Os formadores “milagreiros” e o futebol artístico

futebol de formação cabeçalho

A elevada qualidade e a capacidade de fazer a diferença não nascem de um vazio. Todas as qualidades técnicas, biotécnicas e tácticas de um atleta são fruto de um processo contínuo de formação e prática. Por sua vez, é a qualidade desse processo que determina o nível de desempenho do respectivo atleta. O mesmo poderemos dizer de um coletivo. Até aqui, pouco ou nada de novo, e, como se sabe, os bons jogadores e as boas equipas não nascem nas árvores: são antes um produto da excelência e do trabalho árduo.

Contudo, em Portugal regista-se uma dada ausência de determinação para dar um salto em frente. Como exemplo, basta olhar para os clubes que militam nas duas divisões profissionais e contabilizar quantos deles possuem uma academia e planos de desenvolvimento que são seguidos à regra para produzir atletas de alto nível.

Em Portugal “vai-se fazendo”,  e creio que é urgente mudar essa mentalidade e revolucionar a realidade no futebol de formação. Acima de tudo, isto tem de ser feito para que possamos futuramente atingir patamares de topo no futebol de alto rendimento e, assim, reforçar o estatuto adquirido nas últimas décadas. Enfim, podemos olhar para os bons exemplos como os aplicados pelas federações alemã, espanhola e belga, e assumir que revolucionar resulta. Contudo, nem tudo é negro e sem graça em Portugal. Há pelo menos dois grandes tópicos que convém abordar e trazer para junto de nós para reflectir.

Por cá no que se refere a treinadores e a formadores existe competência, conhecimento e um considerável nível de formações técnicas adequadas ao contexto do futebol de formação. Estes elementos são parte da chave que tem permitido ao nosso futebol sobreviver e ir formando talentos com um valor considerável. Contudo, o que existe em falta é estratégia e organização em plano macro que visem o desenvolvimento de atletas de alta competição. Falta planificar para ganhar e fazer a diferença. Quando estes elementos se conjugarem de forma harmoniosa, poderemos por fim assistir à formação de um número muito superior de atletas de elevada qualidade e com condições para fazerem a diferença em qualquer campo dos quatro cantos do planeta. Em alguma parte, isto já foi uma realidade no passado; então porque não “repicar” alguns discos antigos e formular uns conceitos?

foto gonçalo1
Sanjoanense Vs. Carregado
Foto: Sandra Cunha

Para já, o que existe vai sendo trabalhado a espaços (uns maiores do que outros), em redutos muito característicos, em contextos muito específicos e em condições sociais e organizacionais que apenas propiciam a existência de “milagres”. Pois sim, temos muitos treinadores que além de bem formados e competentes são igualmente milagreiros. Infelizmente, ainda se trabalha de um modo relativamente feudal, onde cada um se limita a tomar conta da sua quintinha. Isto não potencia em nada o trabalho dos nossos treinadores e sobretudo – e mais do que tudo – não desenvolve nem fomenta o enorme potencial dos nossos atletas.

Na realidade, tudo isto nos leva a ter a maior parte dos projectos formativos estagnados, o que tem originado o surgimento de poucos atletas de bom e de grande nível. Isso reflecte-se na qualidade das equipas portuguesas e das nossas seleções. Ou seja, uma grande parte do problema do futebol português está evidentemente no futebol de formação e na ausência de um plano de desenvolvimento e de potencialização dos nossos recursos.

Por outro lado, há algo que temos de admitir: o jogador português é talentoso. É tecnicista, criativo, aventureiro, fisicamente consistente, inteligente e desequilibrador. E são exactamente estes aspectos que devemos potenciar no futuro. Há que criar condições para o desenvolvimento de capacidades biotécnicas que valorizem estas características, pois o jogador português tem o “dom” de fazer a diferença, de romper com a monotonia e de destruir a lógica do equilíbrio de forças. O jogador português tem todas as características para ser o “atleta-artista” por excelência, pois ele devora o jogo e toda a paixão concentrada nas quatro-linhas. Não valorizar e não trabalhar este potencial tem sido um enorme “crime” a que todos temos assistido no futebol e no desporto português.

Isto é algo que temos de valorizar e sobretudo algo em que temos de pensar com urgência. E não tenhamos dúvidas: têm sido essas características que têm permitido em boa parte a sobrevivência do nosso futebol. Tem sido esse talento que tem permitido a existência de um ou outro resultado positivo. Sobretudo quando juntamos isto com os milagres que alguns treinadores e formadores têm realizado nos últimos tempos.

foto gonçalo2
Carregado Vs. Arrudense
Foto: Sandra Cunha

Por questões culturais, por variáveis sociais, pelo “futebol de rua” ou pelo trabalho que tem sido feito em alguns clubes, o jogador português tem características que lhe permitem existir acima da média. Contudo, não existe sustentabilidade nem forma de potenciar e gerir este fenómeno de forma continuada. Não existe um plano e isso não nos permite hoje dar um salto em frente e consequentemente almejar resultados desportivos de excelência de forma consolidada – tanto a nível de clubes como de seleções.

Nem tudo é negativo. Em Portugal existe um enorme potencial – algo raro em países com as nossas características demográficas. Temos treinadores e formadores com conhecimento e jovens talentosos. Poucas nacionalidades conseguem imprimir tanta competência, paixão e qualidade técnica numa dada arte, e creio que o nosso caminho passa por saber formar segundo isso mesmo. Caro leitor, temos de formar para fazer a diferença em campo. E para isso requer-se um salto em frente em termos ideológicos e, consequentemente, a criação de uma “escola artística” de futebol.

PS: Nota muito positiva para a nossa seleção de Juniores Sub-19 que se qualificou para a Ronda de Elite do Europeu da respectiva categoria. Por sua vez, a equipa nacional de Juvenis Sub-17 está igualmente de parabéns, pois tem realizado uma caminhada exemplar rumo ao europeu de 2015. Lá está, o potencial está todo aqui.

Gonçalo Borges
Gonçalo Borgeshttp://www.bolanarede.pt
Treinador de Futebol, Sociólogo e professor assistente na University of Wisconsin-Milwaukee, Gonçalo é também adepto do SL Benfica e amante das paixões do futebol.                                                                                                                                                 O Gonçalo não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

Subscreve!

Artigos Populares

Nani analisa futuro de Viktor Gyokeres e fala de José Mourinho na Seleção: «Acho que um dia vai acontecer e seria justo»

Nani falou sobre a atualidade desportiva. O antigo internacional português falou do futuro de Viktor Gyokeres e do estado da Seleção Nacional.

Lille perto de contratar avançado português por 3 milhões de euros após garantir Olivier Giroud

O Lille está em vias de garantir a contratação de Vivaldo Semedo. O jovem avançado português pertence aos quadros da Udinese.

Brentford paga 20 milhões de euros e garante médio do Feyenoord que marcou dois golos ao Benfica na última época

O Brentford garantiu a contratação de Antoni Milambo. O médio neerlandês de 20 anos vai deixar o Feyenoord.

Sunderland fecha contratação de jovem médio do Union St Gilloise por 17 milhões de euros

O Sunderland já garantiu Noah Sadiki. O jovem médio de 20 anos vai deixar o Union St Gilloise por 17 milhões de euros.

PUB

Mais Artigos Populares

Benfica em conversações para renovar contrato de André Gomes

André Gomes está perto de renovar com o Benfica. O jovem guarda-redes tem contrato com as águias até 2028.

Everton fecha contratação de avançado francês por 35 milhões de euros

O Everton chegou a acordo com o Villarreal para a contratação de Thierno Barry. O avançado francês vai render 35 milhões ao clube espanhol.

Andoni Zubizarreta segue o caminho de Martín Anselmi e está de saída do FC Porto

O futuro de Andoni Zubizarreta não passa pelo FC Porto. Os dragões devem confirmar a saída do diretor-desportivo espanhol.