Hoje fui assistir ao treino do meu primo, que joga numa das Escolas “Academia Sporting” em Lisboa, e o que era apenas um treino transformou-se numa autêntica máquina do tempo.
Ao ver todos aqueles miúdos na casa dos oito anos envergar a camisa verde-e-branca com tanto orgulho e vaidade, gritando “Eu sou o Montero!”, “Eu sou o Capel!”, “Eu sou o Patrício!”, e ao ouvir o grito de guerra das crianças no fim do treino (“Quem é que nós somos? SPORTING, SPORTING, SPORTING!”), fui completamente obrigado a fazer uma tremenda viagem ao passado. Como era o Sporting quando eu tinha a idade deles? Como sentia eu o Sporting nessa altura? Pois foi precisamente nesse ano que me tornei “doente”.
Tinha eu oito anos e assistíamos à temporada de 1998/1999 com a esperança afinada para mais um ano de luta, vivendo um jejum de 17 anos sem qualquer Liga conquistada. Voltávamos de uma péssima época: quatro treinadores despedidos, um 4º lugar com os mesmos pontos do 5º classificado (Marítimo e atrás do Vitória de Guimarães (que foi 3º). O FC Porto foi novamente campeão, sem qualquer dificuldade (com mais 9 pontos que o 2º classificado, Benfica).
Eramos então presididos pelas duas pessoas que, a meu ver, mais mal fizeram ao Sporting em toda a sua História. O senhor presidente dava pelo nome de José Roquette e tinha um braço direito (supostamente vice-presidente) de seu nome Luís Godinho Lopes. Bela dupla, não? Quanto ao nosso “homem do leme” no que toca às questões futebolísticas propriamente ditas, era um croata de 58 anos, oriundo dos argentinos “Newell’s Old Boys” (onde não fez um trabalho espantoso), mas contava com um palmarés bastante interessante. Mirko Jozic (era assim o seu nome) haveria sido o treinador vencedor do Mundial FIFA Sub-20 em 1987, pela já extinta selecção da Jugoslávia (um bom indício para um clube tradicionalmente formador como é o Sporting); em 1991 levou para casa a prestigiante Copa Libertadores como timoneiro dos chilenos do Colo-Colo, assim como a Supertaça Sul-Americana em 1992; e, já por diferentes territórios, arrecadou a Supertaça Asiática, como treinador do Al Hilal da Arábia Saudita. Antes de chegar a Alvalade, Mirko Jozic passou também pela selecção chilena, pelo América, do México, e pelo Hajduk Split, da Croácia. Um caso raro de um croata com uma carreira praticamente toda feita no futebol sul-americano.
Segundo me recordo (e que não me traia o fanatismo), Mirko Jozic colocou a equipa do Sporting a jogar um futebol bastante perfumado e atraente, com grande influência da fornada de atletas sul-americanos que com ele viajou para Alvalade: Aldo Duscher, Marcos, Julián Kmet, Facundo Quiroga, Gabriel Heinze (que viria a tornar-se uma estrela no colosso Man United) e Alberto Acosta (um futuro ídolo leonino). Estes jogadores vieram juntar-se a Marco Aurélio, Nenê, Vinícius, Edmilson, Juan Viveros (promovido do satélite Lourinhanense), Bruno Giménez, César Ramírez e Leandro Machado… O que perfazia um total de 13 jogadores sul-americanos no plantel! Tal facto, a meu ver, trespassou bastante para o futebol leonino: tal como um futebolista sul-americano, o Sporting transpirava magia, mas também inexperiência e falta de consistência.
A qualidade do plantel e também esta falta de consistência provocaram algo que nunca é bom: a inexistência de um “onze base” ao longo de toda a época. Desde a baliza ao lugar mais avançado do terreno, muitas foram as trocas durante a época de Mirko Jozic: Tiago foi titular durante quase toda a época; porém, a seis jornadas do fim da temporada e depois de uma derrota frente ao Alverca, Nélson assumiu a baliza; na lateral direita, Abdelilah Saber assegurou o lugar, tal como Beto no centro da defesa, alternando de parceiro entre Marcos e Marco Aurélio; na lateral esquerda a luta entre Rui Jorge, Vinícius, Heinze e Nuno Valente não tinha fim. No meio-campo, Duscher, Delfim, Bino e Vidigal alternavam no centro do terreno, com as alas a ficarem quase sempre a cargo de Simão Sabrosa (nunca pensei escrever este nome num artigo meu) na esquerda, e de Edmilson ou Pedro Barbosa na direita. A frente de ataque talvez tenha sido um dos maiores problemas deste Sporting: o nosso amado Iordanov teve uma época satisfatória, apontando 13 golos em 29 jogo; porém, não foi suficiente para fazer a diferença. Krpan, um jovem avançado croata que foi aposta pessoal do treinador, fez 27 partidas e uns escassos 3 golos. Leandro Machado era o Balotelli de Alvalade (pelos piores motivos), embora recorde um grande golo de pontapé de bicicleta do brasileiro. O nosso “El Matador” Beto Acosta só se afirmou na época seguinte (e bem), tendo feito apenas também três golos em 1998/1999.[/caption]
No fim das contas não foi suficiente: por culpa da inexperiência do plantel e de uma série de arbitragens vergonhosas, arrecadámos o 4º lugar pelo segundo ano consecutivo, e Jozic abandonou o comando leonino… mas isso é irrelevante. A magia de um clube como este está em apaixonar, em cativar, em empolgar, em emocionar, ano após ano, mais e mais crianças de oito anos como eu ou o meu primo… mesmo com maus resultados. Está em criar “doidinhos” pelo clube, que, passados 13 anos, recordam com pormenor a época em que se apaixonaram pela essência leonina. É isto. É por isso que amo este clube, porque somos o passado, somos o presente e seremos o futuro. Porque somos únicos. Porque somos o Sporting.