Realidades distintas, objetivo igual: os diferentes contextos da luta pela manutenção na Primeira Liga

    A duas jornadas do fim, a luta pela manutenção caminha a passos largos para a sua resolução. A antepenúltima jornada da Primeira Liga confirmou uma descida – o Vizela já não tem hipóteses de continuar – e três salvações – Farense, Rio Ave e Casa Pia – desenhando cenários de luta diferentes entre as seis equipas que lutam para continuar no topo do futebol português.

    Com a luta pelo título matematicamente fechada, os holofotes apontam agora dois focos de luz na tabela da Primeira Liga. Acima, FC Porto e Braga lutam pelo pódio num calendário que apresenta um confronto direto na última jornada. Abaixo, a principal luta é para fugir ao lugar do playoff, uma novidade relativamente recente e que tem tornado o cenário muito mais interessante.

    A existência de um playoff entre o terceiro pior classificado da Primeira Liga e o terceiro melhor da Segunda Liga não é uma ideia revolucionadora, muito menos pioneira. O mesmo vê-se, por exemplo, no campeonato alemão e resulta sempre na mesma combinação: emoção e a sensação de jogos únicos. O modelo adotado – uma final a duas mãos – marca uma diferenciação ao mais justo método dos pontos corridos e a necessidade de caminhar para a espetacularização do desporto.

    Numa altura em que muito se fala na necessidade de olhar para o futebol como um produto a publicitar, a existência deste playoff permite aproximar as lógicas comerciais e futebolísticas. Beneficiam os adeptos dos clubes, num jogo de emoções ao rubro e de desfecho incerto, e beneficia a lógica mais comercial com dois jogos extra e com capacidade de atrair interesse.

    Olhar para a luta pela manutenção em 2023/24 é olhar também para o lugar de playoff, a única vaga verdadeiramente em aberto. Cinco equipas procuram fugir dele a todo o custo, outra vê neste a única opção para a manutenção. A duas jornadas do final da Primeira Liga e com o apontamento histórico de que a equipa da Segunda Liga venceu sempre o playoff – nos momentos de decisão e com equipas de nível semelhante, ter jogado para vencer em detrimento da luta pelos pontos tem vantagem – este é o balanço da luta pela manutenção. De baixo para cima, começando por quem já disse adeus à Primeira Liga e terminando nos mais aliviados a quem a descida só chegará numa combinação engendrada pelos mais maléficos deuses.

    De Espanha nem bons ventos nem bons casamentos: o desnorte do Vizela

    Diogo Nascimento Samuel Essende  manutenção Vizela manutenção
    Fonte: Filipe Oliveira / Bola na Rede

    A derrota diante do Moreirense atirou o Vizela para a segunda divisão. Três temporadas depois do conto de fadas de Álvaro Pacheco, os vizelenses descem pela porta dos fundos numa época marcada por decisões contestáveis, questionáveis e merecedoras de reflexão profunda.

    Numa época marcada pelo espanhol nos bancos, nem Pablo Villar nem Rúben de la Barrera foram escolhas acertadas. À ausência de identidade no jogo do primeiro técnico dos vizelenses opõem-se a ousada rigidez incapaz de resgatar o Vizela do segundo. A época começou arrastada com Pablo Villar sem ser capaz de dar um fio condutor ao clube e a chegada de Rúben de la Barrera marcou uma reviravolta. O segundo espanhol a chegar ao Vizela procurou impor o seu ADN de posse e colocar o Vizela a jogar um futebol apoiado, desde atrás e superando pressões. A espaços houve rasgos de qualidade, o plantel melhorou em janeiro, mas uma equipa desmoralizada acabou por se afundar num jogo que potencia riscos e erros individuais.

    Para o futuro ficam as lições, especialmente. Aprendendo com elas, o Vizela tem condições atrativas suficientes para regressar em breve à Primeira Liga. Mantendo a base do plantel – e há nomes de qualidade como Jota Gonçalves, Diogo Nascimento, Samu Silva, Domingos Quina e o inevitável Samuel Essende – o clube pode regressar à elite num futuro próximo. Não o fazendo, o risco de cair pelas ruas da amargura é real.

    Próximos jogos do Vizela:

    • Vizela x Estrela da Amadora
    • Boavista x Vizela

    Uma faísca que rapidamente se apagou: o Chaves que nunca se encontrou

    Hélder Malheiro árbitro Chaves jogadores  manutenção
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    A pior equipa da Primeira Liga é o Chaves do início da temporada. José Gomes nunca agarrou o grupo e o início flaviense foi desesperante a nível defensivo e pouco imaginativo a nível criativo. Moreno conseguiu ter impacto imediato, mas as fragilidades do Chaves voltaram a evidenciar-se rapidamente.

    A mesma capacidade de montar sistemas defensivos fortes e coesos que levou Moreno a Chaves foi a mesma que o atraiçoou. Os flavienses nunca tiveram os nomes para defender de forma segura e, visando uma estabilidade não atingida, limitou a influência dos jogadores mais criativos e com maior potencial desequilibrador. Benny Sousa ter terminado a época como ala esquerdo é retrato fiel deste aprisionamento numa equipa que conta com Ricardo Guima ou Rúben Ribeiro. No inverno ainda chegou mais um nome com perfume nos pés – Raphael Guzzo – e Dário Essugo, o melhor reforço do Chaves pela capacidade de preenchimento de espaços.

    Tal como o Vizela, com Samuel Essende, também o Chaves resistiu pela capacidade de Héctor Hernández marcar golos e visar a baliza. Os flavienses ainda podem sonhar com a manutenção, esperando duas vitórias nas derradeiras jornadas e tropeços do Portimonense. O cenário mais certo é mesmo um regresso de Trás-os-Montes à Segunda Liga.

    Próximos jogos do Chaves:

    • Chaves x Famalicão
    • Sporting x Chaves

    A estabilidade que pode desestabilizar: a quinta época de Paulo Sérgio no Portimonense

    Paulo Sérgio Portimonense  manutenção
    Fonte: Edmilson Monteiro / Bola na Rede

    Há poucos nomes com tanto tempo de clube como Paulo Sérgio. Num futebol onde o despedimento é muito mais fácil que o projeto e o fogo de pouca dura mais atraente que a aposta convicta, o percurso do técnico no clube algarvio é uma lufada de ar fresco. Mesmo com todos os contratempos e limitações identificáveis.

    O Portimonense é uma das equipas mais complicadas de definir em Portugal. Tem jogadores com qualidade, mas o plantel está longe de estar apetrechado como outras tantas equipas. O trabalho do técnico conjuga momentos de grande qualidade com momentos de subjugação completa ao adversário, concentrando jogadores na última linha defensiva e abdicando de atacar. Os resultados foram variando num estilo indecifrável e imprevisível. E o Portimonense corre risco de ir ao playoff. Se Paulo Sérgio foi solução não há dúvidas. Se o continua a ser há possibilidades. Se já não o é também.

    O nome grande da época dos algarvios é Carlinhos. Ao contrário de Chaves e Vizela, não é um ponta de lança o baluarte do Portimonense. É um médio talhado para desequilibrar de trás para a frente e cumprir atrás. Tem golo e uma influência sobrenatural em todo o jogo do Portimonense que pode garantir no mínimo o playoff já na próxima jornada e continua a sonhar com mais uma manutenção. Não deixam de ser os algarvios os mais vulneráveis e candidatos a terminar no playoff que nunca significou manutenção.

    Próximos jogos do Portimonense:

    • Portimonense x Rio Ave
    • Farense x Portimonense

    O que acontece na Reboleira fica na Reboleira: o bastião do Estrela da Amadora

    Estrela da Amadora jogadores manutenção
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    O José Gomes fazia muita falta à Primeira Liga. São poucos os estádios capazes de traduzir tão bem o espírito e alma dos adeptos como o terreno que o Estrela da Amadora fez regressar à Primeira Liga 14 anos depois. Evitar a despromoção direta já é um primeiro objetivo alcançado com sucesso para a equipa de Sérgio Vieira.

    Não há, provavelmente, um plantel individualmente mais limitado que o Estrela da Amadora. A sua construção, com tantos reforços em catadupa, também não é índice de uma estabilidade que sempre foi apanágio do emblema tricolor. A proposta de jogo é simples de compreender: defender em bloco, garantir superioridade física no centro do jogo e numérica nos corredores, recuperar bola e procurar ativar os elementos da frente. Não sendo espetacular, é uma proposta que, face aos recursos disponíveis, tem sido eficaz e identitária. Ver o Estrela da Amadora jogar é uma experiência com continuidade, mesmo que os tropeções sejam mais que os festejos sem suor.

    Mesmo com lesões, contrariedades e a impactante saída de Ronald Pereira no inverno, nomes como Kialonda Gaspar, a parceria Aloísio-Léo Cordeiro, Léo Jabá ou Régis Ndo permitem ao Estrela da Amadora e à Reboleira continuar a jogar. Quando as bancadas são o 12º jogador, a manutenção é um objetivo mais realista.

    Próximos jogos do Estrela da Amadora:

    • Vizela x Estrela da Amadora
    • Estrela da Amadora x Gil Vicente

    Os atrasos estruturais que tornam o Boavistão de setembro miragem distante: o impacto do fora de campo no Boavista

    Boavista adeptos em estádio
    Fonte: Filipe Oliveira/Bola na Rede

    À quinta jornada o Boavista liderava a Primeira Liga com 13 pontos e um registo praticamente imaculado com apenas um empate em cinco jogos. Os mais entusiasmados rapidamente começaram a perspetivar um regresso do Boavistão ou uma temporada tranquila que, desde cedo se percebeu estar muito longe da realidade.

    O Boavista, tal como o Rio Ave, não pôde inscrever novos jogadores e a contratação em definitivo de Róbert Bozeník foi a única manobra no verão. No inverno o clube perderia Tiago Morais, grande destaque da primeira volta. Nos entretantos, acumularam-se problemas dentro de campo, com lesões e quebras de rendimento de jogadores importantes. Mais preocupantes, fora de campo tudo correu mal.

    Petit, dono de um trabalho de autor de imenso valor, foi despedido sem sentido. A cinco jornadas do fim, Ricardo Paiva também foi atirado borda fora. Róbert Bozeník provocou uma das novelas de verão. Mais importante e lamentável, acumularam-se salários em atraso, greves justíssimas e uma indiferença revoltante de quem decide. Pensar no Boavista a longo prazo – estando a zona do playoff a uma jornada de distância – é urgente. A manutenção terá de ser a alavanca a curto prazo.

    Próximos jogos do Boavista:

    • FC Porto x Boavista
    • Boavista x Vizela

    Uma luta que não é a sua: como entender a época do Estoril Praia

    Estoril Praia jogadores
    Fonte: Paulo Ladeira / Bola na Rede

    Pela qualidade individual e pelo trabalho coletivo o Estoril Praia nunca poderia estar envolvido na luta pela manutenção. Só duas razões explicam o porquê de ver os canarinhos tão absorvidos nesta situação: fragilidades defensivas demasiado evidentes e impossíveis de colmatar e uma tendência estranha para sofrer golos nos descontos.

    O Estoril Praia é uma equipa muito fluída ofensivamente. Já o era com Álvaro Pacheco – despedido de forma estranha – e continuou a sê-lo com Vasco Seabra que, ainda assim, percebeu os méritos do antecessor e manteve a linha de três atrás para permitir algum conforto defensivo. Ter Rodrigo Gomes, Mateus Fernandes ou Rafik Guitane para desbloquear defesas é um luxo. O problema esteve quase sempre atrás com o Estoril Praia a acumular problemas coletivos e individuais em todos os momentos e em todas as especificidades do trabalho defensivo. Quando foi capaz de gerir com bola e reduziu estas falhas foi dominador.

    Havendo continuidade a um trabalho positivo e sendo capaz de continuar a recrutar em Portugal (Wagner Pina ou Fabrício Bruno) e fora (João Basso ou Vinícius Zanocelo), há potencial para outros voos. Fica o susto que não passará mesmo disso mesmo. Seria impensável ver o Estoril Praia terminar a lutar pela manutenção num playoff. Isto numa temporada em que a final da Taça da Liga foi prémio mais que merecido.

    Próximos jogos do Estoril Praia:

    • Estoril Praia x Sporting
    • Moreirense x Estoril Praia

    Cantar de galo era obrigação: o potencial superior do Gil Vicente

    Atletas do Gil Vicente a celebrar golo
    Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

    Vítor Campelos parecia estar destinado a levar o Gil Vicente a um patamar superior. O técnico realizou um bom trabalho no Chaves, praticando um futebol positivo e eficiente e criando um espírito de simbiose e de ligação aos adeptos. Replicar tal tarefa era o objetivo dos Galos.

    A temporada do Gil Vicente foi irregular e teve jogos com ingredientes para uma receita de sucesso. Faltou consistência para passar da receita à inauguração do restaurante. As lesões de elementos a despontar – Depú, principalmente – justificam os porquês, mas a dificuldade em conjugar os melhores jogadores no onze está no centro da questão. Ter Kanya Fujimoto, Maxime Domínguez, Pedro Tiba, Martim Neto, Félix Correia, Murillo ou Tidjany Touré resolve problemas, mas encaixar tantos jogadores com toque de bola mantendo uma estrutura defensiva sólida e, acima de tudo, fazê-lo em papéis e funções condizentes com as suas características.

    Tozé Marreco chegou e o projeto tem capacidade para continuar vivo. Sem ser deslumbrante, o final de época permitiu afastar o Gil Vicente de uma zona cinzenta onde só com uma conjugação de resultados ingrata terminará. Resolver questões e preparar 2024/25 pode ser útil ao técnico que, depois de um bom trabalho no Tondela, tem atributos para se afirmar na Primeira Liga.

    Próximos jogos do Gil Vicente:

    • Gil Vicente x Farense
    • Estrela da Amadora x Gil Vicente
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