Cair na esparrela em Tribunal com Luz

    Tribunal, algures em Portugal. Audiência número 489065. O arguido tem a palavra.

    “Sempre que oiço a expressão “cair na esparrela” penso em literatura infantojuvenil e, mais concretamente, em Gerónimo Stilton. Atribuo-lhe graça, muita graça até. O espertalhão, que dirige um jornal importante na cidade ficcional da Ratázia, preencheu partes da infância das pessoas pertencentes à minha geração e ministrou, em pequenas espíritos, o gosto, ânsia pela aventura e a paixão pela escrita. A travessia para o smart ecrã – como agora é designado qualquer televisor – tal como muitas outras (à exceção de Clockwork Orange e não d’Os Maias, leitor maroto) perdeu cor, mistério e fantasia. Não se segue, posso garantir, uma extensa crítica literário-cinematográfica. Tempo para confissão?”

    Deferido – sentencia o juiz.

    O arguido prossegue.

    “Por vezes, encho o peito de culpa quando comparo as aventuras de Gerónimo Stilton às peripécias hilárias ocorridas em cassetes dos Looney Tunes, ao despique intenso e sem tempo para descanso entre Tom e Jerry, ao próprio Gargamel e à cólera provocada pelos smurfs, à irreverência de Tom Sawyer e ao espírito livre de Huckleberry Finn. Pode nem existir motivo para que a culpa adquira o formato assustador, mas desconfio que haja. Como apreciador de palavras, a expressão “cair na esparrela” está quase ao nível do divertimento que todos os desenhos animados que mencionei me proporcionaram. Quase ao nível”.

    Findado o depoimento e sem mais delongas, o juiz dá mostras de impaciência.

    Oiça lá, meu senhor! Vai continuar a perder tempo? Quando é que salta toda essa melancolia e fala sobre o derby de Lisboa?

    Embora não adotasse o estilo de Cristiano Ronaldo, o arguido pediu calma. E prosseguiu, com consentimento da instância superior.

    “Está tudo interligado, Meritíssimo. Repare: o Sporting CP tem usado e abusado, à brava, da expressão característica do rato esperto. Então não viu a bodega que saiu da Madeira, na semana passada? Estávamos todos a ver que a esparrela estava tão grossa, tão espessa e tão propícia à queda que nem o Gerónimo Stilton nos valia. Era obrigatório vencer, mas os sportinguistas tinham aquele feeling e tal. Oiça, o rato escrevia livros com muito sucesso, não escrevia? Se escrevesse um livro sobre as vezes que o fenómeno “acontecer Sporting CP” se deu, nenhuma universidade ou grupo de estudiosos se lhe opunha. Vou entrar em contacto com a autora e dividir os royalties”.

    De súbito, o juiz empunhou o martelo e fez reverberar o toco do madeira do tribunal.

    Ordem no tribunal! Mas você está a brincar com quem? Ou fala do assunto que o fez vir cá, ou então suspendo o julgamento! Está a perder o seu tempo e, pior do que isso, a fazer com que perca o meu!

    “Isto tem tudo um fio condutor, eminência judicial. Posso continuar o raciocínio?”.

    Poder, pode. Mas deixe as piadinhas lá fora do tribunal. Não precisa de lembrar-me do poder de que gozo. Apresse isto porque está quase na hora de almoço.

    “Muito bem! Depois da derrota nas Ilhas e a 12 pontos do líder, SL Benfica, mesmo vencendo o derby no Estádio da Luz, seria extremamente difícil assaltar o primeiro posto porque, para além da distância entre os dois emblemas, outros dois – que se encontram em clara vantagem – se empenham na mesma missão. Contudo, se há coisa que aprendemos simultaneamente com nossos pais e com os desenhos animados, é que tentar não custa”.

    Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

    Onde é que deseja chegar com essa afirmação?

    “O derby resultou em empate. Realizando um reparo à justiça – até porque estamos em local apropriado – podíamos realçar o ascendente do SL Benfica e o decréscimo na qualidade exibicional do Sporting CP ao longo dos 90 minutos. É precisamente aqui que pretendo parar de maneira a tomar algum fôlego, repor energias e concluir o meu argumento face à matéria de Lisboa”.

    Agora que estava a ficar interessante é que decide fazer uma pausa? Indeferido! Prossiga! Tenho um almoço com o advogado de Eduardo Cabrita…

    “Só Manuel Ugarte é que foi Inspetor Gadget no derby. Uma vez mais, mostrou estar furos acima de qualquer jogador do Sporting CP. Nas tarefas defensivas, foi crucial. Não deu muito espaço a Enzo Fernandez para que este assumisse as rédeas da partida e percebeu, melhor do que ninguém, o papel de falso médio que Roger Schmidt tentou impor a João Mário. Creio que foi principalmente pelo uruguaio que, a espaços, qualquer adepto que estivesse a acompanhar a partida sentiu que a vitória não era algo tão improvável de acontecer. Pedro Gonçalves não é – nem nunca foi – Hidemasa Morita e, face às características que lhe assentam, desprende-se (ainda que inconscientemente) de funções que oferecem equilíbrio ao miolo. Com dois médios equilibrados, quem sabe se o resultado não teria sido diferente…”

    Fonte: Carlos Silva /Bola na Rede

    Inspetor Gadget? Então e o fascínio pelo perspicaz e astuto roedor?

    Está a tentar ludibriar-me? Que coragem a sua!  

    “Tempo para mais uma confissão?”

    Deferido! Retifique a frase para “última confissão”! E despache-se! Já vi o que tinha a ver…

    “Não tentei, de modo algum, passar-lhe a perna. Digamos que, durante o período em que depus, fui dando guarida à realidade. O Inspetor Engenhoca (traduzido para a língua português), embora seja produto ficcional, é humano. Um rato não pode competir com o Homem. Nós inventamos as ratoeiras para eles caírem na nossa esparrela”.

    Soa o martelo.

    Acabou-se esta palhaçada! Fora daqui! A sessão está encerrada!

    Apagam-se as luzes. Gera-se o burburinho final que vemos nos filmes.

    Todos são encaminhados à saída.

    A nova ida a tribunal para julgamento está prevista para agosto de 2023.

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    Romão Rodrigues
    Romão Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.