena”, a segunda foi o esctasy total, um gajo sai disparado. É aquela emoção de já teres feito o primeiro golo, depois é o estádio com 85.000 pessoas, é o jogo contra o Sporting que é um derby daqueles que dá gosto. Depois, nós sabíamos que havia a questão contratual do José Mourinho, se o Vilarinho ganhasse as eleições o treinador era o Toni e isso foi tornado público, foi muito desagradável. Não sei se consegues reparar, mas o segundo golo foi celebrado entre mim e o Bossio daquela forma. Éramos colegas de quarto, ele sabia o que eu tinha sofrido, porque ele morava perto de mim e nós estávamos muito juntos. Ele percebeu que foi um sacrifício muito grande para estar naquele jogo.
BnR: Quando és abordado na rua este é o momento que mais te recordam?
JT: É, sem dúvida.
BnR: Que memórias tens de ser treinado por José Mourinho?
JT: A história que eu tenho mais específica dele comigo foi no dia em que ele chega. Ele falou com toda a gente de forma individual e, quando chegou à minha reunião, eu estava apreensivo. Estava no Benfica há pouco mais de meio ano e pensei que isto podia ser complicado para mim, mas não, foi tudo ao contrário. Apesar de ser um miúdo de 25 anos, já era uma pessoa adulta, sóbria, já a saber o que dizer e disse-lhe “Mister, se conta comigo eu estou aqui para dar o melhor que posso e que sei”.
BnR: Tiveste um gesto muito bonito que acho que passou despercebido a muita gente. Ofereceste uma camisola do Robert Enke ao Museu do Benfica, de quando o defrontaste em Espanha. Que memórias tens dele de quando jogaram juntos no Benfica?
JT: (João demora a escolher as palavras) O Enke era… uma pessoa diferente. Infelizmente, partiu de forma trágica, mas era um profissional exemplar, que ninguém tenha dúvidas, era um guarda-redes muito, muito bom e um colega espetacular.
BnR: O que é que faltava a este Benfica nos anos em que lá jogaste? Andava longe dos títulos…
JT: Faltava, eventualmente, muito mais do que nós tínhamos. Nós percebemos com o passar dos anos que as coisas não acontecem por acaso. O Benfica transformou-se, com a entrada do presidente Luís Filipe Vieira, na máquina que é hoje e isso é uma consequência de algo. É uma consequência do investimento, da organização, da estruturação e tudo isso faz implicar muita coisa. Faz implicar, na maior parte das vezes, sucesso.