O herdeiro português de Cruyff

    Frase nº 3 – “Na minha equipa, o guarda-redes é o primeiro avançado e o avançado é o primeiro defesa”: Jesus promove uma sobreposição de sectores, com o pivot defensivo a ir buscar jogo aos centrais e a dar cobertura aos laterais quando estes sobem, os avançados a caírem nas alas para baralhar marcações e a pressionarem a defesa de modo a perturbar a construção do adversário, os laterais a funcionarem como autênticos segundos extremos no momento do ataque e a serem ajudados pelos extremos no período defensivo, estes últimos a procurarem constantemente o jogo interior, etc. No fundo, um modelo muito fluido em que os atletas pisam várias zonas e se desdobram em múltiplas funções, antítese completa daquilo que era o futebol pré-Cruyff: equipas rígidas, onde os avançados só atacavam e os defesas apenas defendiam.

    Com efeito, um meu amigo chegado que trabalha para um órgão desportivo falou recentemente com Hilário, provavelmente o melhor defesa-esquerdo português de sempre, que lhe disse que os dois únicos golos que marcou na carreira foram auto-golos. Este testemunho dá conta do que era o futebol há umas décadas. Ainda para mais vindo de um lateral, posição a que, actualmente, se exigem muitos desequilíbrios ofensivos. E Hilário estava longe de ser um lateral qualquer! Em sentido contrário, a versão de Manuel Neuer trabalhada por Guardiola personifica, ao funcionar como líbero e sair a jogar com frequência desde a sua baliza, o expoente máximo desta frase de Cruyff aplicada pelo seu discípulo catalão. Do mesmo modo, também é nítido que Jesus tem exigido, a um Patrício bastante débil no jogo de pés, que participe um pouco mais na saída de bola e dê uso ao passe longo.

    Frases nº 4 e 5 – “Técnica não é poder fazer 100 toques sem deixar a bola cair. Qualquer um pode fazer isso se treinar e até pode trabalhar no circo. Técnica é passar a bola com um toque, à velocidade correcta, no pé certo do colega”; “Alguém que faz malabarismos com a bola no ar durante um jogo, a dar tempo para os quatro defesas adversários voltarem, é o jogador que as pessoas pensam ser óptimo. Eu digo que deve ir para o circo”: Cruyff e Jesus não desenvolveram os seus modelos devido a um qualquer desejo pretensioso de quererem ser diferentes dos demais, mas sim porque acreditavam que os princípios que adoptaram eram os que colocariam as suas equipas mais perto do sucesso. Nesse sentido, havia que pôr os onze elementos em sintonia, concebendo cada um deles como uma peça de uma engrenagem maior, e fazê-los trabalhar de forma tão harmoniosa quanto possível em prol do objectivo comum. Por outras palavras, eis aqui a concepção do futebol enquanto desporto colectivo, o mais belo e complexo que há.

    Sporting de JJ em organização ofensiva frente ao Arouca (2016)

    Claro que, numa grande equipa, as individualidades farão sempre a diferença. Mas elas estão ao serviço do colectivo – Messi é o exemplo mais óbvio. No entanto, quando há espírito de grupo (e falo não de um balneário muito unido, mas sim de uma organização em campo onde cada unidade sabe exactamente quais as suas funções e o seu posicionamento com e sem bola), é possível projectar uma equipa modesta para voos impensáveis. Ao contrário, o exemplo de Ronaldo – que, apesar da quantidade de golos que marca, ganhou apenas um campeonato em sete anos no Real – também mostra a importância de um colectivo forte. Como tal, é preferível ter onze jogadores utilitários do que um punhado de malabaristas inconsequentes. Por onde anda Kerlon, o do “drible da foquinha”? Pois. E mesmo jogadores como Robinho, autênticos predestinados em termos “brutos”, acabaram por não se ter tornado nem em metade do que podiam porque nunca se souberam colocar ao serviço do colectivo. O que nos leva a uma outra frase:

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    João V. Sousa
    João V. Sousahttp://www.bolanarede.pt
    O João Sousa anseia pelo dia em que os sportinguistas materializem o orgulho que têm no ecletismo do clube numa afluência massiva às modalidades. Porque, segundo ele, elas são uma parte importantíssima da identidade do clube. Deseja ardentemente a construção de um pavilhão e defende a aposta nos futebolistas da casa, enquadrados por 2 ou 3 jogadores de nível internacional que permitam lutar por títulos. Bate-se por um Sporting sério, organizado e vencedor.                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.