Dois anos de Bruno de Carvalho: os méritos, as fragilidades e os desafios

    a norte de alvalade

    Bruno de Carvalho completará no próximo dia 27 dois anos na liderança do Sporting. Está, portanto, a meio da viagem do mandato que lhe foi conferido pelos sócios. Um momento natural para se fazerem as tradicionais avaliações – será o que aqui hoje se tentará fazer. A sua nomeação em exclusivo e não de uma equipa parece-me fazer aqui todo o sentido tal tem sido o cunho pessoal e centralizador imprimido à tomada de decisões.

    Numa análise como esta há matérias sobre as quais é possível emitir uma opinião definitiva, outras há que, pela sua complexidade, só o tempo deixará perceber o produto resultante da tomada de algumas decisões. Depois há os condicionalismos resultantes do facto de a gestão de um clube estar muito ligada aos resultados desportivos, em particular o futebol, o grande gerador e consumidor de receitas, sendo estes determinantes para a definição do sucesso.

    Elencar-se-ão de seguida, de forma resumida, aqueles que são considerados por mim os principais méritos na actual gestão, considerando desde já alguns aspectos e circunstâncias importantes que marcam a chegada de Bruno de Carvalho à presidência do clube:

    – Um cenário particularmente difícil do ponto de vista financeiro, resultante da falência da gestão anterior, que se reflectiu na pior época de sempre no futebol, agravado pelo facto de ficarmos fora das competições europeias.

    – Um clube há muito desaurido e estilhaçado por convulsões internas, em muito resultante da falta de vitórias e de liderança, com as consequências a fazerem-se sentir quer no espírito do clube e dos adeptos quer na forma como éramos visto de fora.

    – Um clube a clamar por uma mudança na nomenclatura dos seus dirigentes de forma a acabar com álibis de alguns e pôr fim a muitos interesses instalados.

    Méritos

    – Implementação da reestruturação financeira. Independentemente de quem seja a autoria – da direcção anterior, dos credores, ou da actual direcção – o mérito tem que ser tributado a quem a implementa. Ela era crucial para o clube poder sobreviver depois de quatro anos (Bettencourt e Godinho Lopes) de um elevado investimento do qual não resultou nem retorno financeiro nem retorno desportivo.

    – Neste âmbito, os exercícios económicos positivos consecutivos merecem também destaque. Bem como melhores performances nos resultados obtidos com as vendas de jogadores, tão importantes para o reequilíbrio financeiro.

    – Algumas medidas tomadas neste âmbito, nomeadamente o despedimento de funcionários, podem até ter sido injustas para alguns, o que é sempre de lamentar, mas é também verdade que a margem de manobra era muito limitada e o Sporting acumulava em quase todos os sectores gente a mais, acomodada e mal orientada.

    – A re-aproximação do clube às bases, com a implementação de medidas que trouxeram o acréscimo do número de associados.

    – A resolução de alguns problemas que se arrastavam no tempo e pareciam insolúveis, como a colocação das claques na mesma bancada, conseguida de forma simples e célere, ou a edificação do tão ansiado pavilhão, cujo lançamento da primeira pedra está a um par de dias de ocorrer. O início das emissões da Sporting TV.

    – A reorganização das modalidades, sobretudo ao nível financeiro, com a diminuição de verbas, não correspondeu à tão temida perda de competitividade. É certo que também não melhoramos, mas dificilmente se consegue crescer sem pôr mais adubo, leia-se euros. A par disso juntou-se o hóquei às modalidades que regressaram integralmente ao clube, estimando-se que o mesmo venha a prosperar, como o basquetebol e o râguebi.

    – Um dedo especial para a escolha dos treinadores. Grande parte do ressurgimento competitivo do clube, especialmente no futebol, advém de duas boas escolhas consecutivas, Leonardo Jardim e Marco Silva.

    Fragilidades

    – Ao contrário do que se podia esperar, a conflitualidade interna continua a ser um problema para o Sporting. As responsabilidades são de todos, maiores de quem ganhou porque, como em qualquer contenda, os termos da paz são ditados por quem vence. É minha convicção que aqui Bruno de Carvalho podia ter feito mais e melhor e os seus “pecados” nesta área são tanto por acção directa sua como dos seus apoiantes mais acérrimos.

    – Mais importante do que analisar as estratégias, que podem ser diversas, são os respectivos resultados que contam. O isolamento institucional do Sporting mantém-se e é notória nas mais diversas ocorrências. Apesar de a postura hoje ser diferente, os resultados são os mesmos, com o Sporting a aparecer isolado e a não conseguir congregar à sua volta nenhuma outra instituição ou agente.

    – Se houve actuação que ficou muito aquém das promessas eleitorais foi a política de aquisição e dispensas. Excesso de intervencionismo no mercado face às necessidades e possibilidades, (mais de 30 jogadores em 2 anos), acumulando-se a chegada de jogadores sem qualquer recomendação para incorporar uma equipa com as obrigações do Sporting.

    – Excesso de intervencionismo na Academia, que era precisamente, apesar de muitos erros acumulados no passado, o que melhores e mais notórios resultados trazia ao clube. A “aposta na formação” tornou-se numa conversa recorrente, nem sempre com os melhores argumentos de parte a parte. Provavelmente os resultados das actuais intervenções só se conhecerão no médio prazo. São os hoje claros os dividendos de uma aposta efectuada há quase década e meia: Patrício, Cédric, Adrien, William, Tobias, Martins, João Mário, Wallyson, Mané, Iuri, Chaby, Nani e outros que já cá não estão só são possíveis por isso. Os sinais de aviso estão acesos: convocações para selecções desertas de jogadores, ausência inédita em fases finais.

    – A comunicação excessivamente truculenta e desfasada do que me parecem ser as melhores práticas e até os valores do clube. As mudanças recentes são uma admissão de que nem tudo correu bem e, sobretudo, um sinal de reflexão e auto-crítica, indispensável para quem quer melhorar.

    – Provavelmente o ponto mais polémico desta análise face ao que é o pensamento dominante hoje: os fundos. Uma guerra que sofreu notáveis mudanças, ao começar com a Doyen, pedindo a regulação da actividade até se generalizar a todo o tipo de partilha de passes, pedindo a sua extinção. Ao contrário do que se tem vinculado, e que merecerá em breve post próprio, os principais prejudicados serão os clubes com perfis semelhantes aos portugueses e que tenham no horizonte não apenas as prestações internas como também a sua competitividade internacional.

    Bruno de Carvalho vai completar dois anos à frente do Sporting CP Fonte: Sporting Clube de Portugal
    Bruno de Carvalho vai completar dois anos à frente do Sporting CP
    Fonte: Sporting Clube de Portugal

    Momentos altos

    – A eleição e respectiva aclamação no momento que se seguiu. O momento foi de natural festa mas foi também um momento importante de responsabilização.

    – A conquista do segundo lugar no campeonato passado. É pouco, atendendo ao historial do clube, mas é muito atendendo ao ponto de onde se partiu e aos diferentes meios ao nosso alcance, face à concorrência.

    Momentos infelizes

    – A rábula com Manuel Fernandes, um símbolo do clube. Até porque as criticas de Manuel Fernandes não justificavam uma reacção tão violenta.

    – A comunicação no Facebook nos momentos seguintes à derrota em Guimarães. É doloroso perder daquela forma mas o tempo veio demonstrar que se tratou de um acidente circunstancial.

    – O “episódio Marco Silva”. Felizmente quer a intervenção dos adeptos quer a reflexão que se seguiu, permitiu corrigir a estratégia lançada para despedir o treinador, sem razões de fundo que a justificasse. Continua a faltar pôr no lugar o mandatado José Eduardo e acabar de vez com os rumores sobre o contrato e continuidade de Marco Silva.

    Desafios para os próximos 2 anos

    – A palavra determinante será consolidação e estabilização. Por exemplo, da reestruturação financeira, do projecto Pavilhão, da Sporting TV e de outros projectos importantes em curso, como a internacionalização da Academia, etc.

    Upgrade competitivo indispensável para que o Sporting se reencontre com a sua grandeza. Este não surgirá num ápice, requer paciência e sobretudo muita assertividade nas medidas, porque a margem é praticamente inexistente, face ao tempo perdido. Requer também convicção à prova dos primeiros dissabores.

    – O ponto anterior é crucial no futebol, a mola real do clube. Será aqui que as principais ideias – é dizer também as principais guerras – de Bruno de Carvalho serão testadas: fazer mais com menos, as relações com os empresários, manter os melhores jogadores ou substituí-los por jogadores de valor igual, etc. e sobretudo alcançar resultados. Depois de duas épocas excepcionais – que foram do pior lugar de sempre ao regresso pela porta grande às competições internacionais -, o Sporting apresta-se a voltar a um “lugar natural”, que parece ditado pelas diferenças orçamentais. Contrariá-las com o rumo traçado parece ser a convicção do presidente e é, quanto a mim, o grande teste que terá, a bem do Sporting, de passar com distinção. Porque um Sporting sem títulos é um Sporting contra o seu próprio destino.

    – Outras matérias terão igualmente importância crucial, cuja resolução marcará a competitividade do clube, pelas suas implicações financeiras. A renegociação do patrocínio das camisolas será o próximo grande desafio. Outros há como o aumento das receitas, as participações na SAD ou a centralização dos direitos televisivos, que serão algumas das próximas lutas a travar.

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    José Duarte
    José Duarte
    Adepto do Sporting Clube de Portugal e de desporto em geral, especialmente de futebol.                                                                                                                                                 O José não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.