Nem fantásticos dantes, nem terríveis agora

    sexto violino

    Se, nas vitórias, já havia (tímidas) vozes de descontentamento relativamente ao trabalho de Jorge Jesus – porque o Sporting ganhava mas não triturava – imagino que, durante esta semana, elas vão aparecer mais vezes. Pela minha parte, defendo que Jesus nem era o melhor treinador do mundo antes dos desaires em Braga e na Madeira, nem agora é o pior, e o mesmo se pode dizer da equipa do Sporting. Sendo verdade que, depois de uma derrota, todos sabem dar a táctica, o que aqui pretendo fazer é não só analisar o que correu mal na Madeira mas, também, quais serão as maiores dificuldades que Jesus terá de superar. Nada disto é completamente novo, embora teime em subsistir.

    A derrota na Madeira não é mais do que um desfecho de algum modo anunciado – concretizado por fim em dia de azar leonino, mas que já havia sido visível em várias jornadas anteriores. As culpas deste desaire não devem ser apontadas ao treinador ou aos jogadores X e Y, uma vez que os motivos são mais profundos do que uma má prestação deste ou daquele interveniente. Não é por o Sporting ter perdido o jogo que Jesus deixou de estar bem em alguns aspectos:

     

    Pontos em que Jesus esteve bem no último jogo:

    – deixar William no banco: para além de o médio estar a atravessar uma fase discreta, pese o grande golo em Braga, este jogo pedia uma abordagem mais afoita. Jesus percebeu-o e usou dois médios teoricamente mais móveis, com a vantagem adicional de puxar João Mário de novo para a zona onde ele mais se destaca.

    – colocar um extremo de início: a perspectiva de que o União fosse fechar os espaços praticamente obrigava a isso. A opção de colocar João Mário no flanco, apesar de permitir um maior equilíbrio da equipa frente a adversários de qualidade, peca por transformar o Sporting num conjunto mais previsível. As primeiras partes desperdiçadas quando se opta por jogar sem um extremo puro têm sido frequentes.

    – apostar em Montero: o colombiano tem sido insconsistente nas suas exibições, mas foi sobretudo através dele que o Sporting criou perigo. Apesar de El Avioncito ter feito alguns jogos mais apagados, Jesus mostrou que conta com ele. Juntamente com Ruiz e as suas incursões pelo centro do terreno, foi Montero quem mais se destacou pela positiva.

    – colocar Aquilani cedo em jogo: era o que a partida pedia: um jogador criativo, com qualidade de passe, que soubesse descobrir espaços e que, ao mesmo tempo, não desequilibrasse a equipa. O italiano é mestre em tudo isso, e tinha dado boa resposta recente. Como tal, a sua ida a jogo fez todo o sentido, apesar de não ter gerado grandes proveitos. Contudo, Aquilani tem tudo para se tornar fulcral ao longo da época. É um luxo o Sporting ter um suplente como ele.

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    Pontos em que Jesus esteve mal no último jogo:

    – retirar João Mário e não Adrien: é certo que o primeiro não estava a fazer um grande jogo, que o segundo tem estado bem e que falar a posteriori é fácil. Contudo, não é novidade que Adrien rebenta fisicamente por volta dos 60′ (no domingo, quando a equipa mais precisava de dois médios construtores, já ele complicava e se arrastava em campo – situação agravada pelo facto de ter somado 120′ em Braga), além de que não oferece, de todo, a mesma qualidade de condução e distribuição do nº 17 leonino.

    Ora, numa partida em que o adversário não quis atacar, a raça e as compensações defensivas de Adrien eram mais prescindíveis do que a qualidade com bola de João Mário e Aquilani, particularmente porque o sentido táctico do italiano – e a sua maior frescura, uma vez que veio do banco – lhe permitiria estar atento aos pífios ataques dos madeirenses. O timing da alteração – aos 56′ – e a aposta em Aquilani foram correctos, mas a escolha do jogador que saiu não.

    – tardar em retirar Gelson: a meu ver, a titularidade de Matheus Pereira teria sido preferível. Apesar de ser mais novo, o brasileiro tem mais maturidade (isto é, melhor noção de quando deve soltar a bola ou mantê-la, fixar o adversário ou partir para o drible), mais técnica e mais cultura táctica, perdendo apenas na explosão. Desta forma, em virtude de Matheus ser, quanto a mim, superior a Gelson, aliado ao facto de este último ter características que o tornam mais útil a mexer com o jogo nas segundas partes, penso que a equipa terá a ganhar se Jesus começar a apostar mais em Matheus e a lançar Gelson a partir do banco.

    – Matheus com pouco tempo para fazer a diferença: este ponto é consequência do anterior. Gelson nunca esteve muito em jogo, pelo que a troca com Matheus devia ter sido feita. Por muito bom que possa ser um futebolista, se jogar 7 ou 8 minutos de cada vez dificilmente acrescentará algo. Fica a nota.

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    Sem Carrillo, continua a faltar um “abre-latas”. Poderá Bruno César ajudar a colmatar essa lacuna?
    Fonte: site do Sporting CP

     Por que é que o Sporting perdeu na Madeira? E quais são os maiores entraves ao sucesso?

    1) Azar: Apesar de terem um peso menos importante no futebol do que aquele que os treinadores menos competentes querem muitas vezes fazer crer, a sorte e o azar existem. E o que dizer de uma equipa que faz quatro “remates”, tem 26% de posse de bola, falha constantemente passes de 2 e 3 metros, quase não sai do seu meio-campo e acaba por ganhar o jogo?

    É verdade que o Sporting já conquistou algumas vitórias inesperadas mas, no domingo, a sorte sorriu a quem nada fez por isso. Sem ter realizado uma grande exibição, os leões mereciam claramente ganhar. Duas ou três grandes intervenções de André Moreira, aliadas ao baixo ritmo inicial leonino, ao desacerto dos avançados e ao golo sofrido contra a corrente, fizeram do União-Sporting um dos jogos mais injustos dos últimos anos. No entanto, a escassez de golos não só não é novidade como põe a nu as fragilidades leoninas. Há vários aspectos que os leões terão de melhorar para recuperarem a liderança.

    2) Desgaste aliado a algum excesso de confiança: Uma viagem a Braga e outra à Madeira em tão pouco tempo deixam marcas, e ainda mais tendo sido os últimos jogos de um ciclo diabólico. Depois de os leões terem precisado de ser empurrados para cair no Minho, pensava-se que a equipa de Jesus retomasse o caminho das vitórias frente a um adversário do fundo da tabela… mas os leões perderam onde menos esperariam.

    3) Poucas soluções ofensivas: Raro era o jogo em que o Benfica de Jesus não ia para o intervalo a ganhar, mas o Sporting entra dormente e dá muito tempo de avanço aos adversários. Há, porém, um mito que deve ser desmontado: este ano, é comum os benfiquistas lamentarem-se de que têm um mau plantel, quando, na verdade, Salvio está lesionado e, do 11 habitual, apenas saíram Maxi e Lima – na frente de ataque até há mais soluções do que dantes. Ao contrário, os adeptos do Sporting pouco se queixam disto, mas a verdade é que viram a sua equipa ser mais fustigada por perdas importantes: as saídas de Cédric, Nani e Carrillo tornaram a equipa mais débil e, falando apenas dos dois últimos, com muito menos recursos ofensivos. Nem vale a pena mencionar Nani; com Carrillo, o Sporting de Jesus dificilmente não estaria melhor.

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    William e João Mário têm estado discretos, Adrien voltou às exibições desinspiradas. A equipa ressente-se
    Fonte: site do Sporting CP

    4) Pouca qualidade/exibições medíocres dos laterais: Não é segredo que, no modelo de JJ, os laterais têm um papel ofensivo importantíssimo. Porém, na melhor das hipóteses, Esgaio fará exibições “certinhas”. Dele não se poderá esperar que seja um lateral “todo-o-terreno”, qual segundo extremo que faça a diferença com arrancadas, cruzamentos de qualidade e constantes diagonais para o meio a dar linha de passe, recuperando com rapidez quando a equipa perde a bola. O actual João Pereira também não é esse jogador, pelo que uma das maiores pechas da equipa desde o Verão continua a saltar à vista. Veremos o que vale Schelotto.

    Se Jefferson é suficiente para a maioria dos jogos da liga, João Pereira e Esgaio não. Não sei até que ponto a adaptação de Mané a lateral não poderia fazer sentido, numa altura em que a equipa precisa de um lateral-direito fiável e o seu espaço como extremo parece encurtar (recordo que o jovem realizou uma excelente exibição como defesa-direito improvisado na última final da Taça). Ainda assim, com o União foi notório que Jefferson, o melhor lateral do Sporting e muitas vezes o jogador que oferece maior capacidade de explosão à equipa (e por aqui também se percebem as limitações do plantel…) jogou preso e em terrenos demasiado interiores, fazendo com que o Sporting carecesse de largura e profundidade. Se Bryan deriva muito para o centro, Jefferson tem de abrir e afundar. Não é, pois, de estranhar que os desequilíbrios tenham acontecido sobretudo no outro flanco, por Montero, Esgaio e Gelson, ou pelo meio, por intermédio do colombiano e de Bryan.

    5) Sub-rendimento de peças fulcrais: os médios William (não jogou) e João Mário têm tudo para ser a alma deste Sporting, mas atravessam uma fase discreta. Como tal, é impossível a equipa não se ressentir. Não coloco Adrien ao mesmo nível em termos de importância, mas a sua exibição apagada também não ajudou.

    6) O Sporting de Jesus começa a ser conhecido: os adversários já sabem como os leões jogam e fecham muito o corredor central. Aí, a equipa ressente-se de não ter um desequilibrador maturado como Carrillo – os Sportinguistas que lerem isto podem torcer o nariz, mas não é por acaso que JJ tentou até ao fim resgatar o peruano – porque Gelson e Matheus estão apenas a começar. Acresce a isto que, curiosamente, duas das três equipas contra quem o Sporting até agora perdeu pontos – Boavista e União –, por serem das mais fracas do campeonato, assumiram claramente que iriam colocar sempre 10 ou mesmo os 11 jogadores atrás da linha da bola. Mais uma vez, salta à vista a necessidade de um “abre-latas”.

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    Jogada do golo do União. O tento milimetricamente irregular não desculpa a derrota

    Nota final para o árbitro e para as arbitragens em geral:

    Vasco Santos tem um processo em tribunal contra adeptos do Sporting mas voltou, ainda assim, a apitar jogos do clube. Tirando o facto de ter posto fim ao primeiro tempo antes de um canto na fase de maior domínio leonino, de se terem jogado, no máximo, 3 dos 5 minutos de compensação na segunda parte, e de ter havido um ou outro lance mal ajuizado, não se pode dizer que tenha estado mal. Jesus fez bem em reconhecê-lo, ao contrário de um pseudo-magnânimo Rui Vitória que, quando vê a sua situação pessoal mal parada, deixa cair a máscara de sportsman e desata a disparar em todas as direcções, ou de um Lopetegui lunático que se queixa da mínima coisa quando não ganha, mas que, acompanhado por um Manuel Machado estranhamente manso, tem lata suficiente para passar por cima dos dois penáltis claros negados ao Nacional há uma semana.

    No entanto, o Sporting volta a sofrer um golo irregular: a jogada pela direita é precedida de fora-de-jogo. É milimétrico, sim, mas, com o devido uso das tecnologias, como o Sporting propõe, o resultado teria sido diferente. Se se recusa o vídeo-árbitro, é porque se tem a certeza de que se consegue fazer um trabalho de tal forma infalível que dispense o recurso às imagens. Não admito outra explicação, porque sei que o futebol em geral, e o português em particular, é absolutamente cristalino e não dá margem para quaisquer outras leituras. Ora, assim sendo, os Sportinguistas não devem admitir o mínimo erro, por mais pequeno e involuntário que seja. Talvez seja por isto que os rivais não subscrevem a proposta sportinguista do vídeo-árbitro, embora depois se queixem quando lhes interessa.

     

    P.S.: o tribunal decidiu contra o Sporting no processo com a Doyen. Não dedico um texto a isso porque, não conhecendo o processo a fundo, pouco posso acrescentar. Mas uma coisa me parece evidente: os fundos como a Doyen são opacos, especuladores e fazem mal ao futebol – pelo menos ao futebol com que me identifico, e que ainda tenho esperança de não ver totalmente entregue às garras da finança. É bom lembrar que, na Holanda, as ligações à Doyen já provocaram a demissão do presidente do Twente e a suspensão do clube das provas europeias por parte da federação do país.

    Os adeptos de todos os clubes que se assumem contra o futebol-negócio e o enriquecimento de intermediários parasitas – ainda para mais feito de forma nada transparente, uma vez que se desconhece tudo, desde contornos a “investidores” – têm aqui uma excelente oportunidade para esquecerem diferenças e exigirem investigação e controlo apertado a esta e outras agências, de modo a saber se está em causa enriquecimento ilícito, fuga a impostos e/ou lavagem de dinheiro. É, por isso, com tristeza que vejo gente esquecer tudo isto e deleitar-se com a sentença desfavorável ao clube que pôs tudo isto na agenda mediática, pelo simples facto de ser um emblema rival. É caso para dizer que, para quem o faz, vale tudo – até prescindir de valores.

     

    Foto de capa: Facebook Oficial do Sporting CP

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    João V. Sousahttp://www.bolanarede.pt
    O João Sousa anseia pelo dia em que os sportinguistas materializem o orgulho que têm no ecletismo do clube numa afluência massiva às modalidades. Porque, segundo ele, elas são uma parte importantíssima da identidade do clube. Deseja ardentemente a construção de um pavilhão e defende a aposta nos futebolistas da casa, enquadrados por 2 ou 3 jogadores de nível internacional que permitam lutar por títulos. Bate-se por um Sporting sério, organizado e vencedor.                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.