Será a “prata da casa” uma ilusão?

    serefalaraporto

    Quando se contrata um treinador, contratam-se obrigatoriamente as suas ideias, os seus projetos e as suas convições. Resultado desta afirmação é toda a política de compras do FC Porto, que notoriamente tem o dedo de Lopetegui. Como adepto, obviamente fico feliz ao ver nomes como os de Tello, Adrián, Casemiro, Martins Indi ou Classie (?) vestidos com as cores do clube. No entanto, visualizando este cenário noutra perspetiva, para que estes grandes nomes do futebol mundial tenham lugar na equipa principal, assistimos a um crescente desperdício da formação. Ainda que estes nomes do futebol entusiasmem a massa associativa e criem perspetivas positivas sobre a nova época que está prestes a começar, chegou a altura de nos interrogarmos sobre quantas mais estrelas portuguesas serão desperdiçadas.

    Na minha opinião, o exemplo atual mais claro é a seleção nacional de sub-19, que acaba de fazer um estonteante Europeu. Olhando para o onze inicial, vemos que cinco dos seus jogadores pertencem ao FC Porto. Um desses jogadores é Rafa, um defesa esquerdo que desde os 15/16 anos joga um escalão acima do seu e que possui enormes capacidades defensivas e ofensivas, às quais junta uma habilidade especial para as bolas paradas. Questiono se será ele menos capaz de ser suplente de Alex Sandro do que José Ángel. Outros casos são André Silva e Gonçalo Paciência. O primeiro, que desde os sub-15 se acredita ter potencial para ser o próximo ponta-de-lança da seleção, e o segundo, que é técnica e taticamente mais forte do que o pai – todavia, falta-lhe (e certamente com a experiência evoluirá) o faro de golo que este possuía. Será que existe necessidade de investir em Jiménez ou noutro jogador, tendo disponíveis estes dois jogadores no plantel? Não querendo ser demasiado crítico nem tirar o mérito a ninguém, se não existir uma aposta séria nestes atletas, em vez de termos novas estrelas, como Quaresma ou Capucho ou Domingos, iremos ter mais jogadores como Candeias ou Hélder Barbosa.

    Portugal chegou à final do Euro Sub-19 com cinco portistas no onze base  Fonte: FPF
    Portugal chegou à final do Euro Sub-19 com cinco portistas no onze base
    Fonte: FPF

    No entanto, parece existir uma esperança. No plantel atual, Rúben Neves, de 17 anos, tem sido titular da equipa sénior, valendo-lhe uma série de manchetes de jornais. Claro que isto acontece porque nunca se aposta na qualidade nacional e, assim sendo, o que é novidade é sempre comentado. Deste modo, também os jogadores que citei e a que posso juntar, por exemplo, Ivo Rodrigues, tendo oportunidade, acabariam por ver o seu mérito e a sua qualidade reconhecidos. Mas é preciso atenção para garantir que situações como a de Sérgio Oliveira, que no passado (com a idade de Rúben), pouco tempo depois de representar a equipa principal, foi emprestado a um clube belga, sem qualquer apoio e, mais tarde, a divisões inferiores, não voltam a acontecer – perdendo-se assim uma promissora estrela portuguesa.

    Estes jogadores, ao ser-lhes dada a oportunidade de brilhar em campo, podem vir a demonstrar algo de que tenho profundas saudades: “jogadores à Porto”. Ser Porto é muito mais do que usar uma camisola aos ombros e um símbolo ao peito. É preciso que os jogadores que aqui entram deixem de ver o clube como uma porta atrativa para os grandes clubes europeus e saibam viver o espírito do clube e a ambição do jogo e agarrem a força dos adeptos. Há muito tempo que não vejo um Jorge Costa, um Fernando Couto, um Ricardo Carvalho ou um Bruno Alves e a solução pode estar mesmo ao nosso lado, nas nossas camadas jovens. A título de exemplo, há muito tempo que faz falta um grande central, como o Porto sempre teve: um central da casa, um capitão.

    Julgo que em Portugal existe uma clara ausência de aposta no futebol nacional – creio que esta é uma opinião corroborada por muitos entusiastas do futebol. Para além de todos os argumentos expostos, relembro ainda que, coincidência ou não, é um facto que há dez anos o Porto ganhava as provas europeias com defesa e meio-campo portugueses. Também a seleção chegava à final do Europeu e, mais tarde, à meia-final do Mundial. Se estendermos isto ao panorama mundial, vemos que o mesmo sucedeu em Espanha e na Alemanha. Em Espanha temos o Barcelona, que dominou o futebol mundial e é hoje um clube de excelência, em que existiu uma forte aposta na formação, o que se repercutiu direta ou indiretamente nos bons resultados alcançados pela seleção espanhola. Atualmente, a Alemanha é a potência mundial do futebol porque também esta apostou na formação. Quer nos seus clubes, quer na seleção, o resultado não podia estar mais à vista! Bayern de Munique e Borussia de Dortmund destronaram outros grandes clubes europeus e a Alemanha teve brilhantes desempenhos e conquistas no Mundial do Brasil e no Europeu sub-19. Um exemplo ainda mais paradigmático é o da seleção colombiana: ainda que no início existisse alguma qualidade no seu jogo, esta era desconhecida para o comum dos adeptos. Todavia, a Colômbia faz parte, atualmente, do Top 5 do ranking da FIFA, ocupando o 4º lugar. O Porto fez um grande investimento em jogadores deste país, com Guarín, Quiñones, James, Falcao, Quintero, Jackson – alguns destes estão hoje avaliados entre 40 a 85 milhões!

    André Silva é um dos mais jogadores mais promissores da equipa B dos dragões  Fonte: fcporto.pt
    André Silva é um dos mais jogadores mais promissores da equipa B dos dragões
    Fonte: fcporto.pt

    Todavia, o caso português é bem diferente, infelizmente! Se nas seleções jovens se chega quase sempre muito longe, se há poucos dias passámos a lidar o ranking das seleções jovens (ultrapassando a Alemanha, recentemente campeã europeia de sub-19), nos clubes nacionais o cenário é distinto. Como exemplo, a formação sub-19 do Benfica, que chegou à final da Champions da categoria. Quantos desses jogadores vão ser aproveitados? Não sei como se pode justificar o claro abandono do apoio aos craques nacionais com a chegada à idade sénior. De forma a fugir a todas as críticas que se geraram em torno desta temática, foram criadas as equipas B. Ainda que as equipas B permitam que os jogadores jovens compitam de uma forma mais séria, sendo isto evidente nas competições internacionais, é preciso deixá-los prosseguir a sua carreira enquanto séniores. Alegadamente, a equipa B é o ponto de passagem de júnior para sénior; no entanto, quantos jogadores foram aproveitados? A não ser que Reyes, Carlos Eduardo e Herrera sejam luso-descendentes e ainda não se tenha descoberto. É realmente lamentável que na formação dos clubes nacionais se invistam milhares de euros e mais tarde haja um novo investimento na ordem dos milhões na contratação de jogadores estrangeiros…

    Para finalizar, deixo uma pequena reflexão: serão os nossos jogadores inferiores aos demais? Eu acredito piamente que não! Como se diz, o português tem o samba brasileiro no pé com a cultura tática europeia – em resultado disso, três Bolas de Ouro, nos últimos 14 anos, já cá cantam, e com uma aposta séria poderão chegar mais, bem como mais títulos.

    Lopetegui foi exemplar nas seleções jovens espanholas. Espero que ele, mesmo que não no imediato, reconheça os craques portugueses e os lance como tem feito com Rúben Neves. Portugal sempre se valorizou no exterior, seja no futebol ou noutra área qualquer. Enquanto esse estereótipo não mudar, dificilmente o resto mudará.

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    João Luís Martins
    João Luís Martins
    Sócio do FC Porto desde o dia em que nasceu, é apaixonado por desporto e treinador de futebol.                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.