
Há uma razão que justifica a vitória do Famalicão sobre o Benfica: foi melhor. Depois há várias justificações que explicam essa superioridade numa demonstração de força dos famalicenses e de muita fragilidade dos encarnados.
Foi através da construção e do jogo de atrações que o Famalicão superou a pressão do Benfica. Roger Schmidt foi ousado e quis pressionar num 4-4-2 que, na prática, era um 4-2-4 com os extremos projetados e os dois médios (Florentino Luís e Leandro Barreiro) a cobrir uma vasta parcela do campo. O Famalicão soube sempre ludibriar a pressão encarnada e conseguiu sair de duas formas.
Com o duplo pivô posicionado nas costas da primeira linha de pressão, o Famalicão conseguia sempre atrair um dos médios do Benfica, chamando-o a pressionar e aumentando a zona deserta para apenas um jogador cobrir. Com jogadores como Mirko Topic, mas principalmente Zaydou Youssouf a tocar na bola, permitiu ao Famalicão ter soluções para superar a pressão do Benfica. O médio francês é dos jogadores mais técnicos a jogar em Portugal. Tem um jeito de jogador vagaroso e lento nos processos, mas emana tranquilade e serenidade em tudo o que faz. Coloca o jogo numa velocidade inferior para se evidenciar. Roda sobre adversários, tem recursos no drible e varia o jogo com mestria e qualidade. Quando enquadrado de frente para o jogo fez estragos, colocando passes interiores nas costas dos médios (que, na realidade, era quase sempre só um) do Benfica.

Aí apareciam Gustavo Sá e Óscar Aranda. Gustavo Sá nem teve o dia mais feliz, somando algumas decisões erradas ou mal executadas tecnicamente, mas procurou sempre receber por fora do médio, fosse ele Florentino ou Leandro Barreiro. Mais acerto teve Óscar Aranda, principal criador do primeiro golo do Famalicão. Substituir Jhonder Cádiz nunca será tarefa fácil, mas com características muito diferentes, o espanhol teve função semelhante, funcionando como referência. O que não tem no poderio físico, acrescenta com capacidade técnica para segurar a bola e malabareá-la à espera dos colegas ou superando adversários e lançando bolas nas costas.
A segunda estratégia do Famalicão passava por atrair por dentro para encontrar o lateral do lado contrário livre para conduzir. Construindo pela direita com Calegari muito ativo e Zaydou Youssouf a ser constantemente pedido, Francisco Moura conseguiu por varias vezes receber com espaço para progredir e desequilibrar. Entrando por todos os lados, o Famalicão conseguiu criar perigo e Sorriso destacou-se. Partindo da direita para dentro, o avançando brasileiro superou Jan-Niklas Beste, aparecendo-lhe nas costas já em movimento (de fora para dentro) e ganhando vantagem. Desfilou superioridade e tornou complicada a vida do lateral que fez a estreia oficial pelo Benfica.
Com um plano de jogo bem preparado e executado, o Famalicão deixou a nu as fragilidades do Benfica. As defensivas, porque embora conjugue jogadores mais agressivos sem bola, continua a ter um processo coletivo de pressão desajustado e potenciador de buracos a ser explorados. E as ofensivas, com problemas de criatividade no meio-campo que, com as individualidades mais apagadas (Prestianni mais distante do jogo), são evidentes e não são corrigidas. O Famalicão foi melhor por mérito próprio, principalmente, mas o demérito do Benfica também existe e tem de ser identificado. Se não o for, o buraco negro só aumentará de tamanho.
BnR na Conferência de Imprensa
BnR: O Famalicão conseguiu acionar muitas vezes o Gustavo Sá ou o Óscar Aranda nas costas dos médios do Benfica. O que falhou no desenho da pressão para a bola entrar tantas vezes nesta zona?
Roger Schmidt: Não fomos tão compactos, agressivos e rápidos no posicionamento para cobrir todos os espaços. Esperávamos o que vimos em campo, mas chegámos tarde e por vezes os jogadores do Famalicão tiveram muito tempo para encontrar soluções. Entrelinhas podíamos ter feito melhor. No meio-campo com o Barreiro e o Florentino somos muito fortes a ganhar bolas, foram uma arma a controlar o espaço à frente dos defesas na pré-época. Mas hoje perdemos muitos duelos e não conseguimos antecipar os passes. Tivemos várias fragilidades hoje e essa foi uma delas.
BnR: O Famalicão conseguiu atrair muitas vezes um dos médios do Benfica para acionar um dos homens da frente entrelinhas ou variar o centro de jogo e encontrar o lateral do lado contrário à bola com espaço para progredir. Quais os segredos para a construção do Famalicão ter resultado tão bem?
Armando Evangelista: Passa pela análise que fazemos, pelo trabalho feito pelos nossos analistas, pela preparação do jogo e passa pelos nossos atletas conseguirem pôr em prática o que lhes foi pedido e foi trabalhado. Há jogos em que nada sai bem e a estratégia é muito melhor, mas é mais um toque na bola ou menos um toque na bola, queremos pôr a bola no corredor contrário e não conseguimos, atrair o adversário e não se consegue. Mostrámos que o trabalho foi válido e que os jogadores tiveram a capacidade de o interpretar.