A procriação requer elevado entrosamento. Do início ao epílogo do processo, todos os momentos assumem uma preocupação igualitária. Duas pessoas que mantenham qualquer relação, percebem prontamente aquilo que pretendo dizer. Adoraria especificar certos aspetos do ato demográfico e de fornecer exemplos ilustrativos, mas ainda não consegui encontrar as palavras que adotem – simultaneamente – um caráter incisivo e afetivo.
O “ser pai” corresponde à segunda fase do processo descrito. A baba é presença assídua durante a vida inteira, o sentimento de orgulho e pertença acompanham. Normalmente, acontece assim. Mas existem exceções, algumas delas bem aborrecidas e não cumpridoras das enumerações anteriores. Torna-se chato quando o progenitor não sente, de alguma forma, a sua própria extensão quando olha o que criou. Trazer à baila cenários familiares envoltos em lamúrias ficará para mais tarde.
O assunto deste texto diz respeito a Gonçalo Inácio. Podem parar de se perguntar quais são as semelhanças entre o central do Sporting CP e o facto de introduzir o texto com a procriação, a explicação segue dentro de segundos. Não, as revistas cor de rosa não constam nos meus protótipos literários e, por essa razão, não retirei de lá a informação. Também não sou insano ao ponto de lançar um boato proveniente daqueles links com taxa viral elevada e disseminar caos pelos chats de grupo.
Se, na temporada transata, as casas de apostas incluíssem a odd “o próximo central oriundo das camadas jovens a integrar a equipa leonina”, poucos apostariam mais de 5€ no nome de Gonçalo Inácio. O universo, pelo que se dizia, tinha alinhado as estrelas em conformidade com a assunção de Eduardo Quaresma. Rúben Amorim “picou” o camisola 52 e a timidez que é publicamente conhecida metamorfoseou-se em elevado espírito de sacrifício e maturidade dentro das quatro linhas.
O jovem central, em época e meia, é já pai para toda a obra. Sim, pai. E começou por ser pai em Braga, na jornada que abriu as comportas do cálice sagrado: foi expulso em 20 minutos, a equipa contribuiu com 200% de entrega e, no final, Gonçalo Inácio abraça Matheus Nunes e chora no seu ombro. Emociona-se, vá. A atitude de pai não é visível? Quando Sebastián Coates é chamado a jogo, Gonçalo Inácio divide tarefas e responsabilidades com o uruguaio, auxilia e põe em marcha a defesa a três (e a cinco). Quando o capitão está ausente, é o internacional sub-21 quem realiza o papel de pai, no sentido mais duplo, representando a figura maternal.
O rapaz, para além de possuir o condão de representar a geração de 2001, efetua (quase) a totalidade das suas operações com o pé esquerdo. Confesso que já rememorei lances do André Cruz e pude comprovar parecenças no que à velocidade, à competência em situações de um para um, ao estilo refinado do seu jogo defensivo e à condução de bola temerária concerniam. Ofensivamente, Gonçalo Inácio deu relevo ao Sporting CP (finalmente!) nas bolas paradas e colocou a sinalização de possível perigo aquando de um canto ou livre direto.
Quando Gonçalo Inácio se lesionou, antes do embate diante do FC Porto (1-1), a equipa deu – de imediato – indicações de instabilidade nas dinâmicas entre o trio defensivo nas duas partidas que se seguiram. Com isto, não aguço o incumprimento de Feddal, Neto ou Matheus Reis, muito pelo contrário. Mas, do cosmos factual, é proibido fugir: à exceção de FC Famalicão, o Sporting CP perdeu pontos na ausência do jovem leão. AFC Ajax, FC Porto, Borussia Dortmund e CD Santa Clara constituem tópicos hábeis na fundamentação da teoria. Coincidência? A bruxaria (ainda) não atracou em Alvalade…
Ser pai é isto mesmo. A ausência provoca a falta de um lugar na mesa, a impossibilidade de adormecer os filhos, as quedas e os trambolhões sucessivos dos imberbes, os trabalhos de casa mal corrigidos. O camisola 25, prematuramente, adornou o futebol leonino com esta responsabilidade. Os adeptos esperam que a sua apetência para a labuta profissional não exija o que mais temem: a emigração, as melhores condições de trabalho, o maior salário…