É costume dizer-se que os momentos menos felizes das nossas vidas devem ser esquecidos, que o passado deve ser enterrado e atirado para trás das costas. É uma maneira optimista mas, por vezes, pouco sensata de ver as coisas. Não querendo estar aqui a fazer uma espécie de “psicologia de vão de escada”, penso que a forma mais realista de encarar as dificuldades é precisamente a oposta: devemos obviamente reunir forças para conseguir dar a volta por cima, mas nunca menosprezando nem esquecendo os contratempos. E com o futebol passa-se a mesma coisa. Só tendo bem presentes os nossos momentos de infelicidade, bem como os motivos que nos conduziram a eles, podemos ultrapassá-los definitivamente.
O Sporting bateu no fundo em 2013, mas os sintomas do desmoronamento do clube já vinham de trás. A nível desportivo, aquilo que, a meu ver, marcou simbolicamente o início da decadência foi a negra eliminatória com o Bayern em 2008/2009. Porém, em termos estruturais, as coisas talvez já estivessem num lento apodrecimento desde 1995, com o início do Projecto Roquette e a transformação do clube em empresa (SAD). Trocou-se a dedicação ao desporto pelo amor ao lucro e passou a olhar-se para os Sportinguistas não como adeptos e sócios apaixonados mas sim como clientes. As modalidades foram sendo extintas (a primeira e mais importante delas logo em 1995, quando a presidência de Santana Lopes deu a escolher entre andebol e basquetebol e os sócios optaram por colocar um fim a este último), os sócios foram afastados do clube e o Sporting tornou-se, mais do que nunca, uma instituição enfraquecida e à mercê de dirigentes e “empresários” parasitas, que aumentaram as suas contas bancárias à custa da delapidação do clube. Criou-se um fosso cada vez maior entre o clube de Alvalade e os outros dois rivais, e a conversa do “não há dinheiro, vamos ter de cortar e vender património” tornou possível estabelecer uma comparação bastante pertinente entre a realidade do Sporting e o estado do país.
Em 2013, o futebol do Sporting terminou a época que tinha iniciado em Agosto do ano anterior na pior posição da sua História. A equipa marcou apenas 36 golos e sofreu outros 36. Ficou a 36 pontos do campeão, Porto, e atrás de equipas como o Paços de Ferreira, o Braga, o Estoril e o Rio Ave. Era confrangedor ver jogar gente como Joãozinho, Jeffrén, Elias ou Pranjic (estes dois últimos foram entretanto emprestados, tal era a indiferença com que se apresentavam em campo), e, pior ainda, era testemunhar a presidência desnorteada de Godinho Lopes, que não pagava salários e fazia qualquer Sportinguista alternar repetidamente entre a vergonha e a raiva. Este foi o ano em que o Porto nos conseguiu roubar Izmailov e ir buscar Liedson, este último um jogador que preferiu seis meses como suplente da equipa campeã nacional a um lugar eterno como ídolo do Sporting. Foi também o ano em que Joãozinho, um dos piores jogadores que me lembro de ver no clube, disse cinicamente que a sua transferência para o Braga ia permitir-lhe “disputar as competições europeias”, e em que Schaars rumou ao PSV, dizendo que “não podia ficar no Sporting e lutar pelo 5º ou 6º lugar”. Felizmente, Izmailov foi uma aposta falhada do Porto, Liedson praticamente não jogou e mostrou o seu desagrado para com o treinador, Joãozinho vegeta, hoje em dia, na equipa B do Braga, e Schaars é actualmente 7º classificado da liga holandesa. Mas nada disto apaga os vários episódios que dão conta de um clube moribundo e ridicularizado por todos.
O ano que agora acaba foi o ano que, não obstante estes primeiros indícios de recuperação a que agora assistimos, qualquer Sportinguista quer fazer os possíveis por ultrapassar. Eu, obviamente, não fujo à regra. Contudo, desejo firmemente que o regresso da harmonia ao clube seja conseguido através das vitórias e não do nosso esquecimento deliberado. Porque manter uma memória viva das contrariedades já é meio caminho andado para garantirmos que estas não se repitam.
Um bom ano a todos!