Atraquei no porto de Vila Nova de Famalicão no décimo dia do quinto mês do primeiro ano do novo milénio. A caixa torácica ancorou o meu primeiro brado, outros seguiam-se com maior pujança.
Porém, quando sou confrontado com a minha espécie, todo o choro se esvai e toda a fúria, materializada na cor vermelha que domava o meu corpo na íntegra, desaparece.
Após quase duas décadas de demanda ao fundamento lógico do momento, eis que me surge a explicação: defronte de mim estava o meu pai e os bramidos findaram pelo simples facto de, no primeiro “tête-à-tête”, sermos acorrentados pela conexão clubística que, nove meses antes, me impusera (graças, não a Deus, mas ao meu querido pai) e por, naquele momento, o seu olhar terno e afetuoso me desviar da rota dos maus costumes. A ideia pode constituir uma parvoíce, mas creio que, durante algum tempo, o ciúme e a minha mãe andaram de mãos dadas…
Após cumprimento normal dos quatro dias, regressei a casa. Um sportinguista que se preze, mesmo que não possua conhecimento algum em contabilidade, sabe (ou deveria saber) que o 14 de maio era o “dia D”.
Motivado e completamente eufórico pela tão desejada consagração do título e posterior festejo com o companheiro de uma vida (o biberão), trocam-me as voltas e começam a chegar, aos magotes, membros e amigos da família.
Abateram-se sobre mim a tristeza e angústia e o resultado foi choro compulsivo. Desengane-se aquele que pensa que, com quatro dias de vida, não adquirimos o poder de escansão de prioridades…
Felizmente, a noite caía e a casa perdia volume. O derrame de lágrimas azedas e iradas permaneceu, até que o Messias me pega ao colo e se dirige para a sala, onde estava localizada a TV a cabo. A estratégia delineada, baseada na preocupação paternal, visava o evitamento de trabalho e pesquisa futuros, descortinando a realidade na qual vivíamos.
O Telejornal abria com o triunfo leonino: o mar verde e branco, depositado no Vidal Pinheiro, despertou a minha atenção e cessou o choro de horas a fio. Quatro sorrisos se soltaram, numa homenagem aos quatro tentos apontados (André Cruz x2, Aldo Duscher e Kwame Ayew).
As demonstrações de amor gestual prosseguiam ao ritmo asseverado pelos festejos: norte, centro, sul e ilhas exultavam e, por incrível que possa parecer, lacrimejavam simultaneamente à espontaneidade de um sorriso rasgado. E eu, inapto a tal compreensão, sorria, sorria e sorria.
Apesar de ter vivido o epílogo do trilho, a última das 34 jornadas, o campeonato de 1999/2000 assumirá sempre o estatuto de pedra basilar. O mau começo ainda no ano de 1999 e a interrogação constante sobre os atletas, a vinda de Augusto Inácio e a prática atrativa e alegre de futebol e a glória mais do que merecida alcançada após 18 longos anos, num grito de revolta e num rugido quase tão avassalador como o choro de uma cria indefesa como eu.
Curiosamente, sempre que completo mais um ano, relembro esse jogo e tudo o que o envolveu porque, embora mais crescido, continua a ser a única maneira de pôr término ao lacrimejar ingénuo que me auxilia desde o berço.
Foto de Capa: Sporting CP