Para a equipa da casa, este jogo representava um marco na história do clube, já que foi a primeira recepção a um grande em jogos a contar para a Liga Portuguesa – facto esse que imprimiu motivação extra para os jogadores comandados por Pedro Emanuel. Para além deste argumento – que pouco ou nada valeu -, o meu avô relembrou-me a época 2011/2012: o Arouca podia surgir ao FC Porto como um Feirense, num jogo em que o conjunto de Quim Machado bloqueou João Moutinho e companhia, atrasando os dragões na luta pelo título.
No entanto, é anormal para o FC Porto não arrancar pontos depois de uma derrota (num jogo que fica atravessado na garganta de qualquer adepto) e – mais importante ainda – antes de um clássico. Longe de ser um embate de tudo ou nada, tratava-se de uma situação relativamente desconfortável para Paulo Fonseca (PF), cujo aparelho digestivo ainda se encarrega de digerir a primeira derrota, enquanto azul-e-branco. Era, por isso, a oportunidade ideal para continuar a conquistar a confiança dos adeptos: as palavras do treinador apontavam para uma equipa ainda em fase de construção. Para a maior parte da opinião pública, a expressão «ainda» foi trabalhada num cenário quase caótico para o FC Porto, quando, na verdade – e olhando para a evolução natural da equipa –, estamos perante um momento de afinação, no qual a confiança dos adeptos e, por sua vez, o espírito da equipa são elementos nucleares para a orgânica do pantel.
Arouca ou nada: é aqui que este jogo adquiria o rótulo de nocivo, tendo em conta que ganhar não chegava. A filosofia pragmática de PF é apenas meio copo para os adeptos do FC Porto e, antes do jogo, o adepto portista exigia rendimento máximo, não só no placard mas também na qualidade de futebol praticada – e, já agora, durante 90 minutos. Caso contrário, Arouca é como água gelada na digestão de PF, entrando definitivamente numa situação indesejável.
Esta era a história que se lia antes da partida, e lá ia o meu avô irritando-me com o Feirense de 2011/2012. O Porto acabaria por ganhar, mas sem brilho.
O Jogo jogado
Paulo Fonseca decidiu recuperar o 4x3x3, ainda que de forma subliminar. Isto porque pedia-se a Herrera aquilo que Defour não sabe fazer, isto é, capacidade para construir jogo em velocidade e dar uma perninha ao Polvo, na transição ataque-defesa. E já que estamos com a tortilla no prato: o que acrescentou Herrera?
O mexicano é, de facto, um jogador a ter em conta. É o médio de apoio à criatividade do meio-campo, ou seja, aquele elemento que equilibra a equipa nos momentos sem bola, tanto nas movimentações defensivas como nos lances de ataque, permitindo que Lucho defina no último terço. Herrera apareceu logo nos primeiros minutos, procurando a bola dos pés de Fernando e dos dois laterais, encarregando-se de entregá-la redonda tanto a Lucho como a Varela/Josué. Ao contrário do Defour, Herrera constrói em sentido vertical: bom controlo de bola e inteligente a injectar velocidade no jogo; aliás, foi dos elementos que mais vezes rasgaram as marcações da equipa do Arouca, criando em profundidade momentos de passe/desmarcações. Primeira nota positiva para um médio energético – que fez lembrar Guarín – e que pode ter agora porta aberta no onze.
Voltando ao jogo no seu todo, o FC Porto começa a controlar o jogo, e chega ao golo depois de uma jogada individual de Alex Sandro. Jackson para finalizar na cara de Cássio. Até então, o FC Porto fazia circular a bola, sobretudo pela ala esquerda, onde se encontrava Alex Sandro, que viria a combinar várias vezes com Herrera. Danilo continua amarrado e, a meu ver, o prodígio está mesmo do outro lado da asa, uma vez que o Sr.18 M€ é lento a chegar à linha de fundo, independentemente da qualidade técnica já provada.
Josué joga, mas joga mais e melhor no miolo do terreno. É importante tê-lo na ala, mas só temporariamente. Exigir ao pequeno rebelde desequilíbrio no um-para-um, ir à linha e cruzar é um crime contra a sua natureza: Josué corta bem para dentro e procura sempre o pé esquerdo, mas isso não significa que seja um extremo. Como não é jogador para romper em velocidade, torna-se um alvo fácil na defesa do Arouca.
O mesmo aconteceu com Varela: o drogba da caparica está apático e raramente ganha um lance a Dias ou a Balliu. Na verdade, há que evidenciar o esforço destes dois homens de manter tapados os caminhos para a baliza de Cássio e, de vez em quando, entrar timidamente no meio-campo do FC Porto.
E isto foi acontecendo com maior frequência assim que Jackson fez o primeiro golo. O Arouca começou a fazer circular a bola e o Porto ficou a ver. Bruno Amaro, na pressão sobre o homem da bola, ia resultando, mas, quando falhava, toda a equipa sentia e lá iam Herrera e companhia; porém, sem perigo. O Arouca conseguia, inclusive, colocar a bola em Ceballos e, com alguma magia, fazia Luis Freitas Lobos entupir os meus ouvidos com o seu percurso pelas camadas jovens do Barcelona; sempre com David Simão no passe bem definido, diga-se. O espanhol arrancou faltas e permitiu que Bruno Amaro tentasse a sua sorte através do seu pontapé-canhão. Hoje, sem pólvora.
A história foi a mesma até ao segundo golo do Porto. Otamendi fez aquilo que Varela e Josúe não conseguiram: o argentino surge na quina da área depois de um pontapé de canto; recebe a bola – depois de um passe rápido de Herrera, parte para cima do adversário e cruza de pé esquerdo para o colombiano bisar.
O Arouca estava melhor em campo e o meu avô não parava de dizer: «Estás aqui estás a levar o empate». Lá o calei com Jackson. Depois veio o Pintassilgo: livre bem colocado e o FC Porto voltou a sofrer de bola parada, sempre com a sensação de que a defesa e Hélton poderiam ter feito mais. O golo agitou o Porto e os dragões lá assumiram a chama, por intermédio de Quintero. Numa das primeiras vezes que toca na bola (senão mesmo a primeira), partiu a loiça toda, puxou da vassoura e pôs o Arouca no lugar, mostrando ao Pintassilgo que também ele tem direito a voar- e que voos altos o esperam.
Esta foi a história de um jogo cuja vitória não bastava ao FC Porto, mas acho que, por enquanto, dá para disfarçar. Vem aí o clássico no Dragão e creio que os portistas vão esperar por esse jogo para perceber se água gelada faz assim tão mal durante a digestão. Caso não houvesse um Porto x Sporting – e a Selecção pelo meio -, a imprensa e as preocupações dos adeptos portistas mais cépticos iriam desencadear nova onda em torno de PF. Verdade seja dita: o Porto precisa de recuperar a robustez defensiva e ultrapassar o problema das bolas paradas, antes do clássico.
Com toda a certeza, irei ver o jogo com o meu avô. «Montero» será a palavra que mais vezes irei ouvir da boca dele, sempre com o objectivo de me irritar.