O sócio é quem mais ordena, dentro de ti, ó clube! | FC Porto

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    No passado sábado, o FC Porto viveu um dos dias mais importantes da sua longa e rica história, seja pela decisão que os sócios tomaram nas eleições, seja pela desmesurada e empolgante manifestação de fé e amor clubista.

    No dia 27 de abril, nas imediações do Dragão, cheirava a cravos, democracia, liberdade, foi um dia em que o sócio-adepto foi quem mais ordenou. Em 1982, Pinto da Costa e outros puseram fim à estagnação e ao conformismo provinciano do clube e deram-lhes asas que o levaram alto e longe. Porém, 42 anos e dezasseis mandatos depois, encontrou o seu perfeito rival e a tribo separou-se em duas partes só aparente mente opostas, pois, apesar de terem intenções e vontades diferentes no que respeita ao ato eleitoral, ambas amam o mesmo clube e esse afeto, que se sobrepõe a tudo, unifica-as.

    Revolução, em maiúsculas. Não é hipérbole, antes realidade. O triunfo de André Villas-Boas, pela contundência dos números e pelo conteúdo das propostas, é um dos momentos mais marcantes na vida do FC Porto e na história do futebol português.

    Não é empreitada simples efabular uma explicação solitária para a ascensão ao trono. Há, talvez, uma conjugação de sensações e necessidades associadas a ideias bem sustentadas, compatíveis com a modernidade que o futebol agora exige.

    Vivemos num tempo em que o futebol associativo está a ser dizimado, por todo o lado, e, na verdade, tenta encontrar novas estratégias de sobrevivência. Os adeptos, por sua vez, não conseguem associar a nova realidade das SAD e dos clubes-empresa aos seus afetos, sentindo-se enganados por verem dominar a razão mercantil, que é pagã, sobre o respeito pelo símbolo, que é sagrado. Os clubes são comprados e vendidos por milionários, fundos e estados, como se fossem fábricas de enchidos e os adeptos esvaziados de concreção e substância, são transformados em consumidores passivos, meros clientes que os clubes tratam com hipócrita deferência.

    Chegou-se a um ponto tal que, em Inglaterra, onde nasceu o futebol e, para não variar, nasceu e tem crescido também a sua perversão pelo espírito do negócio, os adeptos do Newcastle festejaram, há relativamente pouco tempo, na rua a compra do seu clube por um consórcio da família real saudita. Como quem diz: “O dono do meu clube é mais rico do que o teu!”.

    Deste modo, a verdadeira graça, o milagre, portanto, foi ver, no sábado, os sócios-adeptos do FC Porto no centro da ação, decidindo livremente o seu destino. As nossas vidas associativas, por mais pobrezinhas e arcaicas que sejam, têm essa incomensurável riqueza, são um tesouro a preservar, ciosamente. E um clube como o FC Porto, que tem tal manancial afetivo, só faz sentido enquanto os sócios controlarem a SAD e, em momentos decisivos da sua história, como foram as eleições de dia 27, forem eles quem mais ordenaram.

    De 19,5% para 80,3% vai uma longa distância e, apesar do choque inicial, penso que estes números até podem ajudar os portistas a seguir em frente. Porque são inequívocos e fruto de uma votação exemplar, democrática e sem quaisquer sombras a pairar sobre os resulta dos. A grande maioria escolheu as ideias, o projeto e a visão de futuro de André Villas-Boas e o próprio admitiu que uma votação tão expressiva lhe traz uma responsabilidade maior. (Re)unir estes 19,5% e 80,3% é o mais urgente desafio do novo presidente e as primeiras declarações de vitória têm ido nesse sentido. Mas, como em tudo no futebol, se a bola entrar na baliza vai ser mais fácil. Porque se não entrar…

    Desafios, muitos desafios tem André pela frente. Escolher bem o treinador, repensar o plantel, modernizar as instalações, encontrar parceiros financeiros credíveis, acertar com os nomes para a formação e as modalidades, enfim, um projeto gigantesco.

    Começando pelo desafio das contas: durante a campanha, a situação financeira do clube foi um foco constante e motivou grande parte dos ataques mais ferozes de parte a parte. Não foi por acaso: era precisamente aqui que as duas candidaturas chocavam mais e nunca como agora os sócios estiveram tão interessados em números.

    Mas quando Villas-Boas tomar posse, o desafio vai muito além de mudar a gestão do clube: vai começar a ter uma real noção de tudo e a tentação para uma caça às bruxas será grande. Se for por aí, desistirá do desafio da união. Se não for, pode ter de deixar cair algumas das ideias e projetos que lhe deram votos. No meio desta decisão, certo é que a bola poderá ajudar: se entrar na baliza, claro…

    Se isto já parece muito e difícil, vem aí outro desafio: ganhar. Se pensarmos bem, não é o mais complexo de todos. Não mete gratidão ou desejo de mudança, nem palavras esquisitas como governance ou folhas ilegíveis de Excel, nem terrenos na Maia ou no Olival, nem bilhetes para as claques ou representatividade feminina. É bem mais simples do que isso: André Villas-Boas teve 80,3% dos votos, logo para a presidência de André Villas-Boas satisfazer pelo menos os 80,3% de sócios que votaram nele e ainda convencer os 19,5% que escolheram Pinto da Costa, precisa de ganhar títulos. A herança neste campo é pesadíssima, já que ninguém ganhou tanto quanto o presidente mais titulado do mundo, agora derrotado.

    A campanha mostrou a estrutura e as pessoas (fora a dúvida com o treinador, o que não é pouco) que vão partir com Villas-Boas nesta exigente corrida, mas o que será mesmo, mesmo decisivo é, torno a referir, se a bola entra ou não. Para um presidente que recebe o testemunho de 42 anos de defeitos e virtudes de Pinto da Costa, será este o maior desafio. Enquanto treinador, Villas-Boas ganhou tudo numa época. Mas agora estará mais longe da bola que entra ou que não entra…

    Assim foi a revolução de André. A exigência será altíssima, naturalmente, mas a equipa escolhida dão garantias de rigor e independência. Dão, porventura, a certeza da recuperação de um ambiente respirável no Dragão, queira a purga ser certeira e levar para bem longe figuraças e figurinhas que tão mal fizeram ao FC Porto. Pelo que diz, pelo que sabe e pelo que sente, André Villas-Boas é o homem certo no lugar certo. Basta seguir o caminho para onde o leva o coração.

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    Raul Saraiva
    Raul Saraiva
    Jovem entusiasta e curioso, o Raúl tem 18 anos e está prestes a ingressar na Universidade. O seu objetivo é fazer jornalismo, de preferência desportivo, até porque a sua paixão pelo desporto é infindável e inigualável. Desde pequeno que o desporto faz parte da sua vida. Adora ver, falar e escrever sobre futebol, nunca fugindo às táticas envolvidas no mesmo. O desporto-rei é, assim, a sua grande paixão e o seu refúgio para escapulir nos momentos em que a sua grave doença se faz sentir. Ainda assim, também se interessa bastante por NBA, futsal, hóquei em patins, andebol, voleibol e ténis. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser diferente. Escreve com acordo ortográfico.