Pensamentos do Clássico e um Porto sem ganas

    tinta azul em fundo brando pedro nuno silva

    Dois dias depois do clássico, friamente, já se pode dizer que o Porto tornou quase impossível a tarefa de chegar ao título. No dia 1 de Abril , escrevi que este mês era o mês do tudo ou nada; tudo indica que será o do nada. O Porto que jogou domingo, na Luz, foi o mesmo Porto que hipotecou a possibilidade de conquistar títulos quando se deslocou à Ilha da Madeira – até a Taça da Liga, que se afigurava como a competição mais ao alcance dos Dragões, foi lá perdida. Focando no clássico, exporei alguns pensamentos que me ficaram deste jogo.

    A abordagem táctica de Lopetegui

    A notícia chegou com surpresa – Lopetegui optara por mudar a equipa habitual. Entraram para o onze Ruben Neves e Evandro e saíram Herrera e Quaresma. Confesso que não desgostei destas opções mas fiquei curioso sobre como se iriam encaixar as peças em campo e o que mudaria em relação ao esquema habitual. Acho normal os treinadores abordarem de forma diferente jogos diferentes – não é o mesmo disputar diante do Benfica o jogo do título ou jogar contra uma equipa qualquer de meio da tabela. A única dúvida que fica sempre antes dos jogos nestas situações é “Será que a equipa está rotinada o suficiente para jogar de forma diferente?”. Se o treinador levar a equipa à vitória, é um sucesso tremendo; se não, é um falhanço monumental.

    Penso que Lopetegui respeitou em demasia as águias mas a ideia de jogo talvez tenha sido outra que não simplesmente a de conter o Benfica. Acho que o treinador do Porto quis ter a posse de bola (já que Jesus daria o controlo de jogo ao Porto) e quis ter no banco um jogador que desequilibrasse (Quaresma) caso o jogo estivesse numa encruzilhada. O problema é que o Benfica jogou com a defesa subida e nunca o Porto teve espaço para ter uma posse de bola eficaz e asfixiante – jogou-se sempre num espaço muito curto. Sem Tello, o Porto não tem tanta profundidade mesmo que jogue com Quaresma, e Jesus percebeu bem isso.

    Outros pormenores que não compreendi foram como se joga com quatro médios e não se escolhe o que dá mais profundidade – Herrera – ou como se joga com quatro médios de posse sem ser num esquema de 4-4-2. Na minha qualidade de treinador de bancada, parece-me óbvio que, com um esquema com um meio campo povoado e sem extremos, têm que ser os laterias a dar profundidade, sendo que nunca se viu isso eficazmente no Porto. A rotina podia ser a “desculpa” mas o que se viu foi o Porto num 4-3-3 com quatro médios, em que o único extremo (Brahimi) ia buscar a bola ao meio-campo defensivo e o outro extremo era, na verdade, Óliver, um jogador que não tem características para jogar na ala! Ou seja, tornou-se um Porto bastante, muito, imensamente curto, que se viu preso numa jaula formada pela bloco (agressivo) dos jogadores benfiquistas.

    O Porto, com melhores jogadores, teve, claro, mais posse de bola mas só por duas vezes causou perigo à baliza de Júlio César. Foi, por isso, uma posse de bola inconsequente. Muitas foram as vezes em que Maicon, com os caminhos todos tapados, fez passes longos ou os médios solicitaram a corrida dos “extremos” que, na verdade, ficaram parados à espera de receber uma bola directa no pé. A ideia do treinador basco podia ser uma boa ideia mas, por má escolha dos jogadores (ou da táctica) ficou-se por uma boa ideia no papel e uma má ideia no campo.

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    Na Luz, o FC Porto voltou a ter imenso apoio nas bancadas
    Fonte: Página de Facebook do FC Porto

    O atrito entre os treinadores

    Lopetegui e Jójus são dois treinadores que vivem o jogo com muita paixão. O primeiro não tem papas na língua e o segundo, além de uma arrogância excessiva, tem uma certa imunidade no futebol português. O basco, de cabeça quente, dirigiu-se ao português e, acreditando nos media, pediu-lhe explicações sobre a troca do nome… e o caldo ficou entornado. Se quisermos distribuir a culpa, é óbvio que esta pertence ao treinador portista – agiu mal, sem dúvida. A maneira como Jebus se dirigiu a Lopetegui ao longo da época é a maneira arrogante como se dirige a muitos outros treinadores e equipas – não é defeito, é feitio. A troca de nomes, propositada ou não – acredito que apesar do tom não foi propositada –, é só mais uma prova disso mesmo, e o treinador espanhol não gostou, como qualquer outra pessoa não gostaria!

    A última coca-cola do deserto já acumulou diversos erros ao longo da sua carreira no Benfica mas como é português, como dá uns pontapés na língua (e uns murros à policia) e como tem uma arrogância que chega a ser divertida, tudo lhe é perdoado, ao contrário do espanhol. Não tiro mérito a Jasus – é, sem dúvida, um grande treinador, com qualidade suficiente para treinar as grandes equipas do futebol mundial. Mas a demonização de Lopetegui é exagerada e acontece porque foi o único que ao longo da época foi pondo o dedo na ferida quanto às arbitragens.  De resto, e neste ponto, a arbitragem não esteve mal e a presente inépcia portista fez com que se deixasse passar a mão na cara de Jackson dentro da área benfiquista.

    A falta de raça

    O último ponto é o que me preocupa mais: a falta de raça da equipa. Não sei se a estrutura não tem passado o que é ser Porto, se os adeptos não andam a mostrar a atitude guerreira, se é o treinador que não passa esta mensagem à equipa ou se é, simplesmente, a atitude natural destes jogadores. O que se vê é uma equipa sem a fúria que sempre caracterizou o Porto, um querer que vai para lá do cumprir a obrigação e que assume contornos de orgulho pessoal e colectivo. Neste jogo, os dragões pareciam que estavam a disputar mais uma partida para cumprir calendário. Organizados e eficazes a defender, sem dúvida, mas com poucas ganas no ataque – eramos nós que tínhamos um jogo para ganhar! Uma época sem ganhar um título, deixando escapar novamente o campeonato, é um desastre desportivo. Se calhar, para estes jogadores, não é nada de mais; alguns até devem voltar para os clubes a que pertencem no final da época e até já se mostraram na Liga dos Campeões. Mas o Porto sempre foi mais do que isto.

    Não sou apologista da violência mas já vi jogadores estrangeiros disputarem, dentro de campo (parece-me importante o pleonasmo aqui), um clássico como se fosse uma questão de vida ou de morte. Agora saem de campo a rir-se, a abraçar treinadores ou em amena cavaqueira – tudo aquilo que é a antítese do que devia ser a atitude de alguém que provavelmente deixou escapar o campeonato. Talvez os jogadores já não acreditassem mesmo em caso de vitória…

    À chegada houve palmas de duas dezenas de adeptos. Não são uma amostra significativa mas, sinceramente, fiquei incrédulo, assim como o comum portista. Atitude exige-se para o que resta do campeonato e para o próximo que se avizinha; tenemos que ter huevos, hostia!

    Foto de capa: Página de Facebook do FC Porto

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    Pedro Nuno Silva
    Pedro Nuno Silva
    Portista de corpo e alma desde que se conhece e amante de futebol, quando o assunto é FC Porto luta para que no meio do coração lhe sobre a razão.                                                                                                                                                 O Pedro não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.