Não é Juste o que se diz do catraio | Sporting CP

    Um indivíduo que termina, em simultâneo, a dissertação do Mestrado em Jornalismo e Comunicação e trabalha mais do que a duração da terça parte de um dia defronte de uma prensa tem de ser muito forte, não tem? Não, claro que não tem, mesmo que o objeto prensado se resuma a uma quantidade imensurável de tecido vermelho – futuros equipamentos do SL Benfica – à espera de etiquetagem e nominação. Nos tempos que correm, já com o crédito à habitação no pensamento, a demanda por um salário (ainda que mínimo e raso) calha bem porque, felizmente, os pais ainda sustentam o gandulo.

    A desvantagem de laborar num armazém rodeado de lídimos trocistas é arcar com as graças sobre os desaires do clube do coração. Na presente temporada, relativamente à equipa que apoio, os fiascos (quase) têm superado os sucessos e as piadas, num solo fértil em sarcasmo, não temem em medrar. O empate caseiro diante do FC Arouca e o erro clamoroso de Ousmane Diomande foram gasolina para uma gargalhada geral que ainda não conheceu epílogo. Ao remar, força-se a corrente – avé quase Beijinhos e Parabéns – e eu tento forçá-la ao máximo, mas o Sporting CP não ajuda.

    Ousmane Diomandé
    Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

    No século XIX, época retratada no filme A Idade da Inocência de Martin Scorsese, a chama e o desejo confrontaram o pecado, a aparência e os bons costumes. Para acabar enrolado com a Michelle Pfeiffer, eu também confrontava tudo e todos, sem pensar duas vezes. Há quem diga que a Winona Ryder ainda não estava no ponto, opinião da qual partilho. Para não caírem no erro que só faço tudo por um mulherão, confesso que também tendo a confrontar pelo Sporting CP. Por vezes, confronto com o simples propósito de perfurar o período temporal da ingenuidade. Martin Scorsese não optou por esta designação em 1993 e ainda bem.

    O último capítulo da idade da inocência vivido na fábrica remonta a segunda-feira passada. Dialogávamos acerca da quantidade e qualidade dos defesas centrais que residem numa luxuosa moradia algures entre Bragança e a Ponta de Sagres. Escusado será afirmar que a profundidade da conversa resvalou na altura de uma formiga gigante e que as conclusões apresentadas findada a conversa, bem espremidas, não convenciam o ser humano mais pequeno e menos birrento do mundo.

    Enquanto se colavam plásticos sobre o tecido vermelho, muitos foram os nomes recordados na discussão, tais como alguns dos lances onde se vislumbrou de modo límpido o ato heroico ou a gritante incompetência do profissional. Podia reproduzir parte daquilo que ouvi, mas prefiro que soltem boas gargalhadas se tiverem dinheiro para ir ver um espetáculo do Chris Rock ou, caso não tenham, de rememorar os irmãos Marx ou os Three Stooges numa plataforma à vossa disposição.

    Contudo, reproduzirei aquilo que disse sobre o central que dá gosto ver jogar: Jeremiah St. Juste.

    Jeremiah St. Juste Sporting CP
    Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

    – O neerlandês era o central mais rápido da edição transata da Bundesliga. A Bundesliga integra equipas como o FC Bayern Munchen, o BV Borussia Dortmund, o RB Leipzig, entre outras. Estão inteirados? Mesmo com 382094809 por época, St. Juste é o melhor central a atuar na equipa leonina.

    “Romão, um jogador de futebol não é um produto de limpeza que possas adquirir para casa e servires-te dele para apresentares resultados práticos quando ficares sem assunto num encontro amoroso”, disse a cambada que trabalha no armazém.

    Eu ignorei, delineei rapidamente uma análise SWOT e prossegui a marcha vocabular.

    – Escutem! Comparem os golos que o Sporting CP sofreu na sua ausência com os golos que o Sporting CP sofreu na sua presença e tirem as vossas conclusões! As contas são fáceis de fazer, camaradas! Nas duas primeiras derrotas para o campeonato, em 180 minutos, o Jeremiah jogou 36! Já para não falar da paragem de um mês aquando da pré-época, facto que o impossibilitou de entrar de caras na equipa!

    “Até agora, o Matheus Reis era o Maldini dos tempos modernos… deixa-te desse papaguear. O gajo até nem é mau, mas lesiona-se muito! Não serve e, como tal, os 10 milhões gastos nele redundam em desperdício! O António Silva, por exemplo, ilustra bem o que se entende por central valioso”.

    – Meus bonequinhos, o ouro também parte. Deixem lá o António Silva fora disto. Pensem comigo! Que central de Primeira Liga consegue ter velocidade e qualidade técnica para – uma vez perante outra durante uma partida – calcorrear o flanco direito de ponta a ponta e galgar metros ao adversário sem que este consiga apagar o rastilho por si deixado? Só ele, só Jeremiah St. Juste! Já para não falar da rapidez e da explosão sem bola e do posicionamento dentro de campo…

    De súbito, um portista irrompe da sua timidez e reclama um lugar no banzé:

    “Neste momento, só vejo um central melhor do que o St. Juste em Portugal. Chama-se Pepe, tem 40 anos e 20 de experiência e muita sapiência”.

    Pepe FC Porto
    Fonte: Diogo Cardoso / Bola na Rede

    Os restantes riram, abraçaram-se à prensa e, sarcasticamente, remataram o assunto.

    “Olha lá, Romão… se esse central não estivesse lesionado a maioria do tempo, o teu clube estava na luta pelo título, não estava? Pelas contas e pelos golos que sofreram sempre que ele jogou, estava em segundo lugar…”

    – A ciência tem-me desiludido. Confiei nos tubos a borbulhar e nos seres que manipulam os microscópios, mas arrependi-me. Ninguém consegue curar este central de topo. As constantes mexidas numa defesa a três dificultaram uma época de estreia imponente. Por isso, sim, converti-me à fé. Quando o St. Juste estiver em condições, eu acredito em tudo e mais alguma coisa. Aí, o Sporting CP mostrará o verdadeiro significado de uma defesa de betão…

    O fim da inocência chegou com o encarregado de armazém. Toda a gente se voltou para a labuta. O pio foi cortado e nunca mais ouvido. Arriba, tirania e despotismo do silêncio!

    Não se perscrutam ambientes de trabalho assim desde tempos imemoriais. Não é juste.

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    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.