Em 1985, estreava nas salas de cinema “After Hours”, fita confinada ao humor mordaz e obscuro de Martin Scorsese; os UHF, pioneiros da onda rock em Portugal, lançavam o primeiro álbum ao vivo denominado por “No Jogo da Noite – Ao Vivo em Almada”; emergiam os britânicos Radiohead ao leme de Tom Yorke, os americanos (provavelmente) mais aclamados de sempre, Guns N` Roses, e a Juventus triunfava diante do Liverpool (1-0), agregando ao seu palmarés a primeira Liga dos Campeões, êxito encoberto pela nefasta Tragédia de Heysel.
Curiosamente, germinava, em São Paulo, Rodrigo Tiuí. Algo me sussurra internamente (sexto sentido?) sobre a miscelânea organizacional de que o leitor poderá estar a ser alvo. Não, não indulgencio a vossa negligência racional, ainda que momentânea. Contudo, reúno todas as diligências com o intento de vos narrar a proeza elementar.
18 de maio de 2008, 17h. Recém-chegado do passeio habitual com os progenitores pela cidade de Famalicão, dispus-me diante da televisão, titubeante e uivando aos sete ventos, com a face purpúrea aquando da bofetada que a minha procriadora me facultou pela ininterrupta gritaria no caminho até casa pelas cores que defendia (e defendo) e pela reiteração enfática da melodia “Só eu sei”. O benfiquismo da minha mãe, embora ela o refute, suplantou-se. Quando querem, os petizes exasperam qualquer pessoa, mesmo aquela que mais paciência possui.
Apito inicial, concentração imediata. Retive dois momentos em particular: o golo erroneamente invalidado ao meu protótipo argentino pelo facto de embater com o pé diminuto na esquina da mesa enquanto replicava o meu ídolo à data, Marat Izmailov, e uma falta não sinalizada sobre o temível Lisandro López no limiar da grande área na medida em que tinha expelido, naquele preciso instante, a primeira azeitona recheada com pimento.
Estranhamente, após o disparo, enamoro um croissant com Nuttella e devorando-o em poucos tragos, contemplo a primeira de duas exultações verdes: Tiuí, assistido por Romagnoli, finaliza acompanhado pelo Fado, após embate no tronco de Pedro Emanuel e na baliza à guarda de Nuno. Repunham-se os níveis de açúcar!
Na mente infantil, as superstições adquirem um poder maciço. Pelo menos na minha, adquiriam. Sucedeu-se, propositadamente, outro croissant e adivinhem…? Yannick Djaló, no flanco esquerdo, cruza para Tiuí que, num contorcionismo surpreendente, cessa a partida. 2-0!
Ponderei resguardar um terceiro, porém os olhares indômitos provenientes da minha mãe detiveram-me. Reflito, inúmeras vezes, o que teria acontecido caso eu, contiguamente, tivesse esgotado o stock de croissants lá de casa…
Foto de Capa: Sporting CP
artigo revisto por: Ana Ferreira