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Enceto a dissertação por dizer que sou um filho do ocultismo, ou que, mais tarde ou mais cedo, pretendo sê-lo pelo facto de querer, a cada passo e de modo mais impetuoso face a ontem e menos vincado face a amanhã, o jornalismo escrito, a fação da redação propriamente dita, na qual o reconhecimento advém da expressividade de cada vocábulo, em que as palavras clamam o meu nome e onde cada linha constituiu um pequeno capítulo do meu ser.
A trama do “Rei Leão” ensinou-me a ver para lá do horizonte e os meus pais, com o urgir do tempo, alicerçaram e cimentaram a base do ideal apresentado no filme juvenil: a partir desse momento, rio-me perante a superficialidade, embevecido na profundidade que outrora me foi incutida pelas dicas e alertas insistentemente repetidos. E o sucesso, essa fugacidade ou intemporalidade, conforme o apontar da agulha no espetro da genialidade, é alimentado por esse hermetismo, por esse lado que aflora ao recôndito e que, por não saltar à vista, é olvidado à semelhança da velocidade que uma bala alcança aquando do momento no qual se prime o gatilho.
Aurélio Pereira, infelizmente, representa tudo isto. O melhor olheiro do mundo foi trivializado juntamente com as pérolas que descobriu e apresentou ao mundo do futebol. A formação está hipnotizada por um insucesso nunca antes presenciado, está descaracterizada e grita o regresso do mestre, de modo a que as lições sejam bem apreendidas por parte da nova casta de aprendizes. O traquejo de quem coordenou anos a fio a espinha dorsal do clube e que adquiriu, não prata, mas verdadeiro ouro da casa é dissipado de forma assustadora e preocupante.
O departamento de scouting é a artéria aorta do clube e, neste momento, sem o Big Brother ao estilo “Huxleyano”, ela esvai-se em sangue e sucumbe lentamente. Será que Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma, Rui Patrício, João Moutinho e outros tantos pensam que a cantera foi vandalizada e que levaram dela todas as joias e materiais reluzentes? Ou que simplesmente existiu desleixo por parte da estrutura poeirenta e não se trancaram as portas e as janelas devidamente?
Aurélio Pereira confere forma à metáfora supracitada. Uma personagem que adquire, num paralelismo de caráter musical, a “frustração” incrustada em Carlos Tê, autor de poemas no sentido mais puro da palavra, sem o qual Rui Veloso não tinha escrito uma das mais belas páginas da história do rock; num paralelismo cinematográfico, o “senhor formação” é a mescla dos realizadores clássicos, como David Lynch ou Stanley Kubrick que, consequentemente, produziram clássicos inscritos no pedestal artístico visual. Um Herman José sem a devida valorização e frequente inovação face à sociedade paralisada, um António Sérgio e a respetiva “pedrada no charco” face à pasmaceira no cenário da música nacional de então potenciada pelos dos sons de Manchester e um José Saramago enorme para a pequenez e mesquinhice própria da pátria ilustre.
É factual que a capacidade da visão se esfuma com a idade. Porém, também é factual que a velhice e os cabelos grisalhos denotam sabedoria e experiência. Repentinamente, surgiu uma dúvida: distribuir, de livre e espontânea vontade, óculos a toda a cúpula dirigente ou caminhar para a escuridão onde, mesmo com os olhos despertos, nada se observa?
Foto de Capa: Sporting CP
Artigo revisto por Inês Vieira Brandão