A quadra natalícia impera à confissão de assuntos que puxam incessantemente o fio de linho da delicadeza. Perante o espírito solidário vivido, as inúmeras zangas curadas com um remendo tão rompido quanto o buraco que se pretende tapar e a assídua visualização do Natal dos Hospitais, residem segredos na caverna mais oculta, local onde, aconchegados uns aos outros, se aquecem com o calor que se quer olvidar e preparam mais um recolher obrigatório, mas que, desconhecendo a razão, desperta de um sono profundo.
Apresento a minha redenção, não tenho mais por onde fugir. Tentei escapar durante quase duas décadas, mas a consciência pesou na balança que equilibrava o resguardo de algo vergonhoso e a desinibição em extrapolar um facto. Por isso, venho, a público, afirmar que hoje ainda é o dia em que deposito esperanças no Pai Natal. Atenção, a minha crença não se relaciona com a personagem tradicional, de barbas brancas e repleto do tom mais berrante de vermelho. (Sei que deduziram com exatidão a informação que redigi. Contudo, nos dias de hoje, todo o cuidado é pouco!).
Como sportinguista acérrimo, alimento uma fantasia à qual o clube não oferece qualquer seguimento. Na maioria das vezes, a instituição não faz jus à velha máxima imposta no futebol desde o tempo em que se observou a forma esférica da bola: o Sporting Clube de Portugal raramente quebra a barreira da Lapónia. Fontes anónimas salientam que a neve, estado sólido do bem essencial à vida, alberga a locomotiva verde e branca. (Sólido, mas a água transborda a paciência de qualquer adepto). Contudo, quando o trenó e as suas renas ultrapassam a invernia, encalham na chaminé dos telhados e adensa-se o fumo negro. Prendas no sapatinho só de vintena em vintena, sportinguistas.
“Este ano é que é” corresponde à missiva de uma criança de seis anos que, após asneiras e asneiras praticadas durante o ano civil, evidencia na carta que faz ao Pai Natal o bom comportamento e promete reduzir (para metade, pelo menos) as infantilidades. Perante isto, surge a posição paternal que, aquando de uma birra mesquinha, veste a capa de pessoa insensível e, no final das contas, a despe e cobre a cria, oferecendo tudo o que ela ambiciona (é de mim ou a situação descrita remete para a massa adepta e para o apoio incansável, jogo após jogo?).
A previsibilidade habita em Alvalade. Antes de se iniciar a presente época, já era expectável o que o futuro reservava ao clube decadente: a estrutura dirigente erguia-se como o rosto de uma equipa quedada e submersa num ambiente derrotista até às entranhas. Isto, num cenário de véspera de Natal, é qualquer coisa como a reunião da família e o seu olhar atento sobre o televisor, onde se assiste à centésima vez do Sozinho em Casa. A única diferença reside no facto de o Kevin voltar a encontrar os pais, enquanto que o Sporting Clube de Portugal naufraga.
Portanto, querido Pai Natal, quero pedir-te que vistas o fato verde. Para o ano, retira a neve das rodas do trenó, alimenta bem as renas, protege-te do fumo negro da chaminé e recheia as chuteiras dos leões. Estou ciente de que as prendas dependem do comportamento demonstrado no decorrer do ano mas acede ao meu desabafo. Para o ano que se avizinha, prometo reduzir a lista do meu pedido para metade.
Foto de Capa: Carlos Silva / Bola na Rede
Artigo revisto por Diogo Teixeira