O futebol, como tudo na vida, sofreu várias mudanças ao longo dos anos, tanto dentro do jogo, como em tudo que o rodeia. As velhas histórias dos craques que apanhavam o autocarro para chegar a horas ao treino foram substituídas pelos aviões e helicópteros particulares acompanhados pelo champanhe e caviar. A vida privada dos atletas, conhecida e sussurrada entre tascos e cafés, foi lentamente substítuida pelas redes sociais e pela constante exposição dos mesmos. O amor pela camisola, aquele “mito” que hoje se tenta explicar aos mais jovens, foi substituída pelos milhões, agentes e contratos publicitários, levando o futebol para um campo de obscenidades e causando uma barreira quase inultrapassável entre o que é o mundo do desporto, e o mundo real.
Mas nesta infindável barreira, existem ainda algumas brechas, quais réstias de uma esperança quase perdida, que nos fazem acreditar, ou pelo menos relembrar, de como o futebol e a vida podem ser, por vezes, um só. Quando olhamos para lendas como Steven Gerrard, Totti ou Buffon, observamos “in loco” como essas brechas, mesmo que pequenas, podem fazer brilhar tanto os olhos dos verdadeiros amantes do futebol. Como páginas perdidas de um livro que, simplesmente, já não existe.
Contudo, parece haver uma nova fenda a surgir nessa gélida parede que circunda o futebol dos tempos de hoje, com um nome bem lusitano: Rui Patrício.
Natural de Marrazes, Leiria, o atual guardião leonino, já conta com mais de 400 partidas ao serviço do clube (o único que representou até hoje), mas não foi de romantismos que se escreveram os primeiros pergaminhos da sua longa história em Alvalade. Mesmo com uma estreia de sonho, a defender uma grande penalidade nos Barreiros, foi com muitos fantasmas que Rui alcançou a sua afirmação. Não são, afinal, todos os ídolos de um clube que começam a sua carreira com os seus adeptos a cantarem e a reclamarem o nome do seu concorrente direto (Stojkovic, na altura).
Felizmente, quem apostou nele soube segurá-lo nos momentos mais críticos (com todo o mérito para Paulo Bento nessa matéria), e passados sensivelmente dez anos, o miúdo inseguro e tímido de Marrazes, é hoje o símbolo de tudo que o Sporting representa como clube. Para não falar da qualidade que o coloca hoje no top dos melhores guarda-redes da Europa, e do Mundo.
Não sei se Rui Patrício vai fazer a carreira toda em Alvalade. Há condicionantes e mudanças na vida que vão muito mais além do que uma simples bola, mas é legítimo que, com 29 anos, comece a existir essa crença entre os adeptos. Para os mais românticos, não se iludam: a barreira entre o mundo do futebol e o mundo real vai continuar a aumentar! No entanto, como tudo na vida, são estas pequenas excepções que nos fazem conseguir apreciar tudo o resto. E, por isso, obrigado Rui.
Foto de Capa: dailystar.co.uk