De Nápoles, com orgulho e sofrimento

    dosaliadosaodragao

    Desde a última vez que fui ‘titular’ neste espaço, o FC Porto pisou dois palcos tremendos (descontando o jogo, no Dragão, diante do Arouca) – Alvalade e San Paolo. De ambos ficam histórias para contar, sendo que a última noite de Quinta-Feira devolveu algum orgulho à nação azul e branca – aquele que ainda não tinha sentido esta época.

    O ridículo

    Porém, antes de ir eliminar o Nápoles, o Dragão teve um duro combate pela frente – o jogo de Alvalade durou, infelizmente, muito mais do que 90 minutos. O domicílio do Sporting tornou-se num palco de fazer inveja à casa de Victor Hugo Cardinali: os leões nunca faltaram, mas a verdade é que a semana anterior ao Clássico foi pródiga em momentos (e movimentos) originais e risíveis. O objectivo, esse, estava identificado: a moralização do futebol português e a luta pela verdade desportiva, dizem-nos.

    Ainda que este espaço seja curto, convém aproveitá-lo para, enumerando, mostrar como se moraliza o futebol português. Então é assim: começa-se por dar uma conferência de imprensa (a propósito do jogo de Setúbal), transformando uma péssima arbitragem para ambos os lados no maior roubo da história do futebol português; segue-se a promoção de um ‘Jantar de Senadores Sportinguistas’ para dar ainda mais eco à revolta; logo de seguida edita-se um artigo tão criativo quanto colorido no jornal do Sporting a propósito da “verdade dos números”; pelo meio visita-se a residência oficial do Presidente da República levando a solução para todos os males do futebol português; posteriormente promete-se a interposição de acções judiciais contra os árbitros “que deixaram o Sporting fora da Europa”; por último, mas não menos importante, institui-se um movimento ‘Basta’, cujo expoente máximo acontece na tarde de Domingo, com a proliferação de figuras e figurinhas, em cima de um palanque, num estilo à la ‘Homens da Luta’, a entoar palavras de ordem e a buscar, nas entidades alheias, responsabilidades pelos fracos resultados desportivos. O que dantes, para Bruno de Carvalho, era culpa de Dias da Cunha, Bettencourt, Soares Franco ou Godinho Lopes é hoje assacado a outros homens. Coerências de quem tem um objectivo bem definido e que, quando confrontado, prefere invocar a (suposta) senilidade do seu opositor. Elevado de carácter este moralizador do futebol português.

    Tão factual quanto os acontecimentos que fizeram de Alvalade o centro das notícias da semana, foi o desfecho do jogo (propriamente dito). A partida foi bastante equilibrada, ainda que as melhores oportunidades tenham sido dos Dragões. De todo em todo, o Sporting acabou por vencer porque soube condicionar mais o jogo do FC Porto do que o inverso – em campo, com Leonardo Jardim a ler bem o jogo ao intervalo e a incentivar os seus jogadores a pressionar uma equipa do Dragão que ainda não é confiante de si, provocando imensas dificuldades na primeira fase de construção de jogo do FC Porto (Mangala e Abdoulaye estiveram péssimos neste particular); fora de campo, porque toda a campanha circense montada ao longo da semana teve como resultado uma pressão acrescida sobre Pedro Proença (excelente árbitro), que redundou num golo ferido de ilegalidade e num penalty por marcar sobre Jackson Martinez (com consequente expulsão de Cédric).

    Há quem diga que o Homem, na sua vida e em cada um dos seus comportamentos, deve pautar-se pelo medo do ridículo. Toda e qualquer luta pode ser legítima se acontecer até ao limite do razoável – a semana passada (e o comportamento pós-jogo) serviu para perceber que há lutas, promovidas por certas personagens ávidas de protagonismo, que se norteiam por agendas ocultas, e que, por isso, são irrazoáveis e batem os limites do ‘ridiculometro’. Talvez baste ou talvez para eles ainda não chegue.

    No duelo dos ‘9’, apenas Slimani marcou Fonte: ZeroZero
    No duelo de argelinos, apenas Slimani marcou
    Fonte: ZeroZero

    O pequeno orgulho azul

    A última noite europeia do San Paolo ficará ligada a uma bonita página do FC Porto. Parece-me indiscutível que a equipa está ainda longe de ser brilhante, exuberante ou até mesmo consistente. Na realidade, o FC Porto sofreu a bom sofrer durante os primeiros 60 minutos do encontro; aliás, dificilmente se poderia eliminar uma equipa com o poder de fogo do Nápoles (Higuain, Pandev, Hamsik, Callejon, Insigne ou Mertens não são propriamente moços de recados) sem que houvesse uma quota-parte de sofrimento.

    É, ainda assim, lamentável ter sido preciso esperar por Março para a nação azul e branca sentir, finalmente, uma pontinha daquele orgulho azul nesta equipa. Chegar a San Paolo com ‘a defesa da equipa B’ (passe o exagero), sofrer um golo cedo mas ter capacidade para aguentar e reerguer-se foi uma demonstração de bravura. Fabiano esteve intransponível, Danilo alternou péssimas abordagens com cortes decisivos, Reyes foi crescendo com o decorrer dos minutos, Mangala rubricou uma bela exibição e mesmo Ricardo, com todas as dificuldades óbvias de um extremo direito adaptado a lateral esquerdo, não soçobrou. Daí para a frente, esperava-se que a equipa soubesse estar em campo mais tranquila e pudesse, com uma gestão da bola e dos tempos criteriosa, dar possibilidade a uma defesa em retalhos de respirar. O certo é que isso acabou por não acontecer, muito fruto das más exibições de Carlos Eduardo e Varela e da distância da equipa face a Jackson.

    No meio destes problemas, eis que – e há quanto tempo isso não acontecia! – o segredo esteve no banco. Duplamente no banco! Luís Castro fez aquilo que é suposto um treinador fazer: leu o jogo, percebeu as lacunas e as dificuldades da equipa e mexeu no jogo da única forma directa que pode. Retirou os tais apagados Carlos Eduardo e Varela e lançou Josué e Ghilas. O português veio dar outra alma e intensidade ao meio-campo da equipa, mostrou-se ao jogo, assumindo-o, e sem medo de ter a bola, fazendo com que o FC Porto tivesse, enfim, efectiva superioridade nesse sector do terreno; o argelino, com a sua raça e combatividade, mas também com o faro de golo que demonstra, tornou o FC Porto bem mais ameaçador.

    Os frutos surgiram de imediato, em duas belas jogadas colectivas, culminadas com execuções primorosas. A de Quaresma então é de uma beleza rara e a prova de que o futebol continua a ser mais talento (ao serviço do colectivo) do que qualquer outra coisa – o ‘Harry Potter’ lá pegou na sua varinha mágica, vingou a sua discreta passagem por Itália e voltou a colocar o seu nome na boca da Europa. Quaresma já fazia isto aos 19, aos 22, aos 26, e hoje aos 30, mas continuará a fazer aos 63 quando estiver a jogar com os netos. Porque magia é algo que nunca lhe faltará.

    Ricardo Quaresma. Ou ‘Harry Potter’, em Nápoles Fonte: ASF
    Ricardo Quaresma. Ou ‘Harry Potter’, em Nápoles
    Fonte: ASF

    Sempre me pareceu evidente que o problema deste FC Porto não era apenas o seu treinador. Chegar a Nápoles com a defesa remendada, sem alternativas sólidas a Alex Sandro ou Danilo (mesmo sem um central de categoria para a parceria com Mangala) e sem um verdadeiro extremo que faça sombra a Varela e Quaresma (Ghilas, reencarnando Derlei, é agora a aposta) é a demonstração de que o FC Porto não foi suficiente previdente e responsável na formação do plantel, permitindo-se correr riscos desnecessários (algo que voltará a acontecer diante do Belenenses).

    Por outro lado, é evidente que, num dado momento, a questão também já era Paulo Fonseca. E este jogo, esta eliminatória, estas semanas com Luís Castro provam-no: a equipa está mais organizada, mais compacta e há jogadores que parecem ter ganho alguma vida. Mais do que isso, em Nápoles, ficou evidente que o pensamento do agora treinador do FC Porto é bastante diferente do de Paulo Fonseca: quando a equipa estava perdida, foi Luís Castro que a agarrou, com uma dupla substituição que a devolveu ao jogo, fazendo-a olhar para a frente e para a baliza de Reina mais do que para a baliza de Fabiano; fazendo-a pensar em marcar e não em não sofrer; em suma, lembrando aos seus jogadores que era o FC Porto que ali estava.

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