Carta Aberta ao Sporting Clube de Portugal

    Não sei como me sinto. A tristeza invadiu e trespassou o meu coração, a angústia nem sequer bateu à porta e a melancolia assume dimensões astronómicas. Tu, Sporting Clube de Portugal, que me acompanhas desde o berço, estás longínquo e situado numa dimensão que não é a dos teus fiéis súbditos. Nos tempos que urgem, as interrogações dominam o meu dia-a-dia. Talvez para que tentes perceber a agonia a que estou subjugado, pergunto o que é feito do rei da selva, cujo espírito selvagem deambula na busca incessante da presa num ritmo voraz e feroz, intimidando e causando náusea aos que a ti, por razões hierárquicas, deveriam surgir.

    Colocando termo a metáforas, direciono-me para a questão que assola a armada verde e branca: A doença que te assombra terá cura ou a morte prevalecerá? Para bom funcionamento da minha sanidade mental e do meu bem-estar, creio que a esperança, aliada à ajuda preciosa das entidades divinas, te consiga proteger.

    Entretanto e enquanto isso não acontece, deslocar-me-ei a todas as plataformas digitais e irei assistir, pela 700ª vez (claro que as contei!), a vídeos e memórias que deixaste à tua legião de apoiantes. Apesar dos 112 anos e da aparência não ser envelhecida, ambos sabemos que és assombrado pela amnésia. Posto isso, relembrar-te-ei dos teus gloriosos feitos, das tuas inúmeras conquistas e do respeito que nutriam por ti. Tudo o que me contaste aquando da tua lucidez.

    Frase bem conhecida dos sportinguistas proferida por José de Alvalade
    Fonte: Sporting CP

    Irmão ancião, lembras-te dos Cinco Violinos e dos “estragos” que causaram aos nossos adversários de então? A quantidade de campeonatos e taças ganhos traduziu-se num número infindável materializados pelo quinteto que remava contra o mundo. Lembras-te também de Héctor Yazalde, o maior artilheiro do campeonato português? Verdadeiro homem de área, nove puro, com técnica distinta e instinto fatal no encontro com a redondinha.

    Lembras-te quando ganhaste a Taça das Taças e da atitude que tiveste frente ao colosso Manchester United FC numa das reviravoltas mais famosas das competições europeias? A tua alma cercava Lisboa na íntegra e o teu coração renasceu das cinzas, estendendo-se ao longo do velhinho Alvalade.

    Lembras-te quando, diante do eterno rival, protagonizaste uma das goleadas mais inesperadas da história do futebol nacional (7-1) mesmo quando já não restavam forças para batalhar, até ao fim, pelo campeonato que decorria? A alegria unificada numa voz única, o orgulho e a emoção de um estádio que transbordava de esperança, de onde a águia saíra mastigada pelos afiados caninos de Manuel Fernandes, Mário Jorge e Raphael Meade.

    Lembras-te da sensação que era ver jogar o Balakov, o Figo e o Paulo Sousa no mesmo 11 inicial? A magia e o génio daquele búlgaro baixinho que tinha sempre a bola colada ao pé com golos de antologia, a força e o ímpeto de Luís Figo que reduzia qualquer defesa à mais ínfima partícula e a inteligência e classe de um trinco que tinha assente valores como a devoção e entrega ao jogo.

    Lembras-te quando, mesmo contra a sina muçulmana, quebraste aquele que foi o jejum mais sofrido da nossa história e terminaste campeão nacional em 2000, data abençoada do meu nascimento? Portugal parou, Portugal saiu à rua e aclamou-te como o melhor do mundo, tecendo juras de amor eterno, rejubilando com a tua chegada à câmara de Lisboa.

    Lembras-te, não descurando o onze brilhante, da relação protetora e de cariz paternal que o João Pinto tinha para com o “Super Mário” no último campeonato, ganho em 2002? A ânsia de serviço do “Grande Artista” produziu golos atrás de golos com o destinatário denominado Jardel, finalizados num abraço emocionante e sentido entre os dois.

    Lembras-te quando, no inferno de Alkmaar, o Miguel Garcia se elevou perante o temporal e marcou o golo decisivo que nos transportou para a final perdida injustamente no nosso reduto? Nesse momento, a propulsão de sangue atingiu modos atípicos causando suores, choros alegres, perplexidade e um sentimento de pertença infindável. Lembras-te do Beto e dos seus festejos quando o golo surgia? O quase rasgar da camisola, a referência ao símbolo e o grito de revolta que eclodia do seu corpo e da sua alma como é exemplo o célebre 4-1 diante do Newcastle na Taça UEFA de 2005.

    Lembras-te do Liedson, o nosso 31? Provavelmente, um dos atletas mais acarinhados do clube, meritoriamente, pelo serviço prestado durante quase uma década, alimentando constantemente o clube com golos decisivos, contra a presa habitual, o SL Benfica. Por fim, quero só saber se te lembras quando, em Alvalade e posteriormente em Manchester (foi um presságio?), fizemos emergir um leão adormecido que rugiu aos ouvidos da equipa do City? Era o nosso momento. Desde o golo do Xandão até à defesa magistral e quase impossível do Patrício nos descontos que senti que aquela eliminatória só poderia ser nossa.

    O presente mostra-se vago e enegrecido pelo facto de o que previamente foi supracitado não coincidir nem se moldar à tua realidade. É imperativo que a preparação do futuro comece de imediato e que a exaltação do passado seja relembrada as vezes que forem necessárias. Não estamos a honrar, de todo, as palavras do nosso fundador.

    Volta, Sporting Clube de Portugal, tenho saudades tuas!

    Foto de Capa: Sporting CP

    artigo revisto por: Ana Ferreira

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    Romão Rodrigues
    Romão Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.